O depoimento do presidente da Assembleia Legislativa paulista, Fernando Capez (PSDB), fugiu à regra dos demais depoimentos dados pelos investigados no esquema de pagamento de propina em contratos da merenda escolar do governo Geraldo Alckmin (PSDB). O desembargador Sergio Rui, relator do processo, iniciou a oitiva tecendo elogios ao parlamentar, destacando que ele é "um homem bem-sucedido", "professor reconhecidamente consagrado", "político festejado" e "recordista das eleições", em referência a Capez ter sido o deputado mais votado de São Paulo, na eleição de 2014.
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Sergio Rui também exaltou o advogado do parlamentar, Alberto Zacharias Toron, "senão o melhor, um dos melhores advogados criminalistas da nação". Não foram feitas perguntas relativas às citações feitas a Capez durante a investigação. O magistrado encerrou sua fala citando Maquiavel – sobre a importância da escolha dos aliados para o destino de um grande líder – e perguntando ao deputado se ele se equivocou na escolha dos assessores ou se foi traído em sua confiança.
Respondendo aos procuradores de Justiça, Capez foi questionado sobre a participação de seu cunhado, Rogério Auad Palermo, em sua campanha. Ele e sua mulher, Maria Cristina Palermo, tiveram os sigilos bancários quebrados a pedido dos investigadores. O motivo é que o lobista da Cooperativa Orgânica da Agricultura Familiar (Coaf) Marcel Ferreira Júlio, que teria sido o gerenciador do repasse de propina, citou Palermo em sua delação. O cunhado de Capez é administrador do Instituto Brasileiro de Ciência Jurídica, empresa por meio da qual o deputado recebe os direitos autorais de suas publicações.
Doadores
Capez negou que Palermo tenha sido seu coordenador de campanha. No entanto, admitiu que ele assinou a prestação de contas sob essa responsabilidade. "Quando você vai fazer a prestação de contas, precisa, burocraticamente, de três pessoas para subscrever essa prestação de contas: o advogado Anderson Pomini assinou, o contador assinou e o Rogério, que não coordena nada, assinou também e nós entregamos a prestação de contas. Quem coordena sou eu, eu converso com as pessoas, eu abraço as pessoas, eu viajo incessantemente", relatou o deputado.
No site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), consta na relação de doadores de campanha do deputado um "termo de prestação de serviço voluntário de 27/7 a 5/10. Coordenador e administrador financeiro" em nome de Palermo. O valor do serviço foi estimado em R$ 10 mil. O cunhado de Capez também realizou repasse de R$ 2.500 para José Merivaldo, ex-assessor do deputado, alegando ter contratado com ele serviços de despachante.
Para o presidente da Assembleia, estabelecer relação entre esses fatos – administrador do instituto, coordenador de campanha, repasse para assessor – "é muito frágil". "Eu não tenho nada a ver com a vida financeira do meu cunhado", afirmou.
Capez reafirmou no depoimento que não recebeu propina, não conhece nenhum diretor da Coaf e que não conhece o lobista da cooperativa, Marcel Ferreira Júlio. "Como é que eu posso dizer que eu conheço uma pessoa que eu sequer consigo descrever fisicamente, que eu não lembro de ter conversado com ele em momento algum?", afirmou.
O depoimento de Capez se choca com os dos demais investigados em vários pontos. Também em depoimento ao desembargador Sergio Rui, o ex-presidente da Assembleia Leonel Júlio, pai de Marcel, disse que os dois se conheciam. "Muito. Conhece, conhece. Ele também teve festa, esteve já, esteve... Conhece, lógico que conhece, muito", disse Leonel.
Delação
Marcel mantém um acordo de delação premiada com a Justiça paulista. No documento, o lobista diz ter ido três vezes ao escritório político de Capez, na Rua Tumiarú, próxima à Assembleia. Ele deu detalhes do local e disse ter conversado com outro assessor do deputado, Luiz Carlos Gutierrez, o Licá, com quem deixou documentos sobre a chamada pública vencida pela Coaf, mas que não tinha prosseguido.
O lobista disse também que o próprio deputado teria ligado na Secretaria da Educação e falado com o chefe de gabinete da pasta, Fernando Padula, sobre a situação. No depoimento, Capez disse não ter feito "nenhum contato" com a secretaria. "Eu nunca falei com o Padula na minha vida", afirmou.
Posteriormente, Marcel disse que foi procurado por Jeter, que informou que o contrato seria maior e teriam que resolver "a questão financeira". Quando a Chamada Pública foi concluída, Jeter o teria procurado. "Viu lá a publicação? Tudo como combinamos. Agora precisamos falar de valores. Eu quero 2% do contrato, mais R$ 450 mil para ajudar na campanha (do deputado Capez)", teria dito Jeter, segundo o lobista.
"Jeter disse que, se não honrássemos o acordo, eles bloqueariam os pagamentos do governo estadual", relatou Marcel. O lobista disse ter efetuado os pagamentos e que os respectivos recibos foram entregues por ele à Justiça.
O deputado também ressaltou que não era próximo de seu ex-assessor Jeter Rodrigues, que só "ficava ali ajudando a atender telefone"; e se disse traído pelo outro assessor José Merivaldo. "Para mim, foi uma surpresa e uma decepção por ele ter indicado o Jeter para ir até o local". E prossegue: "Nem se eu tivesse uma bola de cristal, doutor Nelson, eu poderia supor ou adivinhar que um funcionário, de dentro do gabinete, assinaria um contrato de prestação de serviços para uma cooperativa, que tem contrato público".
Porém, segundo Leonel, Jeter atuou na campanha eleitoral do deputado. "Trabalhou. Na última. A primeira eu não conhecia ele, muitos anos, ele também me conhece e depois eu o revi, de muito tempo lá, na campanha, da primeira, da Rua Tutoia (onde então ficava o escritório político do deputado)", relatou.
Com Jeter, a investigação encontrou movimentação suspeita de R$ 122 mil, em 2015, ano em que a propina teria sido paga. Além disso, a Justiça também encontrou outros R$ 500 mil em movimentações financeiras de origem não declarada, com Merivaldo. Os valores são compatíveis com a declaração de Marcel sobre o repasse da propina.
Outro ponto relativo à Jeter é o carro que a Coaf teria emprestado à campanha de Capez. Novamente, o deputado negou. "Eu não pedi carro nenhum para a Coaf. (...) Esse carro sequer constou da nossa relação e não haveria nenhuma razão, na época, para que, se ele tivesse sido usado, não constasse", explicou Capez.
No entanto, outros ouvidos pela Justiça confirmam que houve o empréstimo de um carro da cooperativa à campanha dele. Inclusive o presidente da Coaf, Cássio Chebabi, que também disse que na cooperativa "chegou muito material do Fernando Capez para o (vendedor) Cesar (Bertolino), então, mostrou que realmente existia um vínculo com o deputado". Leonel chegou a dizer no depoimento que pode provar que a campanha recebeu um carro da cooperativa.
Em nota, o deputado Fernando Capez informou por meio de sua assessoria de imprensa "mais uma vez" que ficou comprovada sua inocência em todos os depoimentos, ou seja, que não houve qualquer tratativa ou pedido de qualquer valor, que seu nome foi usado indevidamente e ele não tem nada a ver com esse caso. "Finalmente, na data do suposto pagamento, a campanha já havia terminado há quase um ano e os funcionários não eram mais assessores do deputado", disse a nota.
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