A Assembleia Nacional da Venezuela, controlada pela oposição ao governo Nicolás Maduro (PSUV), adiou a instalação de juízo político contra o presidente. A posição do Legislativo do país é uma resposta ao processo de diálogo estabelecido entre situação e oposição em Caracas, com participação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
A decisão foi tomada nesta terça-feira (1) e não há previsão de nova data para a retomada do processo. Nesta quinta-feira (3), estava prevista uma marcha convocada pela oposição que deveria ocorrer, em direção ao Palácio de Miraflores, sede da Presidência. A manifestação, entretanto, também foi suspensa pelos opositores de Maduro.
O cancelamento da convocatória também se deu por conta das negociações, que começaram no final de outubro.
O opositor Henry Ramos Allup, que é presidente da Assembleia, disse que o diálogo na Venezuela foi iniciado com a solicitação da comunidade internacional e sinalizou que a negociação pode significar "recíprocas concessões".
Maduro, por sua vez, destacou que as negociações são uma via para neutralizar as pretensões de parte da oposição em utilizar a violência. Ele também agradeceu de forma especial o envolvimento do papa Francisco e do Vaticano no processo.
Apoio
Antes da instauração das mesas de diálogo no país, o presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou que a ofensiva da oposição venezuelana representava uma ruptura da ordem democrática contra Maduro.
“Há uma aberta conspiração dos EUA contra a Revolução Bolivariana da Venezuela, um golpe (...). Quero expressar toda nossa solidariedade, todo nosso apoio ao companheiro presidente Nicolás Maduro e ao povo irmão, bolivariano e chavista da Venezuela perante as atuais investidas por parte da direita internacional”, disse Morales à imprensa na última sexta-feira (28), após uma reunião com a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez.
A principal crítica de Morales se refere justamente ao juízo político que a Assembleia da Venezuela pretendia iniciar, dado que não há previsão constitucional para tal processo.
Crise
O contexto de tensão na Venezuela se explica por conta da conjunção de uma crise política com uma econômica. Essa é a opinião de Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).
“Ocorreu uma forte contração internacional dos preços do petróleo nos últimos dois anos. Para um país no qual o petróleo equivale a cerca de 97,5% das exportações, isso é fatal. A carga tributária é muito baixa, em torno de 10% do PIB [Produto Interno Bruto], não cobre os gastos correntes do Estado. O que cobre são os royalties. Quando isso acontece, o Estado passa a ter enormes dificuldades de financiamento. Há uma carência de entrada de dólares na economia”, diz. “A crise econômica potencializa a crise política”.
Para Maringoni, o governo Maduro tem demonstrado pouca habilidade no enfrentamento das questões econômicas. Entretanto, o cenário econômico não é tão drástico quanto algumas avaliações. “Alguns analistas falam que existe uma crise humanitária. Crise humanitária ocorre quando há uma epidemia incontrolável, crise de abastecimento insolúvel, fome, algo que coloque em risco a vida das pessoas. Não existe nada disso na Venezuela. Existe uma guerra de sabotagem econômica e de cerco midiático”, afirma.
“A oposição quer derrubar não o Maduro, mas sim o processo político iniciado em 1999. O golpe de 2002 foi expressão disso”, pondera.
Para além desta questão, ele critica a ausência de atuação diplomática brasileira no caso: “Uma coisa notável de se ver é a irrelevância que está adquirindo a diplomacia brasileira no governo Temer, sob a gestão de José Serra. Em um país que faz fronteira com Brasil, se repete o que ocorreu nas negociações com as Farc: estamos fora. O Brasil, dentro da América Latina, se tornou irrelevante”.
De qualquer forma, Maringoni vê com otimismo o processo de negociações iniciado no país vizinho. “Dá pra ser otimista porque os governos da Venezuela são muito diferentes, por exemplo, dos do PT. Na Venezuela, estão lutando como leões, de uma maneira heroica -- com graves dificuldades internas, contra o isolamento internacional - para não deixar o processo democratizante iniciado há duas décadas se perca”, finaliza.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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