A cara e a coragem. Pesquisa. Procura por financiamento. Boas histórias. Equipe. É disso que se faz teatro para a infância no Recife. As dificuldades não impedem que os grupos continuem produzindo e levando para as crianças peças que também falam da persistência. O público é exigente e desafia artistas no desenvolvimento de produções que fujam da obviedade do lúdico.
Leidson Ferraz, produtor cultural e pesquisador de teatro, fez recentemente uma pesquisa sobre a produção teatral para crianças em décadas passadas e comenta o teatro infantil atual: “O teatro para crianças passa por fases. Tem períodos de produção mais vigorosa. Em termos de qualidade, Pernambuco é referência no Brasil. E posso falar tanto das produções das escolas, de teatro amador e dos grupos profissionais. Nós temos essa tradição de ter muito teatro para crianças”.
O fluxo inconstante da produção local é resultado de alguns fatores como a dificuldade de conseguir pauta nos teatros, muitos com problemas de infraestrutura, além da falta de financiamento e recursos materiais, como aponta Leidson. Nos palcos dos grandes teatros, peças nacionais que reproduzem histórias de filmes e de programas de TV ganham espaço. “Esse é um tipo de teatro não inventivo, que fica apenas no lúdico e subestima a inteligência de crianças. São peças que são um desserviço”, observa o pesquisador.
André Filho, diretor, dramaturgo, ator e músico, atualmente dirigindo o espetáculo infantil do mesmo grupo, Vento Forte para Água e Sabão, reflete sobre esse cenário: “Em contraponto a essas peças de caráter mercadológico, Recife vive uma efervescência da dramaturgia para crianças. Há 20 anos, era mais comum montar textos consagrados. Hoje, vemos uma produção de jovens dramaturgos que dialoga com as crianças sem medo. Toca em questões-tabu como vida e morte, abusos sexuais, medo”.
Sobre o espetáculo que dirige atualmente, André comenta que traz algumas novidades e elementos interessantes quando se fala de teatro para crianças. “Em Vento Forte... a música conduz a peça. Então, você vai encontrar traços musicais contemporâneos como Amy [Winehouse], o rock, blues, soul e jazz. Isso sem perder a identidade da música nordestina. Tem a proposta de dialogar com as crianças sobre assuntos espinhosos como a morte. Algo muito importante. É preciso abrir canais de diálogo pelas formas menos tradicionais. Por que privar as crianças desse universo?”, explica.
Leidson colabora com essa visão e comenta: “o teatro vem para provocar e instigar a criatividade da criança. Quem leva as crianças para o teatro tem que estar antenado. Teatro não é apenas entretenimento, principalmente, para crianças. A conversa posterior é fundamental para a criança apreender. O momento de ir ao teatro também tem o fator de sociabilizar, de dialogar como o humano e suas questões”.
“Teatro não tem obrigação de formar opinião ou conceito de educação. Ele comunica uma ideia e permite que cada um faça sua reflexão. E a leitura que uma criança faz do espetáculo é muito mais verticalizada. Ela consegue mergulhar e ter uma visão diferenciada da peça, pois está livre dos preconceitos que nós adultos já carregamos”, argumenta André.
Como Leidson também coloca, André fala da dificuldade de produzir teatro para crianças no Recife, no que tange aos recursos materiais. “Sempre foi muito na cara e na coragem. Dos R$ 40 milhões do Funcultura, no máximo dois espetáculos infantis são aprovados. A resistência dos grupos é real. As políticas públicas precisam olhar com mais carinho para essa produção", diz.
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