Moda

Indústria da moda está atrasada em inclusão e representatividade, criticam blogueiras

Movimento que questiona padrões de beleza e comportamento pressiona o setor

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Desfile da Laboratório Fantasma no São Paulo Fashion Week
Desfile da Laboratório Fantasma no São Paulo Fashion Week - Reprodução

"Eu fiz o meu blog em um momento que estava surgindo um movimento mundial de aceitação e valorização do corpo e da autoestima. A moda é uma arte e as artes geralmente são visionárias e trazem movimentos novos. No entanto, a moda tradicional, que é a Fashion Week e as grande grifes, demorou para enxergar esse movimento de aceitação e de inclusão como um movimento forte e de resistência. Falta um pouco de coragem para a moda brasileira", lamenta a blogueira Juliana Romano, idealizadora do Entre Topetes e Vinis, que é uma das principais referências em moda plus size.

Nos últimos anos, com a intensa presença do ativismo digital, os movimentos que buscam representatividade e questionam os valores e ideais tidos como “padrão” ganharam mais força. Campanhas que valorizam a beleza real, sem retoques exagerados, tornaram-se cada vez mais frequentes no mundo da beleza, e agora, a indústria da moda percorre o mesmo caminho.

A mensagem dos desfiles que se destacaram na última São Paulo Fashion Week (SPFW) deixou claro que um dos focos da moda agora é a representatividade. O estilista Ronaldo Fraga trouxe para a sua passarela apenas modelos transexuais. Já a marca Laboratório Fantasma (Lab), que é fruto de uma parceria entre o estilista João Pimenta e o rapper Emicida, trouxe a moda das periferias das cidades brasileiras, desfiladas por pessoas de diferentes cores e formatos de corpo.

Ambos os desfiles, aplaudidos de pé, ganharam grande repercussão nas redes sociais e na mídia por trazerem para a passarela de umas das semanas de modas mais tradicionais do mundo, pessoas que nunca se viram representadas.

"Se apenas as pessoas que se sentissem representadas na publicidade e no mundo da moda consumissem, a gente teria um público consumidor extremamente restrito às pessoas brancas, cis-gêneras, magras e heterossexuais. Não faz sentido continuar insistindo em modelos de representação que não caracterizam a real diversidade do público que consomem os produtos", afirma Nátaly Neri, idealizadora do canal no Youtube Afros e Afins, que aborda assuntos como feminismo negro e moda sustentável.

Para Neri, as grandes marcas, ao incorporarem grupos historicamente excluídos - como negros, gordos e homossexuais -, em suas campanhas, só estão cumprindo com o “mínimo de responsabilidade social”. "Essas empresas devem reconhecer a desigualdade racial, de gênero e a ação negativa dos padrões de beleza no Brasil. É uma grande vergonha a gente ver em nossa publicidade e nos produtos que eles não refletem em nada nossa diversidade cultural e étnica", diz. 

Empoderamento e lucro

O professor de Moda da Faculdade Santa Marcelina, Márcio Banfi, questiona se esse reconhecimento tardio sobre a falta de representatividade das marcas não seria apenas uma estratégia publicitária. "Por enquanto, acho que ainda tem muita publicidade e estratégia de marketing em cima. Ou seja, chamar atenção, demarcar. O ideal seria usar naturalmente e ponto, sem precisar falar: fulano usou só negros, ciclano usou transexuais... poderiam apenas falar: o casting estava lindo, abrangente. Mas enfim. Já é um começo. Até aprender a enxergar mais belezas, mais tipos. Entender que existe mais diversidade", afirma Banfi.

Muitas marcas ao tentarem “empoderar” mulheres, negros e a comunidade LGBT em suas propagandas foram fortemente criticadas. A seleção de modelos plus size, a criação de coleções “sem gênero” e até mesmo a incorporação de grandes artistas negros, podem não ser suficientes para a real inclusão desses grupos.

“Muitas empresas só visam o lucro e querem se colocar dentro de um discurso. Não é só colocar cotas na publicidade, ter o discurso da diversidade, da sustentabilidade, da igualdade racial, se isso não é refletido, por exemplo, na estrutura de poder da própria empresa. Quando a empresa tenta lucrar em cima de um discurso político é negativo, porque é a exploração de uma discussão social”, alerta Neri.  

Cerca de 54% da população brasileira é negra e 52,5% é considerada acima do peso. Com isso, é possível enxergar um distanciamento entre a proporção desses grupos na sociedade brasileira e sua representação nas campanhas da indústria da moda. Isso é o que aponta a blogueira Juliana Romano.

“Existe ainda uma indústria que tenta lucrar em cima da opressão e da padronização das pessoas. Que tenta fazer as pessoas se sentirem inferiores, com que elas tentem de tudo para mudar o que elas são, para atingir um ideal inalcançável”, critica Romano.

Nátaly Neri vai além ao analisar que a definição de padrões sociais de beleza e comportamento ultrapassa os limites da propaganda. “Temos que ter uma grande transformação em toda a cultura pop, que estabelece estereótipos e paradigmas, como a do negro ser ruim, da mulher submissa, do gordo feio, do homossexual pervertido. Não temos que ter uma mudança só na exposição dos produtos para um público alvo, mas também mudar a forma como a gente escuta música, como a gente consome filmes e produções hollywoodianas. O movimento para a gente transformar padrões sociais de beleza e elegância é muito mais amplo que só o da publicidade. Está na forma como a gente consome a cultura de outros países”, diz.

Hoje, é possível encontrar inúmeras vlogueiras e blogueiras de diversas idades e regiões do Brasil dispostas a debater assuntos como a indústria da moda, autoestima da mulher, combate ao racismo, o machismo e para questionar a falta de visibilidade das minorias em espaços de poder. Elas se apresentam como uma verdadeira alternativa ao que há de mais tradicional no meio.

"Eu recebo muito comentário do tipo ´eu não uso biquíni há 20 anos´. E quando elas me veem usando, passam a usar também. Eu me vejo dando mais liberdade para as minhas leitoras. E por mais que eu faça isso há um tempão, ainda há um tempão para fazer, porque muitas pessoas ainda sofrem com os padrões. Eu defendo que as mulheres devem se amar e, a partir desse amor próprio, decidir o que querem fazer. Meu trabalho é muito feminista, não tem como não ser. Acho que as blogueiras captaram muito antes esse movimento de aceitação", conclui Romano. 

Edição: José Eduardo Bernardes

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