A proteção de defensores de direitos humanos e crianças e adolescentes ameaçados de morte foi tema de audiência pública na Câmara Federal nesta quarta-feira (26). Entidades, organizações e movimentos vêm demonstrando preocupação com a problemática especialmente porque até o momento 55 ativistas já foram assassinados no Brasil neste ano, segundo levantamento do Comitê de Defensores de Direitos Humanos.
“Se a gente analisa, por exemplo, os relatórios anuais da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na última década, a gente observa que a média fica entre 25 e 30 por ano”, destacou Luciana Pivato, integrante do Comitê e membro da organização Terra de Direitos.
Ela salientou ainda que os conflitos agrários têm grande destaque no panorama nacional, representando ao todo 50 dos 55 assassinatos, com maior gravidade em estados da região Norte, que tem forte tradição de conflitos fundiários. Os dados do Comitê apontam que somente em Rondônia, por exemplo, foram 17 mortes este ano, o que representa cerca de 30% do total.
“Sabemos também que os números poderiam ser muito superiores se tivéssemos capacidade para registrar todas as situações de violência dos conflitos urbanos”, acrescentou Luciana, em referência ao problema da subnotificação dos casos.
Para as entidades que têm atuação ligada ao tema, os assassinatos estão diretamente relacionados à criminalização dos movimentos populares e ativistas. “Temos um aumento das táticas de repressão, como infiltração de agentes em movimentos sociais e abuso de autoridade policial em manifestações, por exemplo, além da mitigação dos princípios constitucionais que eram usados na defesa dos militantes nos espaços do sistema de Justiça. (…) Esse cenário é bastante grave”, considera a representante do Comitê.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) destacou a deficiência do poder público diante da problemática. “Se você tem um adolescente ou qualquer outra vítima ameaçada de morte, é porque o Estado falhou de alguma forma. Há uma sensação de impunidade, e isso gera um desastre muito grande, mais violação de direitos e sentimento de temor, porque as pessoas não acreditam mais no Estado democrático de direito”, disse durante o debate.
Orçamento
A petista também destacou a relação entre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, aprovada em segundo turno nessa terça-feira (25) na Câmara, e as verbas destinadas aos programas que atendem vítimas ameaçadas. “Estamos vivendo tempos muito duros. Basta ver a agenda desta Casa, que aprovou ontem a 241, que vai dificultar ainda mais a garantia desses direitos”, projetou a deputada.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Padre João (PT-MG), que solicitou a audiência, também reforçou a preocupação com a ressonância da PEC na área.
“Essa votação de ontem terá desdobramentos que vão atingir os mais pobres e também programas como esses. Estamos tratando de direitos e conquistas históricas que estão ameaçados, e há direitos dos quais não se pode abrir mão de jeito nenhum, ainda mais num tempo de 20 anos. Isso é desastroso. (…) Isso [os programas] exige de nós, seja do parlamento, seja do Executivo, a obrigação de garantir a vida das pessoas. É uma obrigação do Estado brasileiro”, disse o deputado.
A questão orçamentária está no centro das preocupações das instituições ligadas ao tema e foi um dos pontos da audiência. “Acabei de chegar de Rondônia e a situação lá, por exemplo, é realmente preocupante (…). Com esse cenário, é preciso cada vez mais pensar e fortalecer o orçamento nessas áreas, senão as ameaças vão continuar e podem até crescer”, afirmou a procuradora da República Deborah Duprat, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
A proposta de orçamento para 2017, que está em tramitação no Congresso Nacional, projeta cerca de R$ 27 milhões para os três programas federais que lidam com a temática. Segundo informou hoje a diretora do Departamento de Defesa dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Karolina de Castro, para 2016, foram R$ 14 milhões para o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita); cerca de R$ 7,7 milhões para o programa destinado a crianças e adolescentes ameaçados de morte (PPCAAM); e R$ 3,7 milhões para o Programa dos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH).
Representantes da sociedade civil que atuam na área se queixam, no entanto, da insuficiência das verbas tradicionalmente destinadas aos programas. De acordo com Mônica Silam, que atua no PPCAAM no Ceará, no caso de proteção de crianças e adolescentes, a demanda é ainda maior.
“O Programa hoje alcança 13 estados, com uma média de 900 pessoas em proteção, ao todo, porque a média é de cerca de quatro membros da família que também precisam ser atendidos quando uma nova criança passa a ficar sob proteção. (…) O problema orçamentário é recorrente, todo ano tem uma nova disputa e nós precisamos voltar sempre pro mesmo lugar, no sentido de ficar pelo menos no patamar do ano anterior, o que não é certo, porque os custos das coisas aumentam todo ano. Precisamos equilibrar os salários dos profissionais e cuidar das pessoas atendidas. Temos casos de famílias que abandonam tudo que têm pra não correrem o risco de morrer, e aí o Programa precisa arcar com tudo delas, como roupas e gás de cozinha, por exemplo”, explicou Mônica Silam.
O governo
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, foi convidado pela Comissão, mas não compareceu à audiência. Diante das críticas que foram feitas pelas entidades com relação à manutenção dos programas, a representante do Ministério, Karolina de Castro, disse que o Departamento de Defesa dos Direitos Humanos pretende reforçar o diálogo com os diversos segmentos.
“Todos nós seguimos no mesmo caminho, que é o fortalecimento dos três programas, e nós nos colocamos à disposição para seguir nesse diálogo. (…) Seguimos à disposição da Comissão para prestar esclarecimentos, trazer os nossos números e colaborar com a argumentação para pedir verbas”, afirmou.
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