A discussão sobre a atuação das forças de segurança nas desocupações de instituições de ensino chegou à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), em Brasília. Na tarde desta segunda-feira (7), representantes de diversos segmentos participaram de uma audiência pública para debater o tema.
A sessão girou em torno da desocupação do Centro de Ensino Médio Asa Branca (Cemab), na cidade-satélite de Taguatinga, ocorrida no último dia 1º. A escola esteve no noticiário nacional por conta do teor da decisão judicial que determinava a desocupação do prédio pela Polícia Militar (PM).
Na decisão, o juiz da Vara da Infância e Juventude Alex Costa de Oliveira autorizava a PM a proibir a entrada de mantimentos e o acesso de familiares dos alunos ao local, que estava ocupado desde o último dia 27.
Além disso, o magistrado permitia a suspensão do fornecimento de água e energia e a utilização de instrumentos sonoros que impedissem os estudantes de dormir, na tentativa de desestimular a continuidade da ocupação. A medida tem sido bastante criticada por diversos segmentos da educação, instituições e movimentos de direitos humanos, que associam tais práticas a técnicas de tortura.
Desocupação
Durante a audiência, alunos do Cemab afirmaram que os agentes de segurança teriam agido com excessos. “A desocupação não foi pacífica como a mídia falou. Eles chegaram já de forma autoritária, dizendo que queriam fazer um acordo, mas não foi bem isso que ocorreu. Eles não nos respeitaram, inclusive chegaram lá com ônibus e cerca de 300 policiais contra 40 alunos desarmados de um movimento que desde o início foi declarado pacífico. Eles não usaram força física, mas fizeram pressão psicológica e chegaram lá com bombas”, narrou a aluna Jéssica Beatriz de Araújo.
Representantes de outras escolas e segmentos reagiram ao episódio ocorrido no Cemab. “Foi uma tortura contra os estudantes”, classificou o secundarista Alexandre Frederico, aluno do Centro de Ensino Médio do Setor Oeste (Cemso).
Resistência
Na audiência, parlamentares da oposição também reforçaram as críticas à ação policial. “Esse é um dos movimentos mais bonitos que já vi em Brasília e em todo o país. As forças de segurança não podem agir assim. (...) Os alunos têm que resistir, porque o futuro deste país depende dessa juventude e fundamentalmente da nossa educação”, disse o deputado distrital Ricardo Vale (PT), destacando que há mais de mil unidades educacionais ocupadas pelo país, incluindo escolas estaduais, Institutos Federais (IFs) e universidades.
Durante fala na tribuna, o estudante Victor Lucas, do Cemab, repudiou a atuação da Justiça, do Ministério Público e do Poder Executivo do DF. “Estão querendo decretar todas as ocupações feitas após o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] como ilegais. Isso é ridículo. É uma maneira de cortar a manifestação contrária de qualquer jeito. (...) Se não deixarem a gente ocupar os colégios, nós vamos ocupar aqui, a sede do poder”, afirmou, embalado por gritos de guerra dos demais secundaristas presentes.
Professores
A diretora do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro), Rosilene Corrêa, ressaltou a importância de os educadores apoiarem a luta dos alunos e lamentou a falta de parceria de alguns expoentes do magistério em relação ao movimento dos secundaristas.
“Os estudantes estão dando uma verdadeira lição de como fazer educação. Peço desculpas se alguns de meus colegas infelizmente não compreendem a grandeza desse movimento”, afirmou a dirigente.
Pautas
Os estudantes reforçaram que o movimento tem o objetivo de demarcar oposição contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que institui o teto dos gastos públicos; a reforma do ensino médio; e o Projeto de Lei (PL) Escola sem Partido, que foi apelidado por opositores de “Lei da Mordaça”.
“Essa é a lei da ignorância. Que tipo de estudantes estão querendo formar? Alienados, que não têm consciência dos seus direitos? Como vamos desenvolver senso crítico?”, questionou o secundarista Alexandre Frederico.
Durante os debates, o deputado distrital Chico Vigilante (PT) sugeriu que os parlamentares que apoiam a luta dos estudantes se mobilizem no sentido de buscar a responsabilização dos membros do Judiciário e do Ministério Público (MP) que autorizaram a polêmica ação da PM durante as desocupações.
“Onde fica a autonomia dos poderes? Afinal, o Brasil agora é a república dos promotores, que podem tudo? Temos que tomar as medidas cabíveis. Esse pessoal tem que ser denunciado”, disse o deputado, citando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Ele disse ter ficado estarrecido ao saber que foi um juiz da Vara de Infância e Adolescência que determinou "a tortura contra os estudantes". "E mais grave ainda é o silêncio da OAB, que outra hora era defensora dos direitos humanos”, acrescentou.
Na ocasião, o deputado Wasny de Roure (PT), que presidiu a audiência, informou que os representantes do MP e da OAB foram convidados para o debate, mas não compareceram.
Governo do DF
Presente na audiência, a secretária de Segurança Pública do DF, Márcia de Alencar Araújo, rebateu as críticas e responsabilizou o Poder Judiciário e o MP pelas ações da polícia. “Esse trabalho foi definido por eles e coube à PM executar a determinação judicial”, disse.
Ela também afirmou que o envio de batalhões especiais para a desocupação do Cemab teria se dado por razões técnicas. “Eles são treinados em protocolos especiais para garantir a incolumidade dos estudantes. (...) Tinha um conjunto de procedimentos que não são comuns em uma determinação judicial e que nós não cumprimos”, defendeu-se, em referência à metodologia autorizada pelo juiz.
O secretário de Educação do DF, Júlio Gregório, que também participou da audiência, afirmou que pretende discutir a reforma do ensino médio com os segmentos da área. “Nenhuma alteração no desenho do ensino médio será feita sem que tenhamos dado audiência qualificada aos estudantes, professores e gestores. (...) Já marcamos reuniões que deverão ocorrer nas escolas e nas regionais, pra que possamos discutir o tema com clareza”, informou.
Judiciário
O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do DF para tratar da decisão do juiz Alex de Oliveira, mas a instituição informou que ele não vai se pronunciar porque a legislação que rege a magistratura proíbe manifestações fora do processo.
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