Há tragédias que são indescritíveis, inexplicáveis e imensuráveis. A recentemente ocorrida com o avião que transportava, dentre outras pessoas, o time da Chapecoense é, certamente, uma delas. Quaisquer palavras que, por ventura, fossem escolhidas para tentar demonstrar a dor da situação seriam ineficazes. Não há verbo adequado para tamanho sofrimento.
Acredito, contudo, que a reação coletiva em face da tragédia se revelou digna de análise. Aliás, a reação coletiva foi imensa e se manifestou de diferentes formas: mudança nos perfis dos clubes de futebol nas redes sociais, com o símbolo enlutado da Chapecoense; mensagens de apoio dos maiores jogadores e clubes mundiais, como Barcelona e Real Madrid; manifestação do clube finalista da Copa Sul-americana, Atlético Nacional, para que a Chape fosse declarada campeã e, até mesmo, declaração de clubes brasileiros de que iriam contribuir para o soerguimento da Chapecoense. Felizmente, a solidariedade pareceu ter predominado.
É irônico perceber que os momentos trágicos proporcionam a humanidade a oportunidade de uma autorreflexão a respeito de coisas de extremamente relevantes sobre a vida, principalmente, a partir de quais valores a construirmos. Na tragédia, somos solidários, somos generosos, somos unidos e acabamos – ainda bem! - por sermos verdadeiramente humanos. Não por outra razão muitos jornalistas afirmaram que a esperança na humanidade tinha sido reacendida.
Um dos desafios que se coloca, todavia, é a manutenção do sentimento coletivo de solidariedade e da generosidade, para além do momento inicial de choque. No imediatismo, floresce a ânsia colaborativa e o ímpeto benevolente. Nesse sentido, é mais do que justa a intenção de alguns clubes brasileiros de cederem, de forma gratuita, jogadores para a Chapecoense, bem como de lhe concederem a anistia de três anos contra o rebaixamento. O Torino, campeão italiano, sofreu uma tragédia semelhante e nunca voltou a ser o mesmo.
No entanto, é preciso aguardar a concretização dessas medidas, uma vez que a realidade, dominada pelo mercado, acaba por ser dura e crua. Ora, ainda no calor do momento, já surgiram declarações como a do Vice-Presidente de Internacional equiparando um possível rebaixamento do Inter com a tragédia em Chapecó – felizmente, o dirigente reconheceu o erro. Como não bastasse, divulga-se que existiriam entraves jurídicos no regulamento da competição para conceder a anistia a Chapecoense por três anos.
Ora bolas! Não há entrave jurídico, mas político. Leis e regulamentos podem ser modificados, basta vontade para tanto. Na verdade, infelizmente, há apenas e tão somente o receio egoístico de alguma agremiação futebolística de ser prejudicada no futuro. É triste.
Aliás, como é triste perceber a estruturação injusta do futebol brasileiro. Para os mais necessitados, não há solidariedade e generosidade. Falta solidariedade com o torcedor, com os clubes menores, com os profissionais da arbitragem e com os jogadores.
Qual a razão de você ter inúmeros jogos em que os estádios estão com arquibancadas vazias? O que o Futebol ganha com isso? Quais valores são reproduzidos? Será, mesmo, que só há interessados em assistir aos jogos pela televisão? Quantos pais pobres não gostariam de poder levar seus filhos aos jogos? O que impede os clubes de serem generosos e solidários com esses pais e essas crianças pobres e, em alguns jogos específicos, proporcionarem entradas francas ou a baixíssimo custo?
O que justifica uma divisão tão desproporcional das cotas de televisão entre os clubes? Por que a Chapecoense na Série A tem que ganhar 5 vezes menos que um clube da Série B apenas por ele ser do eixo Rio-São Paulo? Por que a diferença entre os clubes precisa ser tão gigantesca? Por que o desempenho no campeonato anterior não interfere no recebimento da cota? Há generosidade em tratar os clubes menores com tanta distinção?
Por que os árbitros, responsáveis diretos pelo bom espetáculo, não têm o direito de se profissionalizarem? Por que tais profissionais, mesmo trabalhando com uma gigantesca pressão, não podem ser melhor remunerados? Será que falta dinheiro a CBF para contratá-los de forma profissional? Há generosidade no tratamento atual?
E os jogadores? Sim, como bem denunciou o “Bom Senso”, os muitos jogadores de clubes pequenos que fazem o futebol brasileiro e tem péssimas condições de trabalho. Há solidariedade em não se preocupar com os trabalhadores que todos os anos não tem a certeza que ganharão seu salário por má-gestão dos dirigentes? Há generosidade em concentrar altas remunerações em alguns e ignorar a dificuldade de muitos?
Será que, a partir da recente reação, não poderíamos pensar diferente? Por que não sonharmos em sermos, sempre, mais humanos, solidários e generosos? De quantas tragédias precisaremos?
Edição: ---