Uma semana antes do assassinato de dois agricultores sem terra na região de Quedas do Iguaçu (PR) – tragédia ocorrida no dia 7 de abril de 2016 -, o secretário da Casa Civil e deputado federal, Valdir Rossoni (PSDB), reuniu-se com lideranças regionais e representantes da madeireira Araupel, comprometendo-se em resolver o conflito na área grilada pela empresa.
Sua nomeação para a Casa Civil havia ocorrido dias antes, em 14 de março, assumindo o posto de Eduardo Sciarra (PSD). A princípio, poucas diferenças, uma vez que os dois são representantes diretos do agronegócio. Mas, chama a atenção como Rossoni, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, este ano participou ativamente de ações recentes do governo Richa (PSDB) que resultaram em repressão contra os movimentos populares. Do caso de Quedas do Iguaçu, ocorreram também embates recentes do governo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e com os estudantes secundaristas.
Sabe-se que Rossoni tem ligação direta com a madeireira Araupel, de quem recebeu, em 2014, doações para sua campanha a deputado federal, no valor de R$ 50 mil, enquanto a campanha de Richa ao governo recebeu R$ 150 mil e o também tucano Paulo Litro recebeu R$ 10 mil. As informações constam do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Lavoura arcaica
Uma das análises dos movimentos populares aponta que Rossoni apresenta um perfil ligado aos ramos atrasados do agronegócio do Paraná. “Ele representa os setores mais atrasados, arcaicos e violentos, os setores madeireiros, extrativistas, que são ligados ao mando, à oligarquia, ao coronelismo. Ele implementou esse método quando foi prefeito em Bituruna, e vem perseguindo os movimentos populares”, analisa integrante da coordenação do MST do Paraná, que prefere não se identificar.
Rossoni iniciou sua trajetória nos anos 1980, conjugando a política e o agronegócio na pequena cidade de Bituruna, região sul do estado. Em 2014, como deputado, engajou-se no sério conflito dos indígenas da região de Guaíra, na fronteira com o Paraguai, chamando a Fundação Nacional do Índio (Funai) de terrorista devido à postura do escritório regional na busca de regularização das terras originárias dos povos guarani. Rossoni condenou, naquele ano: “Estão treinando pessoas do Paraguai para dizer que são índios e ocupar essas terras”.
Ameaça de despejos e violência em barragem
Já no caso recente dos atingidos por barragens, há mais de um mês acampados no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica do Baixo Iguaçu, em Capanema, região sudoeste do estado, ocorreu mais uma intervenção questionável de Rossoni.
As famílias são integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e reivindicam reassentamento, pressionando pelo avanço das negociações com o governo Richa e o Consórcio Energético Baixo Iguaçu, formado também pela Copel (empresa estatal de energia). Neste momento, ação de reintegração de posse pressiona as famílias a sair dali. Já houve despejos forçados anteriores e violência no mesmo ano e neste mesmo local.
No final de outubro, em reunião entre o movimento e o governo Richa, com a presença do secretário-chefe da Casa Civil do Paraná, o governo havia assumido compromisso de mediar o diálogo com a empresa, o que não tem acontecido.
Os atingidos, por sua vez, reclamam de falta de avanço nas negociações com o governo, desde que a Casa Civil assumiu a coordenação do processo. “As negociações vieram para Curitiba, o que a princípio era bom. Porém, o processo não avançou e o que acabou avançando foi a criminalização, interditos proibitórios, uso desproporcional da força policial, truculência e identificação de lideranças”, acusa uma liderança dos atingidos, que preferiu não se identificar.
O mesmo integrante do MST no Paraná avalia que Rossoni apresenta um perfil de “pouca cultura política”, daí as ações muitas vezes violentas e de falta de habilidade na negociação com os movimentos populares. “Ele acha que o mando vem da violência e do aparelho do Estado. É uma temeridade ele continuar no aparelho do Estado, o que estimula a violência”, defende a liderança.
Governo defende distensionar o estado
No interior do governo Richa, não há uma visão de mudança de postura. O Assessor Especial para Assuntos Fundiários, ligado à Casa Civil, Hamilton Luiz Serighelli, em entrevista ao vivo ao Brasil de Fato Paraná, defendeu que na realidade é preciso resolver o problema das famílias acampadas no estado, para reduzir a tensão entre movimentos populares e governo Richa.
