Judiciário é cego para as demandas do povo e parcial a favor das elites
Neste início de novembro, são mais de mil ocupações em escolas estaduais, Institutos Federais e Universidades no país. Atos de resistências são protagonizados por estudantes, jovens que entenderam rapidamente que as medidas anunciadas pelo governo ilegítimo do Michel Temer acabam com o direito à educação. Muitos não estavam preparados para esta "onda de ocupações" que foi tomando conta de vários estados. E este momento é rico em aprendizado.
Ocupar é um ato de desobediência, então não esperamos flores dos poderes do Estado, mas algumas reações merecem o debate e a nossa preocupação.
Ainda impera em nossa sociedade a ideia de que quem lida com a juventude pobre é a Polícia Militar. É possível que isso explique o que presenciei em vários lugares. Ao menor sinal de conflito, de divergência de opiniões, a Polícia tem sido chamada. No Brasil a luta social é caso de polícia, não de política. Lamento que isso esteja sendo feito também por alguns diretores de escolas.
Além do ato de resistência, ocupar é pedagógico. O estudante diz com este gesto que aquele espaço lhe pertence. As ocupações estão recuperando uma identidade com o espaço público, que estava perdida. É preciso uma disciplina e uma organização, caso contrário, a ocupação fracassa. Os jovens precisam organizar o espaço, a comida, as visitas. As decisões são coletivas, tomadas em assembleia, o que ensina muito. Primeiro, se reconhecem como um grupo social, se escutam, argumentam, debatem ideias, constroem propostas, respeitam a decisão tomada em grupo e se comprometem com ela. Tem estudante dando lição em alguns professores sobre participar de assembleia e cumprir decisões coletivas!
Há ocupação em Minas Gerais que, inclusive, já apresentou pauta de reivindicações. A ocupação, de alguma forma, desacomodou a comunidade acostumada à sua rotina.
Exemplo X Barbárie
E o que dizer da jovem paranaense Ana Júlia? Enquanto há senadores que fazem declarações públicas de chacota da luta dos estudantes, Ana Júlia encarou o Poder Legislativo do Paraná, apresentou suas ideias e argumentos. A mesma Assembleia Legislativa que se omitiu enquanto os professores eram massacrados com bombas, cães e balas no dia 29 de abril de 2015 na sua porta. Que bom que estes políticos não serviram de exemplo para a juventude lá!
Por outro lado, o Poder Judiciário demostra mais uma vez como é cego para as demandas do povo e parcial a favor dos interesses das elites. A decisão do juiz de Brasília beira a barbárie ao determinar o corte de água, luz nas escolas e a utilização de mecanismos utilizados na tortura para fazer a pessoa assumir qualquer coisa para ficar livre do tormento. Propõe isso contra crianças e adolescentes. Mas o mesmo Poder Judiciário não protege essas mesmas crianças e adolescentes contra a violência do Estado, o genocídio da juventude negra e pobre. Não os protege diante do fechamento de vagas nas universidades, do fim do ensino profissionalizante, da falta de alimentação e de transporte escolar. Não protege as meninas abusadas nem tão pouco as mulheres agredidas. Para tudo isso é lento ou omisso.
Ainda não tive informações sobre a atuação do Ministério Público para garantir o direito à educação de crianças e adolescentes questionando a Medida Provisória 746 (que reformula o Ensino Médio) e sobre a proposta de redução dos investimentos do Estado por 20 anos (atual PEC 55, antiga PEC 241). Mas tenho acompanhado uma crescente “judicialização” das ocupações feita por promotores de Justiça no interior de Minas. Na cidade de Poços de Caldas, por exemplo, uma Ação Civil Pública quer responsabilizar um diretor de escola acusado de "ceder a escola para os alunos". Mas o exemplo vem de Brasília. Foi o Ministério da Educação o primeiro a ameaçar, incentivar medidas de coerção e a desrespeitar o movimento crescente nas escolas.
Eu já me perguntava para onde caminharia um país que maltrata suas professoras e reduz investimento em educação afetando as próximas gerações. Agora também me pergunto para onde caminha este mesmo país que criminaliza e tortura sua juventude que luta por seus direitos e que processa quem a respeita. Quanto a nós, façamos das ocupações as nossas salas de aula!
* Beatriz Cerqueira é professora, coodernadora-geral do Sind-UTE/MG e presidenta da CUT/MG.
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