ELEIÇÃO NO RIO

Vitória de Crivella é o maior retrocesso para esquerda desde a ditadura, diz Freixo

Bispo da Igreja Universal, prefeito eleito do PRB representa guinada à direita

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Aliança de Crivella com o ex-governador Anthony Garotinho também sofreu críticas durante a campanha
Aliança de Crivella com o ex-governador Anthony Garotinho também sofreu críticas durante a campanha - Divulgação

"A esquerda brasileira vive agora o seu pior momento desde o fim da ditadura militar". Essa é a avaliação do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), em entrevista à imprensa, após a derrota para o bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella (PRB) que ganhou em 71 das 98 zonas eleitorais da cidade do Rio. 

O Brasil de Fato entrevistou representantes de partidos políticos, de movimentos populares e da universidade para fazer uma avaliação da vitória do Partido Republicano Brasileiro (PRB), um partido de maioria evangélica.

Segundo o presidente estadual do PSOL, o vereador eleito Tarcísio Motta, o resultado eleitoral no Rio precisa ser analisado sobre dois aspectos. “O lado bom foi a quantidade de pessoas que conseguimos engajar na luta política. Terminar a eleição com a multidão que ocupou a praça da Cinelândia na noite no domingo sem dúvida passa um recado muito positivo”, afirma.

Contudo, o lado negativo é irrefutável. “Fomos derrotados nas urnas e por uma pauta muito conservadora. Perdemos a batalha da disputa das ideias em temas como direitos humanos, gênero e LGBT. Precisamos ser mais didáticos e avançar nesses debates”, avalia Tarcísio, que recebeu o segundo maior número de votos para vereador nessas eleições.

Para o ex-prefeito do Rio e vereador do Rio Cesar Maia (DEM), a vitória de Crivella no Rio representa a maior guinada à direita desde a abertura do processo democrático de 1985.

“As três capitais, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, desde a volta das eleições diretas penderam para a esquerda. Apenas agora, nove pleitos eleitorais depois, esse perfil político-ideológico muda, e de forma flagrante, com uma forte guinada à direita”, escreveu em seu blog.

Mesmo se comparado a Eduardo Paes (PMDB), o bispo Crivella representa um retrocesso, segunda Cesar Maia. “O prefeito liberal atual (Paes) dá lugar a Crivella, abertamente conservador-liberal. Conservador nos valores e liberal no modelo de gestão. No primeiro e segundo turnos, defendeu privatizações e parcerias com o setor privado na educação e na saúde”, ressalta Maia.

Em entrevista à imprensa, Freixo fez uma avaliação sobre o retrocesso para os partidos de esquerda no país. "É uma pena, mas pagamos o preço por tudo de ruim que aconteceu durante o ciclo do PT na Presidência da República, apesar de não termos feito parte daquele governo. Na verdade, essa não é apenas uma questão carioca”, disse.

Em nota, a deputada federal Jandira (PCdoB) lembrou que a eleição ocorreu em um contexto de “golpe” e bombardeio anti-esquerda. “O processo eleitoral ocorreu debaixo de um golpe institucional, da violação da nossa Constituição, da criminalização da política, com foco na eliminação da esquerda que governou o Brasil e em consequência dos direitos por ela garantidos”, frisou Jandira.

Desafios da esquerda

De acordo com o integrante da coordenação da Consulta Popular, Antônio Neto, o desafio da esquerda agora é construir a unidade. “Nós lutamos para a esquerda ter um candidato único no Rio. Isso não foi possível, mas agora espero que a derrota eleitoral possa servir de lição. Precisamos estar juntos para enfrentar os ataques dos governos locais e nacional”, ressalta.

O dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Joaquín Piñero, explica que resultado eleitoral do Rio foi influenciado por um conjunto de fatores.  “Estamos diante de uma grave crise do sistema político. A maior parte do povo não confia nesse sistema por isso votou nulo ou se absteve. A falta de propostas para enfrentar a crise econômica também teve seu peso”, aponta Joaquín.

O número de eleitores que votaram nulo, branco ou que simplesmente não foram votar somaram 2 milhões de pessoas, maior que o total de votos do candidato vencedor.

Joaquín Piñero afirma que a esquerda não conseguiu estabelecer um diálogo com as classes populares. “Apesar de a campanha do Freixo ter conseguido empolgar uma grande parte da militância de esquerda e de ter avançado para regiões antes inacessíveis, ainda assim o diálogo com a maioria da população pobre é muito tímido”, destaca o dirigente do MST.

Crivella liderou nos bairros pobres da zona oeste. Teve votação expressiva principalmente em Campo Grande, onde alcançou 77% dos votos. O que deixa evidente a preferência das classes populares pelo candidato evangélico. Já Marcelo Freixo venceu nas zonas de classe média, em bairros como Copacabana, Botafogo, Jardim Botânico e Laranjeiras, onde teve sua maior votação, com 67% dos votos.

Cenário nacional

A eleição do Rio também é um reflexo do cenário nacional das eleições municipais, que foram marcadas pelo avanço da direita e o retrocesso da esquerda.

“Em 2012 o PSDB governava 16 milhões de pessoas, e agora após a eleição municipal vai governar 34 milhões. Já o PT governava 27 milhões de pessoas e agora vai governar apenas 4 milhões”, afirma o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Wagner Iglecias.

Nesse contexto, a imprensa teve papel fundamental. Os erros da esquerda foram amplamente difundidos, enquanto a corrupção dos partidos de direita são minimizados diariamente. “Guardadas honrosas exceções, o total de televisões, rádios, jornais, portais e revistas falam mal do PT 24 horas por dia, 365 dias por ano. As denúncias de corrupção são sempre em destaque quando relativas ao PT e em notinhas de rodapé quando são dos demais partidos”, pondera Iglecias.

Edição: Vivian Virissimo

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