Lutar contra a inabilitação política de Lula é enfrentar o golpe
Ao comentar os possíveis desdobramentos do atual momento político, vários analistas recordam que a duração e a profundidade das medidas repressivas do regime instaurado pelo golpe de 1964 surpreenderam a todos. Tanto setores da resistência quanto lideranças civis golpistas supunham uma curta duração da ditadura, com um retorno à normalidade democrática, talvez até mesmo com a realização de eleições programadas em 1966.
O atual golpe, cuja marca essencial é a preocupação com um "manto de legalidade" em todos os seus atos, provavelmente será coerente ao manter as eleições programadas, porém também surpreenderá os que o imaginam apenas um acidente de percurso.
É muita ingenuidade supor que as forças econômicas que patrocinaram o golpe reproduzirão o mesmo erro da primeira ofensiva neoliberal da década de 90, quando possibilitaram a vitória de governos progressistas na esteira das medidas impopulares que praticaram. Basta olhar com a atenção para o que já estão fazendo para destruir qualquer ilusão de que viveremos uma repetição.
O conjunto de medidas tomadas nestes poucos meses de consumação do golpe deixa claro que os exíguos espaços para políticas redistributivas e ferramentas indutoras de desenvolvimento minimamente eficazes, que possibilitaram os 13 anos de governo neodesenvolvimentista, estão sendo aceleradamente desmontadas.
Não é preciso ser nenhum profeta para perceber que marchamos para uma eleição presidencial cujos poderes serão ainda mais blindados e minguados. Além disso, a única candidatura capaz de oferecer um risco aos golpistas vai sendo condenada por antecipação, enquanto parcelas da esquerda agem como urubus, mais preocupados em abocanhar um naco do espólio do que enfrentar a ação do inimigo.
Limites e armadilhas
Teremos eleições em 2018. Mas que margem de poder estará em disputa?
Diante de uma profunda derrota, há armadilhas que costumam aparecer como soluções milagrosas. Uma delas é ignorar a gravidade do problema, buscando contorná-lo sem enfrentar suas causas ou lançar-se apressadamente para a primeira novidade que se aparenta como a solução óbvia. Enquanto assistimos o golpe dando um novo passo em sua consumação, inviabilizando a candidatura Lula – única que pode colocar em risco tudo que já fizeram – alguns parecem mais preocupados em viabilizar seus projetos pessoais, imaginando que poderão ocupar o vácuo na liderança popular.
Devemos fugir da armadilha de responder à crise resultante da derrota alimentando a pulverização com respostas que se limitam ao terreno organizativo. Não importa o nível de críticas que tenhamos à figura de Lula. Não se trata de preferência política. Defender seu direito de postular à Presidência da República em 2018, lutar contra sua inabilitação política é enfrentar concretamente o principal objetivo do golpe neste momento. Assim como lutar contra o impeachment não era legitimar a equivocada política de "ajuste fiscal" praticada por Dilma em seu segundo mandato.
Ignorar os evidentes passos do atual golpe é reproduzir o mesmo erro dos que ingenuamente acreditaram no caráter transitório da ditadura em 1964. Neste momento, além de lutar contra suas medidas de destruição da soberania nacional, a grande batalha política contra o golpe é impedir que consumem a inabilitação de Lula.
*Ricardo Gebrim é da direção nacional da Consulta Popular, organização que integra a Frente Brasil Popular.
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