Duas vezes a Vale invadiu a vida do casal Maria Cristina Alves e Natanael dos Santos. A primeira, em 2006, os arrancou de sua casa. A segunda, em 2015, espalhou lama sobre seu trabalho, o Rio Doce.
A primeira vez
Garimpeiros, Maria Cristina e Natanael viviam na comunidade de Soberbo Velho, no município de Rio Doce. Eles foram retirados para a implantação da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, ou hidrelétrica de Candonga, como é conhecida. Além de perder o terreno em que viviam, todo o processo de desapropriação foi bastante traumático. “Nós tivemos que sair dois dias antes do combinado. Os policiais chegaram para tirar a gente. Depois disso minha mãe ficou doente. O resto de coisa que ficou na casa alagou tudo. Muita gente morreu pouco tempo depois, de tanta tristeza”, afirma Maria Cristina.
O empreendimento que tomou o lugar de Soberbo Velho é de responsabilidade da Vale Mineração S/A e da Aliança Energia. Apesar de a usina ter capacidade para gerar energia suficiente para abastecer cidades como Ponte Nova, Ubá e Ouro Preto, o empreendimento serve apenas para as atividades de mineração.
“As empresas chegaram aqui em 2001, daí pra cá só vêm trazendo problemas pra gente. Eles procuram os mais ricos, injetam dinheiro neles e os pequenos produtores se dão mal. O pessoal tá tudo correndo atrás e nada é resolvido”, declara o marido de Maria Cristina, Natanael dos Santos, também garimpeiro.
Natanael denuncia que a reparação proposta a ele só foi paga quase dez anos depois da construção da hidrelétrica, em 2015. Ele ressalta ainda que é preciso muito mais do que uma indenização aos moradores. “Quem olha a Nova Soberbo, acha que a gente tá melhor. A pessoa que vem de fora olha e pensa ‘essas pessoas estão bem estruturadas’. Só que isso não adianta, porque é a mesma coisa de você estar bem vestido e bem calçado, mas com a barriga vazia”, explica.
Maria Cristina conta que além de escassas e demoradas, as indenizações pagas pela Vale para os moradores de Soberbo Velho não tinham nenhum critério de reparação. “Muita gente plantava roça, uns receberam e outros não. A Vale na época não procurou todas as pessoas de Soberbo. Eu, por exemplo, plantava junto com a minha irmã, mas ela recebeu cinco vezes mais que eu”, relata.
Natanael é garimpeiro e é nascido e criado na região / Foto: Guiga Guimarães
Atingidos pela segunda vez
Passados quase dez anos da construção da hidrelétrica de Candonga, os moradores da região novamente são atingidos pela mineradora. O local foi afetado com o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015. Ainda hoje, cerca de 10 milhões de metros cúbicos de lama da Samarco (Vale/BHP Billiton) estão retidos na hidrelétrica.
Na época do rompimento, o rio passou 5 meses completamente tomado pela lama. Ela e o marido são garimpeiros e dependem diretamente do rio para conseguir trabalhar. “Acabaram de destruir o meio de vida da gente, que é o rio. Eu trabalhava em uma área registrada, pra mexer com areia e com ouro. Com a lama acabou tudo”, lembra Natanael. Ele conta que, logo depois do rompimento, era impossível entrar no rio e ele arrumando um emprego em uma empreiteira da Samarco de remoção de rejeitos. Depois de três meses, decidiu sair, pois o que ganhava trabalhando de segunda a segunda não era suficiente para cobrir as despesas da família.
Ele voltou a se arriscar no rio, mas afirma ter medo do que pode vir no futuro. “Onde eu tô trabalhando, é abaixo da barragem, a água sobe e desce e a lama vai junto. Quando a lama sobe e a água suja muito, eu não entro. Na hora que a água e a lama abaixam, eu volto a trabalhar de novo. A gente fica com medo por causa dessa água, tenho medo de dar uma doença depois. Mas continuo procurando, entrando no rio, porque não tem outro jeito. Se não entro, eu morro de fome”, explica.
Indenização que não vem
A família procurou a Samarco para tentar algum tipo de reparação pelos prejuízos causados pela empresa. Passado quase um ano, ainda não tiveram nenhuma resposta da mineradora. E Natanael e Maria Cristina sabem que não são os únicos nessa situação. “A vida das pessoas tá tudo bagunçada também, a nossa é igual a de muitos”, resume Natanael.
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