Chego ao colégio estadual Pedro Macedo para uma oficina no domingo, às 17 horas. Em um raro, talvez o primeiro, dia de calor nessa primavera curitibana. Logo de cara não vejo muitos alunos, penso até que o espaço acabaria sendo remarcado, entendendo que, ao menos no domingo, não seria pecado para ninguém descansar um pouco. Sento em um banco, ao lado de Melissa, e ficamos vendo o pôr do sol caindo vagaroso, no primeiro dia de horário de verão.
Mas, que nada. Sem formalidades, os estudantes vão se sentando ao nosso redor, oferecem pipocas, dando a senha para o começo de uma roda de conversa. Enterro na hora a chance de uma oficina mais formal, com direito a data show e exposição no quadro. Não que isso não aconteça: há uma rede imensurável de apoio às ocupações, que passa também por professores dispostos a repor o conteúdo para as provas do Enem.
Mas, no nosso caso, caiu bem o bate-papo e as trocas de experiências e percepções sobre a mídia, numa época em que talvez as pessoas nunca tenham produzindo tanta comunicação, que hoje atravessa a vida e a subjetividade de todos. Em poucos dias, as páginas criadas pelos estudantes no facebook, fotos e grupos em apoio, multiplicam-se, gerando um burburinho intenso nas redes, mas que não acontece só ali. A organização está acontecendo na prática. Os números de ocupações se atualizam rápido, principalmente no Paraná, em escolas e universidades no restante do Brasil.
O futuro prometido para essa geração de repente virou um impasse com a PEC 241. A geração que teve mais caminhos que a nossa – que fomos navegantes solitários e à deriva nos 1990 e 2000 –, de repente vive como no filme de “Volta para o futuro” em poucas semanas. Perdendo de vista um horizonte que, nós acreditávamos até há pouco tempo, só iria se ampliar, ao invés de se estreitar como vemos agora.
É fato o que encontro em cada crônica ou relato que leio: a organização do espaço é notável. Divididos em comissões de segurança, comunicação, organização de atividades, com um cronograma enorme de oficinas, os estudantes organizam a cozinha, melhoram as carteiras, retiram entulhos que se acumulam nas escolas. Um grande mutirão não programado. Enfrentam também todos os dias debates com os pais, diretoras, professores, com a mídia. Em uma época de muita intolerância e gritaria, esses estudantes estão se aventurando na difícil arte do convencimento e do debate aberto.
O movimento é de estudantes, avisam a quem surge do lado de fora dos portões. Aceitam ajuda de organizações. Agradecem a força, mas não há solenidades. De dentro dos portões da escola, são esses jovens que tomam as rédeas da organização da sua vida. Querem ser ouvidos. O protagonismo é desses rostos sem lenço. Sem cara pintada. Às vezes, por precaução, apenas com os olhos descobertos.
Os boatos se somam. Ameaças de despejos, processos, prejuízo à escola e às eleições. A guerra é psicológica. As declarações do governador Beto Richa (PSDB) dão a linha e se espalham, pautando uma vez mais o cinismo. Quando o movimento é organizado por setores da universidade, especialistas ou militantes, falta o povo, muitos gritam. Mas quando setores do povo se colocam em movimento, eles não têm informação!, seguem gritando.
Algumas pessoas se dignam a ir até a ocupação perguntar se os estudantes sabem do que se trata a Medida Provisória 746, que reforma o ensino médio. Eles respondem. A fala ainda insegura, iniciante, sem traquejo. Porém, sabem o que não querem. E é também pelos professores que se enfrentam com o governador Richa, talvez uma das chaves para entender por que o movimento secundarista é tão forte no Paraná. É pelas bandeiras iniciais e sufocadas de junho de 2013, que pediam melhores serviços públicos e logo foram sufocadas.
A ocupação nunca é um fim em si mesmo. Surge de uma necessidade. Mas carrega algo de grito. Algo vivo. Transforma-se também no próprio sentido: resgata o público, o que é de todos, o espaço comum, que pode ser desfrutado de maneira igual e gratuita, com espaço para a livre expressão.
O pesquisador Ricardo Costa de Oliveira, especialista em decifrar as famílias políticas e oligarquias do Paraná, aponta como todos esses espaços ocupados com nomes tradicionais agora dão lugar a uma juventude sem nome e sem rosto. “Não somos conduzidos, conduzimos o futuro do país”, avisa um dos primeiros cartazes no portão do colégio Pedro Macedo. Aqui estão todos esses rostos se colocando em movimento. Esse rosto que é coletivo de uma geração. A crítica é válida, mas é bom deixar um último aviso aos navegantes: você que olha com desfiança o movimento secundarista, não tem direito depois de levantar as bandeiras da “cidadania”, de “educação é tudo”, de “os jovens têm que protestar e se mobilizar”. Porque essa piazada está experimentando tudo isso na prática, sem palavras boas e vazias. Com a dor e delícia que isso traz.
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