Documentos obtidos com exclusividade por The Intercept Brasil mostram que o fluxo de água liberado pela hidrelétrica de Xingó (SE) aumentou na faixa de horário em que aconteceu o afogamento do ator global Domingos Montagner, no último dia 15 de setembro.
Segundo relatos dos bombeiros que fizeram a operação de busca, a primeira informação sobre o afogamento foi enviada às 13h56 daquela quinta-feira. Os dados sobre as variações de vazão de fluente da usina, que fica 2km rio acima da Prainha de Canindé, local do acidente, mostram que exatamente entre 13h e 14h daquele dia há um aumento no fluxo de água liberado pela barragem.
De 814 metros cúbicos por segundo (m³/s), índice marcado às 13h, a barragem passou a jorrar 913 m³/s, às 14h. Às 15h, o volume liberado já era de 970 m³/s e, uma hora depois, começou a ser gradativamente reduzido (confira aqui a tabela original).
Os dados são da própria Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), responsável pela operação da hidrelétrica. A companhia liberou as informações após seguidos questionamentos feitos por Brent Millikan, especialista em barragens e diretor da ONG International Rivers no Brasil. (Aqui é possível ler a troca de emails entre o especialista e a ouvidoria da empresa, que repassou as informações.)
As novas informações, no entanto, não representam provas definitivas de que o aumento do fluxo da usina tenha causado a morte de Montagner. O trecho do rio é reconhecidamente perigoso devido à curva da margem e à presença de pedras.
“Houve muita imprudência em não se colocar placas para avisar que não pode nadar ali. Houve falta de sinalização”, critica João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, em entrevista com The Intercept Brasil. “Esse aumento na vazão aumenta o perigo. Porque aí o rio vai ficar mais caudaloso, vai ficar com mais redemoinhos”, completou. Um redemoinho, ou vórtice, foi justamente o que as autoridades apontam como a causa do afogamento de Montagner.
De acordo com o horário de pico no uso da rede de energia, as hidrelétricas podem aumentar o fluxo de água liberado, para fornecer mais energia, o que aumenta a correnteza rio abaixo. Isso é feito para atender a um pedido do Operador Nacional do Sistema (ONS). “Essa questão de a usina aumentar a vazão diz respeito às demandas de energia. Os equipamentos funcionam de forma como que automática. Quando há uma demanda maior de energia, e acho que foi esse caso, então as máquinas consomem mais água. Foi um baita azar, nadar exatamente no momento em que isso acontecia”, resume Suassuna.
Como The Intercept Brasil já havia noticiado, na semana do acidente, de acordo com a vazão da usina de Xingó, a velocidade da água — que já costuma ser acelerada — aumenta, tornando-se difícil até mesmo para as embarcações que transitam no local. No início deste ano, um adolescente morreu afogado ao passar de barco na mesma região do acidente de Montagner.
Conforme o relato do delegado Antônio Francisco Oliveira Filho, que colheu depoimento da atriz Camila Pitanga, que estava com Montagner no momento do acidente, “os dois entraram na água, e a correnteza ficou forte de repente. Camila nadou rápido e conseguiu abraçar uma pedra. Ela chegou ver o Domingos nadar contra a correnteza, mas ele cansou e afundou”.
Questionada na semana do acidente, a Chesf informou que “não houve alteração na vazão” durante o dia, mas não deu informações detalhadas, porque — conflituosamente — também afirmou que estava “levantando os dados para a confirmação” dessa mesma informação. Os dados apresentados na tabela mostram o contrário.
A reportagem procurou a ouvidoria da Chesf, que confirmou a existência da troca de mensagens com Brent Millikan, o assunto tratado e a tabela enviada, mas não confirmou os dados apresentados.
Logo após a publicação desta matéria, a assessoria de imprensa da empresa respondeu aos questionamentos enviados:
Nota de Esclarecimento Chesf
A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) confirma que a referida tabela com as vazões horárias corresponde ao que foi informado pela Empresa nas respostas às solicitações efetuadas por meio da Ouvidoria Chesf.
Ressalta-se que, no dia 15/09/2016, a operação da Usina de Xingó foi realizada conforme programação de geração definida pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, para atendimento ao consumo de energia elétrica da Região Nordeste, não tendo havido qualquer operação extraordinária, tendo sido similar a dos dias anteriores e posteriores neste mês de setembro, respeitando-se os condicionantes estabelecidos para operação da usina.
Assim, a Chesf avalia que a tentativa de relacionar o trágico desaparecimento do ator aos valores de vazão da Usina de Xingó é mera especulação sem qualquer fundamentação técnica.
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