“Estivemos com o ministro (Eliseu) Padilha em Brasília, junto com o governador (Richa) e com lideranças do movimento, falando da necessidade de agilizar esse processo da aquisição de áreas. Ou seja (...) que se agilize o máximo possível, porque temos 10 mil famílias acampadas só no MST, além dos outros movimentos, que já têm uma grande quantidade de famílias também, e que nós precisamos urgentemente distensionar o estado (...) A quantidade também de acampados gera esta pressão, a sociedade também sentiu, então houve alguns fatos que não precisavam ter acontecido, mas nós já estamos restabelecendo esse diálogo buscando ajustar esse processo”, afirmou em entrevista ao vivo para o Brasil de Fato Paraná.
Rossoni e os despejos forçados das ocupações de escolas
Os episódios se somam. Ainda em outubro de 2016, no episódio das ocupações de escolas no Paraná por estudantes secundaristas contrários à MP 476, quando o estado teve 850 escolas ocupadas, Rossoni logo convocou reunião com pais e movimentos contrários – e, muitas vezes, truculentos – às ocupações.
De lá, o secretário respaldou as ações de despejo forçado das escolas, bem como a ameaça aos professores que apoiassem os ocupantes. Poderiam responder a processos administrativos, advertiu o governo do Paraná, de acordo com matéria do G1. O sindicato estadual de professores e funcionários de escola protestou contra essa medida.
“Eu considero essas medidas de autoridade. Autoridade que tem a responsabilidade de cuidar da educação do Paraná”, afirmou Rossoni, no dia 24 de outubro.
Trajetória de secretário é marcada por denúncias
A trajetória de Rossoni é marcada por denúncias, sobretudo nos seis mandatos consecutivos (24 anos) na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), onde houve favorecimentos explícitos para os dois filhos, Mariana e Rodrigo Rossoni – que chegou a ser prefeito de Bituruna, porém teve o mandato cassado, de acordo com o jornal Gazeta do Povo.
“É isso o que revelam os registros de cargos comissionados ocupados no Legislativo do Estado e outros documentos comprobatórios reunidos pelo jornalista aposentado Sylvio Sebastiani, ex-servidor da Alep”, descreve documento levantado pelo pesquisador Fernando Marcelino Pereira.
No caso conhecido como “Diários Secretos” de 2010, dentre os quase mil servidores e ex-funcionários da (Alep) investigados pelo Ministério Público do Paraná (MP), treze são suspeitos de serem fantasmas contratados pelo gabinete do presidente da Casa, o então deputado Valdir Rossoni.
Além do grupo de treze, outra servidora ligada a Rossoni é alvo de investigação por suspeita de ter sido fantasma. Conforme mostrou o jornal Gazeta do Povo, a funcionária Hellena Luiza Valle Daru – mãe de Altair Carlos Daru, ex-diretor-administrativo da Assembleia e homem de confiança de Rossoni por dez anos – admite nunca ter trabalhado no Legislativo, embora estivesse lotada no gabinete de Rossoni e tenha recebido R$ 331 mil em salários.
Valor Construtora e Serviços Ambientais
Em janeiro de 2016, o Ministério Público do Paraná abriu investigação sobre os contratos firmados entre a prefeitura de Bituruna, feudo político de Rossoni, e a empresa Valor Construtora e Serviços Ambientais.
O proprietário da empresa, Eduardo Lopes de Souza e outras 14 pessoas, já responde a uma ação criminal, no âmbito da Operação Quadro Negro. Na denúncia, os 15 réus são acusados de envolvimento em esquema de desvio de dinheiro público a partir de contratos da construtora com a Secretaria de Estado da Educação (Seed). Quase R$ 20 milhões teriam sido desviados de construções e reformas de escolas estaduais em todo o Paraná.
Pelas obras em Bituruna, a Valor recebeu R$ 6,5 milhões em sete contratos assinados em 2012. Os recursos saíram dos cofres do estado do Paraná, por meio de convênios do Município com a Secretaria e também com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano, de acordo com o jornal Gazeta do Povo.
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