A morte de vereador Marcelino Chiarello (PT-SC), que denunciava esquemas de corrupção em Santa Catarina, completa cinco anos esta semana. As razões que motivaram o crime nunca foram esclarecidas pela polícia, e o caso foi arquivado no ano passado como suicídio.
Este é o primeiro dos cinco capítulos que compõem a série especial do Brasil de Fato sobre um dos acontecimentos mais obscuros da história política catarinense.
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Cinco anos sem respostas
“Estrangulamento, traumatismo no crânio e fratura no nariz”, descreveu o médico legista Antônio De Marco, o primeiro a examinar o cadáver de Marcelino Chiarello (PT-SC) em 28 de novembro de 2011.
O corpo do vereador de 42 anos havia sido encontrado pela esposa e pelo filho ao meio-dia, pendurado pelo pescoço junto à janela do quarto de visitas, com o rosto e as roupas ensanguentadas. Naquela tarde, a polícia Civil de Chapecó, maior cidade do Oeste de Santa Catarina, comunicou à imprensa que o caso seria tratado como assassinato.
Marcelino era a principal referência dos movimentos populares na Câmara Municipal desde seu primeiro mandato (2005-2008). Apoiou greves de professores, bombeiros e motoristas por melhores salários, lutou por indenizações aos moradores atingidos por barragens e ajudou a desbancar a diretoria que comandou por 21 anos o Sindicato das Carnes e Derivados (Sitracarnes) – em plena capital da agroindústria.
Como se essa atuação não fosse suficiente para colecionar inimigos, o petista denunciou vários esquemas de corrupção na cidade. Em 2009, descobriu irregularidades na terceirização das merendas escolares, o que deu origem a uma Ação Civil Pública contra o ex-prefeito João Rodrigues (PSD). Em março de 2011, questionou o estudo técnico usado para instalar lombadas eletrônicas em Chapecó. João Rodrigues e Eliseu Kopp, diretor da empresa responsável pelas lombadas, foram obrigados a devolver os R$ 9 milhões arrecadados entre 2007 e 2011.
Chiarello pretendia renunciar
Os amigos mais próximos de Marcelino estranharam o comportamento dele na semana anterior à morte. O vereador mostrava-se preocupado com a segurança da mulher e do filho, pois sabia que as denúncias que preparava poderiam atingir “peixes grandes” da política catarinense.
Conforme relatou ao suplente Euclides da Silva, ele temia que alguém vasculhasse sua conta bancária, remexesse sua vida privada e forjasse provas para uma retaliação “na mesma moeda”. Por isso, planejava renunciar ao cargo na Câmara Municipal.
“Se eu escapar dessa, vou ser o melhor marido do mundo”, prometeu à esposa, Dione Chiarello, na madrugada de 28 de novembro. Às 14h daquela fatídica segunda-feira, o petista faria uma reunião em sua casa para comunicar os assessores sobre a renúncia.
Apesar da noite conturbada, o casal levantou ao primeiro toque do despertador. Ambos eram professores, em escolas diferentes – ele na rede estadual; ela na municipal. Quando os dois tinham aulas pela manhã, Marcelino deixava a mulher no trabalho e seguia de carro em direção ao colégio Pedro Maciel, onde ficava até o meio-dia.
Antes da primeira aula, Chiarello recebeu na escola o assessor parlamentar Paulo Zambon. O vereador discutiu a agenda da semana com ele e pediu que lhe trocasse um cheque no banco Credi Chapecó. Em seguida, conversou com a pedagoga Vanda Casagrande, colega do vereador desde 1992, e perguntou se seria possível cumprir mais 20 horas-aula por semana na escola após a renúncia. “Não era o perfil de uma pessoa que, horas depois, ia se matar”, interpreta a amiga.
Marcelino ensinava Filosofia e não gostava de aplicar provas: só fazia uma por ano. Cumprimentou a turma às 9h15, escreveu cinco perguntas na lousa branca da sala 21 e se colocou à disposição para esclarecer dúvidas.
Enquanto os secundaristas respondiam à prova, o professor pediu licença para deixar a sala de aula e não voltou mais. A última pessoa a vê-lo com vida, segundo as informações obtidas pela polícia, foi o filho Eduardo, de 10 anos. O menino ainda estava de pijamas, às 10h30, e estranhou que o pai chegasse em casa tão cedo.
“Vai logo pra casa da tua vó!”, ordenou Chiarello, assustado, assim que viu o menino. “O almoço vai ser lá hoje. Desce que em meia hora eu chego lá”.
Eduardo obedeceu. Uma hora e meia depois, quando entrou no quarto de visitas para vestir o uniforme da escola, encontrou o corpo do pai enforcado na grade de segurança, junto à janela. Em volta do pescoço, não uma corda, mas a alça da pasta que o vereador usava para levar o notebook para a escola.
Ligações perdidas
Além de Vanda Casagrande, dois estudantes que faziam prova na sala 21 viram Marcelino atender ao celular mais de uma vez naquela manhã, antes de ir para casa.
Dione encontrou o aparelho Nokia E-51 usado pelo marido em cima da cama, próximo ao cadáver. Ela lembra de vê-lo passar “de mão em mão” entre os policiais: “Acho que o certo seria colocar o celular em um saquinho plástico, pra ninguém mexer, mas não foi o que eles fizeram”, desconfia a viúva.
O Instituto Geral de Perícias (IGP-SC) de Florianópolis teve acesso ao telefone em 23 de dezembro de 2011 e, 44 dias depois, enviou à polícia uma resposta evasiva: “Verificando-se que não havia registros nas pastas de chamadas, deduz-se que estes foram apagados. (...) A recuperação ou verificação dos dados apagados, com os recursos disponíveis neste Instituto, é inviável”, informaram os peritos José Augusto Koerich e Maria Bassols, do Setor de Engenharia Legal.
A análise do celular foi prejudicada por uma “falha técnica”. Quando um aparelho permanece desligado por mais de 30 dias, a operadora está autorizada a remover de seu sistema todas as chamadas e mensagens, que podem se tornar irrecuperáveis. É o que alega a direção estadual do IGP: o telefone do vereador teria ficado mais de um mês sem bateria, “esquecido” em uma gaveta nas dependências do Instituto. Ninguém foi responsabilizado por esse suposto descuido.
Forças políticas se mantêm
Desde a morte de Marcelino, Santa Catarina assistiu à perpetuação de um projeto de poder ao qual ele fez oposição enquanto vereador.
O ex-prefeito João Rodrigues, alvo de várias denúncias do petista, foi reeleito deputado federal em 2014 e votou pela continuidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff em abril de 2016.
A estrutura do Poder Legislativo local, espaço de atuação política de Chiarello, permanece inalterada, com Valdemir “Tigrão” Stobe (PTB) à frente da Câmara Municipal e Gelson Merísio (PSD) na presidência da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
Amanhã, na segunda reportagem desta série especial, conheça detalhes sobre os embates de Marcelino na Câmara Municipal de Chapecó e entenda como as denúncias de corrupção afetavam cada um de seus adversários em Santa Catarina.
Edição: José Eduardo Bernardes
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