Política pública

Pressionado por movimento indígena, ministro da Saúde restabelece autonomia da Sesai

Duas portarias que afetavam a descentralização da Secretaria Especial de Saúde Indígena foram revogadas na quarta (26)

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Lideranças comemoram revogação de portarias em Brasília (DF)
Lideranças comemoram revogação de portarias em Brasília (DF) - Victor Pires/ISA

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, voltou atrás e revogou nesta quarta-feira (26) duas portarias que retiravam a autonomia administrativa e financeira da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). A decisão foi tomada após pressão do movimento indígena nesta semana, que ocupou sedes da secretaria e realizou trancamentos de diversas rodovias pelo país.

Publicadas nos dias 17 e 25 de outubro, as portarias 1.907 e 2.141, respectivamente, acabavam com o princípio da descentralização da gestão orçamentária e financeira do órgão dos DSEIs. Os distritos, por exemplo, ficavam impossibilitados de ordenar a realização de despesas e teriam que submeter os gastos à autorização prévia da pasta, em Brasília (DF).

Barros comunicou a revogação da decisão em uma reunião com a comissão de indígenas do II Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena. Eles exigiram ser recebidos pelo ministro após ser publicada uma terceira portaria que reintegrava apenas uma parte de suas demandas.

Luta

Sonia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), considera a conquista como uma vitória do movimento indígena em um momento marcado por retrocesso de direitos. Ela delega a revogação às intensas mobilizações do movimento #OcupaSesai, que reuniu aproximadamente 11 mil indígenas, com representantes de 20 povos, que protestaram contra as mudanças no atendimento à saúde com ocupações nas sedes dos DSEIs em ao menos sete estados.

Eles também bloquearam rodovias federais e estaduais, como a BR-277, em Curitiba (PR), a BR-101, entre João Pessoa (PB) e Natal (RN), a SC-283, em Chapecó (SC), e a RS-324, no município de Engenho Velho (RS). Na terça, mais de 400 índios protestaram em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília (DF), e também fizeram um ato na frente da casa do ministro.

As principais demandas eram o fortalecimento da Sesai, prorrogação dos convênios e autonomia dos distritos. Sônia explica que o efeito prático da portaria seria "praticamente a extinção da Sesai". "Isso tiraria a função dos coordenadores da Sesai porque vincularia todas as demandas ao gabinete dele [Ricardo Barros]", disse.

Inabilidade

O ministério argumentou que as medidas garantiriam "melhor atendimento à população indígena" com o objetivo de "estabelecer um novo fluxo e modelo administrativo para o setor, corrigindo, por exemplo, distorções de compra de produtos com variação acima de 1.000% e atendendo à determinação judicial para adequar a assistência pelas atuais empresas conveniadas".

Mas, para o movimento indígena, o novo sistema impediria ações urgentes em regiões mais distantes. De acordo com a  Guajajara, o ministro demonstrou inabilidade para lidar com as especificidades as quais exigem a saúde indígena.

"De fato, a saúde não está boa e precisa ser melhorada e fortalecida. Se existem problemas e irregularidades, eles precisem estruturar a Sesai para que ela funcione, mas essas portarias só piorariam essa situação, porque excluiria o único órgão específico que cuida destas questões", pontuou. Ela defende uma reorganização, melhoria da estrutura do atendimento e controle social da assistência.

Na mesma linha, o médico sanitarista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Douglas Rodrigues, especializado em atendimento a pacientes indígenas, acredita que a medida traria implicações políticas. Segundo ele, a descentralização da saúde é pauta história dos povos indígenas.

"Uma das características da saúde indígena e da luta do movimento foi no sentido de conseguir atendimento dentro do SUS [Sistema Único de Saúde] que pudesse dialogar e respeitar as sua tradições. Isso surgiu na forma de um subsistema de atenção básica, que são os distritos sanitários", afirmou.

Ele pondera que a gestão deste subsistema "sempre foi um problema", e que a descentralização, além de dar autonomia aos governos locais, melhora a gerência de um sistema que é pequeno, mas tem grande territorialidade.

Representatividade

Para ele, além do sucateamento do sistema, o grande problema de sucessivos governos na área é a falta de representatividade nas tomadas de decisões das políticas públicas voltadas à população. "Eu acho que é preciso escutar os índios. Isso tem sido o grande erro dos gestores dessa área. A questão é como se resolver o problema estrutural e, para isso, temos que dialogar com os indígenas", criticou.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que "reforçará a atuação dos DSEIs".  No dia 9 de novembro, a pasta afirmou que realizará uma reunião com os Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi), quando será feita uma reunião com as lideranças indígenas para discutir melhorias da saúde indígena.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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