Apesar de o governo e as FARC já terem assinado um acordo de paz, com mais de 297 páginas, comprometendo-se a encerrar 52 anos de conflito armado, no plebiscito realizado nesse domingo, a maioria do povo colombiano disse não ao acordo. O resultado foi de 50,24% para o não, e 49,75% para o sim. E ainda que a presença nas urnas tenha sido pouco expressiva - 37,28% - é esse grupo que coloca um balde de água fria no processo de paz.
A luta armada na Colômbia, que iniciou com o assassinato de Jorge Gaitán, em 1948, tem um complexo emaranhado de grupos revolucionários, paramilitares e exército, que se enfrentam sem trégua. O conflito já provocou um saldo de mais de 260 mil mortos, e quase sete milhões de desalojados – gente que vaga pelo país sem conseguir fixar-se ou viver em paz.
A batalha pela paz recomeçou em 2012 e culminou com o acordo de Havana, esse ano, no qual o governo e as FARC se comprometeram com o cessar fogo. Mas, entre os colombianos – quase 35 milhões de pessoas – ainda viceja muito ódio. Os que votaram pelo “não” insistem que não é possível encerrar o conflito anistiando os revolucionários. Querem que sejam presos e paguem pelo que consideram “o desastre” que tem sido as FARCs ao logo desses anos.
Em todo mundo a vitória do “não” causou estupor. Parece inimaginável que mais de seis milhões de pessoas tenham saído de casa para rechaçar um acordo que pretende estabelecer a paz no país. Mas, foi o que aconteceu.
Quem acompanha mais sistematicamente a conjuntura colombiana sabe que esse não é um resultado surpreendente. Afinal, a guinada direitista que vive a América Latina, com campanhas sistemáticas de ódio a qualquer proposta vinda da esquerda, já indicava que a batalha seria dura também ali naquele país. Além disso, o principal articulador do voto pelo “não” foi Álvaro Uribe, o ex-presidente denunciado inclusive pelos Estados Unidos como narcotraficante. Para esses grupos a guerra civil é fonte de riqueza e de negócios. Logo, ela não pode acabar. O argumento público de Uribe é o ódio: “Não podemos outorgar impunidade aos rebeldes”, mas o que se esconde por trás é bem mais prosaico: dinheiro e poder.
Agora, com o resultado do plebiscito, restará aos grupos guerrilheiros a decisão de seguir ou não com o processo de desarmamento que já estava em curso. O acordo previa a entrega das armas e a reintegração de todos os guerrilheiros – quase seis mil combatentes - à vida política nacional.
Os dirigentes das FARC reagiram ao plebiscito com bastante tristeza. Estavam preparados para a paz. “Sabemos que ao longo dos tempos cometemos vários erros, mas pedimos perdão a toda a Colômbia”, escreveram na conta do Twitter.
Eles também informaram que já destruíram parte da armas, realizaram um inventário de bens os quais servirão para reparar famílias e prepararam um pedido de perdão. “Seria uma lástima que isso fosse frustrado”, declarou Humberto de la Calle, ontem , ao votar.
De todas as imagens do dia de ontem, na Colômbia, as que mais chocam são as que retratam a alegria de Álvaro Uribe. Como é possível que um homem, que foi presidente da nação e que hoje é senador, se regozije por conta de um resultado que recolocará o povo colombiano na trilha da violência e da morte? Por todo o país, o sentimento é de muita tristeza, afinal, foi um resultado apertado, que mostra também uma Colômbia dividida. De um lado, os que querem seguir vivendo e de outro, os que lucram com a morte e com a destruição do país.
O presidente Juan Manuel Santos afirmou que seguirá lutando pela paz. Timochenko, um dos líderes das FARC também reitera a vontade de continuar na busca da paz. Agora, muita água rolará por baixo da ponte até que a vida vença. Santos já anunciou que irá conversar com as forças que alavancaram o “não”. Isso significa que começa outra batalha interna, uma queda de braço entre os outrora companheiros e agora adversários: Santos e Uribe.
Uribe sai fortalecido desse plebiscito e certamente colocará na mesa algumas exigências. De qualquer forma, considerando ser ele quem é, mesmo que se acerte com Santos, o povo colombiano é quem irá pagar caro por qualquer acordo que surja daí.
O resultado desse domingo na Colômbia é de uma tristeza infinita para todos aqueles que caminham no rumo da paz. Mostra que a jornada ainda está longe do final.
*Elaine Tavares é jornalista do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), do blog Palavras Insurgentes e da revista Pobres e Nojentas.
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