Existe um forte estereótipo que mostra Curitiba como uma cidade muito europeia, com habitantes frios e fechados, especialmente com as pessoas de fora. A cidade que foi praticamente criada e desenvolvida pelas mãos de muitos imigrantes vindos de todas as partes do mundo é, por um lado, portadora de um protecionismo e orgulho de sua origem curitibana, fincada pelas colônias que demoraram muito para se misturar. E por outro, é a cidade que pouco a pouco vai descobrindo coisas novas, incorporando-as com cautela em sua cultura. Se essas sempre foram marcas curitibanas, nos últimos anos, elas se intensificaram devido ao recebimento de muitos latino-americanos de outras partes.
Curitiba não pôde fugir do cenário da globalização, que aumenta os fluxos migratórios e o acesso à informação. Portanto, a cidade que sempre recebeu alguns imigrantes, teve um aumento significado deles nos últimos anos. Seja pela localização estratégica ou pela visão de urbe planejada e com qualidade de vida vendida por aí, a cidade vem recebendo turistas, viajantes passageiros, estudantes e pessoas em busca de melhores condições de vida, em sua grande parte provenientes de outros países da América Latina, desde os fronteiriços até os mais longínquos, como equatorianos e haitianos, por exemplo.
Infelizmente, em uma região conservadora, com a chegada de tantas diversidades culturais, chega também o preconceito. Se antigamente esse sentimento vinha em grande parte por racismos – direcionados aos índios, negros e mestiços – hoje, além de não termos conseguido enfrentar o racismo, os argumentos são também políticos, com um ódio direcionado a pessoas de países com governos progressistas como Cuba, Venezuela e Bolívia, sentimento consideravelmente aumentado pela mídia hegemônica, que nos distancia tanto dos “hermanos”. Como resultado, existem muitos desinformados que colocam nesses estrangeiros a culpa, por exemplo, pelo aumento da violência na capital paranaense.
Porém, não devemos ser pessimistas. A partir desses encontros com outros povos, o curitibano está tendo a possibilidade de se abrir e mostrar sua cultura, por meio de quitutes, histórias e gírias. Da mesma forma que vai aprendendo mais sobre a cultura dos vizinhos, percebendo muitas diferenças, mas também interações, que vão nos aproximando. Surpreendentemente os tidos como fechados vão se abrindo e carinhosamente trocando a cara séria pelo sorriso e pela curiosidade.
Uma das grandes provas dessa nova reconfiguração local é a Grande Festa Latino-Americana de Curitiba. Realizada pela Pastoral do Migrante no dia 9 de outubro, a décima quarta edição prova que a cada ano seu público vem aumentando cada vez mais. Podemos encontrar imigrantes, que são os verdadeiros realizadores da festa, preparando pratos gastronômicos diferentes até danças e músicas. Mas também curitibanos, amigos dos que realizam ou os já casados com imigrantes, ou simplesmente os amantes das culturas latino-americanas. Também percebe-se que a cada ano, aumenta mais o número de músicos e dançarinos curitibanos, elaborando números de Salsa, Guaranias, Huaynos, Chacareras, entre outros.
Crescem exponencialmente os empreendimentos latino-americanos na cidade. Por exemplo, são muitos os bares e restaurantes com essa temática: Zapata, La Santa, Choripã, Chiviteria, Bar Fidel, El Peruano, La Linda, Negrita, El Cabildo empanadas, entre outros. Na música: bandas com proporção mistas de hispano-americanos e brasileiros: Grupo d América, Grupo Integración Latina, Sensación Latina, Merekumbê e Alohabana; e músicos curitibanos com referências latino-americanas: Rapha Moraes (A viagem la Buena Onda), Namorada Belga (LatinoAmérica) e João Triska (No Braço dos Pinherais –fazendo a conexão entre o Paraná e o Paraguai, bem latino-americano. Também nos últimos anos aumentaram a oferta de festivais de cinema e literatura e festas com discotecagem, todos abordando o tema América Latina.
Diálogo intercultural
Se Curitiba começa a se abrir para a ideia latino-americana, o contrário também acontece. Muitos imaginários levam os curitibanos a fazer o famoso mochilão (pelo menos pela América do Sul); e aí descobrimos que a nossa cidade ecoa por pela região. Em minha experiência como uma dessas mochileiras, descobri que há muitos curitibanos fazendo essa viagem e levando conhecimento sobre a cidade e também outras informações que chegam por si mesmas. Em Salta, norte argentino, alguém que nunca havia estado no Brasil conhecia a música Oração, da Banda Mais Bonita da Cidade com Leo Fressato. Também escutei de muitas bocas sobre a fama de cidade planejada. Portanto, quando pensamos nessa interação entre Curitiba e o resto do continente, devemos saber que elas são mútuas, e se Curitiba está ficando maior, assim está sua fama por aí.
Com toda essa transformação, a cidade vai se apropriando de um universo intercultural que a faz cada vez mais latina. É só andar no centro, onde os malabaristas são argentinos, os músicos de quenas e zampoñas peruanos e bolivianos e os vendedores equatorianos. Além disso se essa configuração não é tão forçada, apenas estamos nos tornando mais latino-americanos e aquela Curitiba fechada, de antigamente, apesar dos presentes preconceitos, vai se abrindo e aprendendo a lidar com a diferença, vai reconhecendo, por fim, depois de tantos anos, sua latino-americanidade e, consequentemente, entendendo melhor quem ela é.
*Larissa Mehl é artista e autora do projeto "América Latina Desde Adentro".
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