Repressão

PM interrompe e detém ator de peça que critica violência policial em Santos (SP)

Caio Pacheco foi levado à delegacia após incômodo de policiais com apresentação de espetáculo pró-desmilitarização

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Atores protestaram e pediram liberação do diretor em frente à delegacia em Santos
Atores protestaram e pediram liberação do diretor em frente à delegacia em Santos - Reprodução/Facebook

Cerca de dez viaturas da Polícia Militar e da Guarda Municipal de Santos (SP) interromperam uma apresentação do espetáculo BLITZ, da Trupe Olho da Rua, na tarde deste domingo (30) e algemaram o ator e diretor Caio Martinez Pacheco. Ele foi encaminhado o 1º Distrito Policial de Santos e liberado no final da noite do mesmo dia.

O espetáculo de humor faz críticas ao militarismo e critica abusos e mortes cometidas pela corporação. No momento da abordagem da PM, o grupo apresentava a cena intitulada "Pacificação", na qual utilizam uma bandeira do Brasil e do Estado de São Paulo invertidas. Parte do cenário e adereços da companhia e celulares de espectadores, que filmaram a ação, foram apreendidos pela PM.

A polícia registrou um boletim de ocorrência contra Pacheco por desacato à autoridade e resistência à prisão, e o ator será autuado pelo uso indevido de símbolos nacionais.

"Isso é absurdo. Hoje em dia os símbolos do país estampam chinelos, roupa de praia, bolsa e qualquer tipo de mercadoria, mas estamos cerceados de utilizá-los quando queremos formalizar uma crítica ao Estado", criticou o diretor.

Ele pontua que o grupo pesquisa o tema da militarização há mais de dois anos, o que sustenta a argumentação dos temas sobre o extermínio de negros e periféricos e outras questões ligadas à repressão que o espetáculo apresenta através do escracho. O roteiro do espetáculo foi montado em diálogo com o Movimento Mães de Maio, que reúne, em busca de Justiça, mães cujos filhos foram assassinados vítimas da ação do Estado.

Pacheco lembra que grupo já havia apresentado a peça na mesma praça e, algumas das vezes, havia notado a presença da PM nos arredores, mas nunca houve tumulto ou ameaça como nesta última apresentação. "Eles quebraram todas as barreiras que garantem a liberdade de expressão", afirmou.

Abordagem

A atriz e produtora do espetáculo, Raquel Rollo, conta que a interrupção se deu por policiais "extremamente incomodados como o tema do espetáculo". "Começamos a perceber que várias viaturas estavam chegando. Um dos policiais chegou gritando que 'aquela merda ia acabar'. Eles desceram com armas em punho, não só pistolas, mas submetralhadora", relata.

Rollo considera a abordagem como uma "volta à barbárie". "É muito complicado quando temos que debater com um policial militar o que podemos ou não fazer dentro da arte, sendo que a nossa liberdade de expressão e a utilização do espaço público estão garantidas na constituição", criticou a atriz.

Além do ambiente político de "quebra de institucionalidade" no âmbito nacional, Pacheco relaciona o fato a um decreto de 2014 que entrou em vigor há três semanas no município e que regula a utilização do espaço público e insere uma série de dificuldades burocráticas.

"Eles criaram várias situações envolvendo a guarda municipal e os artistas e coletivos que ocupam as praças de Santos. Tudo isso colaborou para que a polícia se sentisse no direito de tomar uma atitude como essa, de interromper algo com que eles não concordavam", disse ele.

Contemplado para montagem de espetáculos inéditos pelo Programa de Ação Cultural, o ProAC, em 2014, a Trupe Olho da Rua tem 15 anos e já fez mais de 40 apresentações do espetáculo BLITZ - Um Império que Nunca Dorme e agora entrará com a peça em cartaz em 17 cidades, após recursos de um novo edital do governo estadual.

Em nota, o comando do policiamento da Baixada Santista afirmou que pediu os registros documentais da ocorrência e analisará a conduta dos policiais militares.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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