A atriz e diretora Cida Falabella, juntamente com Áurea Carolina, é a primeira vereadora a se eleger pelo PSOL em Belo Horizonte. Ambas compõem o movimento “Muitxs – pela cidade que queremos”. Logo após a confirmação do resultado nas urnas, no domingo (2), Cida declarou: “Eu estou muito feliz por trazer a pauta da cultura com centralidade. Eu digo que a cultura educa, afeta e transforma. Por meio dela, nós vamos mudar corações e mentes, começando pela Câmara Municipal”. Em entrevista ao Brasil de Fato MG, ela discute os desafios de seu mandato e ressalta a importância de trazer a cultura para o centro do debate político na cidade.
Qual a importância de se ter uma vereadora com uma inserção tão forte na área da cultura?
Eu acho que a questão da cultura está ligada a tudo, envolve a nossa visão de mundo. Entretanto, na política, a cultura é vista como detalhe, aquela cereja do bolo, nunca tendo o destaque que deveria, por mais que a gente já tenha um histórico de luta pela cultura na cidade. Ao chegar ao Legislativo, queremos batalhar para que essa discussão esteja em todos os espaços de representação. O Legislativo tem o papel de debater e construir leis de maneira democrática, com participação e diversidade. É importante que a discussão sobre a cultura se aprofunde em todas as frentes para viabilizar a cultura em movimento, a cultura em toda a cidade, a arte que afeta todos os setores, que dialoga com a cidade, com a saúde, com a educação. Não existe um programa que junte essas áreas, que forme público, colocando arte e cultura como parte integrante da vida e não como um bônus, algo com que as pessoas convivem ocasionalmente em suas vidas. A cultura é parte da vida e um direito que tem que ser garantido.
A Câmara Municipal, na atual legislatura, tem tentado fazer isso?
Eu acho que deixa a desejar. Já tivemos atuações mais combativas, momentos mais intensos, em sintonia com a sociedade. Existem vereadores que dialogam com a cultura, mas, se tivermos mais gente, com visões diferentes, é melhor. Tem dois, três falando de cultura? Ótimo! Que tenhamos dez ou mais.
Não estamos falando só de produção cultural, mas de uma visão mais ampla que inclui as artes, o diálogo com educação, a cidadania. Não pode ser um debate restrito às leis de incentivo, reforma da lei. Tem que ampliar paradigmas, pois a cidade muda muito.
Quais projetos precisamos construir? Projetos discutidos com mais pessoas, número maior de artistas, públicos, técnicos, trabalhadores, são mais bem pensados. É um compromisso nosso, de todo o movimento do qual Áurea, eu e o movimento “Muitxs” participamos, construir o diálogo.
Como você avalia a situação da cultura em BH nos últimos anos?
A gente regrediu muito, travamos uma verdadeira luta contra o governo de Márcio Lacerda, que cultiva uma visão de que a cidade seria uma empresa, uma cidade de fachada. Ele tentou criar a aparência de certa normalidade, com grandes eventos caríssimos, a cidade como cartão postal, o tombamento da Pampulha, uma política mais preocupada com esse tipo de ação do que com a permanência das ações, com o dialogo com sociedade, uma política cultural de governo e não de Estado.
É verdade que temos uma cidade viva, um movimento cultural pulsante, uma cultura em movimentos, apesar do governo Lacerda. Mas falta assegurar um conselho de cultura forte, fóruns fortes, centros culturais na periferia, aproximar o que acontece na cidade, fazer investimento para além do mínimo necessário, que hoje não é atingido.
Os fazedores de cultura hoje fazem na raça. É preciso que o Poder Legislativo fiscalize a aplicação desses recursos e se coloque como mediador e facilitador do diálogo, a fim de que os recursos cheguem às pessoas, aos empreendedores que propõem coisas incríveis na cidade.
Embora o número de vereadoras em BH tenha aumentado, passando de uma para quatro, ainda temos uma Câmara conservadora e, em sua esmagadora maioria, formada por homens. Como enfrentar essa situação?
Fazendo do mandato uma grande caixa percussiva da sociedade. Além do nosso compromisso de luta, Áurea, eu e todas as mulheres da “Muitxs” apostamos nisso. Nesse espaço, nós mulheres não delegamos a representação para homens, mesmo que ele ainda não reflita a maioria que somos na sociedade, mas há um simbolismo e uma conquista. Estamos à disposição da cidade e viemos com as pautas feministas. Não é possível discutir a mudança sem essas pautas. Temos que a dialogar com outras companheiras, dialogar também com as pessoas que pensam diferente de nós. Embora seja pequena a participação numericamente, ela chega com força, pelo modo como a gente chega. Importa também manter o diálogo com o PSOL, a frente de esquerda que viabilizou nossa candidatura, fazer um mandato participativo, com representatividade, de modo que nossas companheiras suplentes possam estar dialogando conosco, como a Bella Gonçalves e a Cristal López, que tiveram um desempenho formidável na eleição.
Na verdade, não somos apenas duas, somos todas as mulheres que construíram as “Muitxs”. Dizer que somos muitas não é só uma frase de efeito, pois isso vai se espraiar para o mandato em instâncias de decisão interna, elaboração de projetos de lei, participação em comissões. São formas de fazer com que esse espaço das mulheres se multiplique lá dentro. Não estaremos sozinhas, mas com as mulheres que nos dão suporte, sua presença, suas lutas na cidade para que a função do Legislativo seja exercida de uma maneira radicalmente democrática.
Você venceu essas eleições sem muito dinheiro, mas na base da militância. A sua vitória, ao mesmo tempo, ocorre em um contexto de golpe contra a democracia brasileira. Que mensagem de esperança você deixa para a cidade de BH?
O principal é afetar a política, encher a política de afeto, mostrar que ela pode ser bonita. A campanha tentou romper com uma ideia pronta do que é ser político, o que está presente, inclusive, na estética da campanha e na intensa participação que envolveu. Acho que recuperou alguma coisa que existia na época em que eu comecei a militar no movimento estudantil e que foi se perdendo com o tempo. Minha sobrinha se engajou na minha campanha, tinha muito tempo que eu não via isso: a política interessar às crianças, pois elas achavam que tinha a ver. Uma garota de sete anos me dava ideia sobre como eu devia fazer campanha, minha mãe idosa já não votava e fez questão de votar.
Existe algo em comum com o teatro. O processo é tão importante quanto o resultado. A resposta da votação incrível da Áurea, como mulher que catalisa essa imagem das muitas, que vem das lutas, com o PSOL e a Maria da Consolação, que percorreu vários lugares, andou quilômetros. A gente vai aprendendo a fazer. O mais legal da campanha é que a gente se ajudou, a gente não foi concorrente, o que tocou muito as pessoas. Tínhamos expectativa de eleger apenas uma candidata e elegemos duas, mas o processo foi importante. Como no teatro, se o processo for rico e levar para outro lugar, a chance de dar certo é muito maior do que quando você entra numa coisa sem acreditar no que você está fazendo. Em geral, eu só faço quando acredito totalmente. Então, vale para a política, para a arte e que valha para o mandato.
Edição: ---