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É preciso vigiar a Anvisa

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Após três anos de silêncio, relatório da Anvisa foi bastante criticado por setores sociais preocupados com os agrotóxicos que chegam ao prato da sociedade brasileira
Após três anos de silêncio, relatório da Anvisa foi bastante criticado por setores sociais preocupados com os agrotóxicos que chegam ao prato da sociedade brasileira - Fernando Frazão/ABr
Amenizar os riscos dos agrotóxicos é enganoso e perigoso para a saúde pública

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou na semana passada os dados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) relativos aos anos de 2013 a 2015. Depois de três anos de silêncio, o relatório foi bastante criticado pelos setores sociais preocupados com os agrotóxicos que chegam ao prato da sociedade brasileira. A análise salientou apenas as situações de risco de contaminação aguda (que podem ocorrem nas primeiras horas após o contato com o veneno), ignorando o perigo de contaminação crônica pelo acúmulo de agrotóxicos pelo organismo, numa exposição prolongada.

A principal manchete destacada na divulgação do Para foi de que 99% dos alimentos produzidos no Brasil são seguros. Essa forma de expressar o fato causa uma falsa sensação de saúde no país que mais consome agrotóxicos no mundo. O absurdo fica ainda maior de considerarmos que não são analisadas substâncias como o glifosato (provavelmente cancerígeno para humanos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde) e o 2,4-D (componente do agente laranja, usado no Vietnã), responsáveis por mais da metade do uso de agrotóxicos no Brasil.

Este fato abre uma desconfiança da sociedade com a Anvisa, pois o Para é uma ferramenta de diálogo com a sociedade no sentido do alerta aos riscos da alimentação com agrotóxicos. Amenizar os riscos é enganoso e perigoso para a saúde pública.

Numa possível contramão, na quinta-feira, dia 8 de dezembro, se deflagrou um processo de participação da sociedade da civil bastante importante por parte da Anvisa. O propósito é a construção da nova agenda regulatória para o período de 2017 a 2020. Nesta edição, houve modificações metodológicas descritas pela coordenadora de Planejamento Regulatório da Anvisa, Telma Caldeira. Um dos avanços elencados por ela é a abertura do diálogo para amplos setores com possibilidade de expor as situações e problemas não previamente elencados pela agência.

A Agenda Regulatória da Anvisa leva em conta três princípios básicos: previsibilidade, transparência e participação, e se caracteriza como um instrumento de planejamento de medidas regulatórias por um determinado período. Neste caso, portanto, estamos definindo a agenda regulatória da Anvisa pelos próximos quatro anos.

Os objetivos gerais para os próximos quatro anos, onde se consolidará o marco regulatório são: 1) Revisão do estoque regulatório; 2) Acesso seguro; 3) Promoção do Desenvolvimento sócio-econômico; 4) Convergência Internacional. Ou seja, está em curso uma reforma no marco regulatório da Anvisa, o que influenciará diretamente na vida das pessoas, pois é a Anvisa hoje que estabelece os limites e media a relação da sociedade civil com o setor regulado das indústrias. Estabelecer parâmetros de limite do livre mercado e assegurar os direitos da população é uma responsabilidade enorme num contexto de crise econômica como o que vivemos hoje no Brasil, onde os investimentos na educação são submetidos aos interesses econômicos do capital financeiro com o pagamento da dívida, por exemplo.

Diversas entidades da sociedade civil estavam presentes na audiência de abertura do diálogo, entre elas a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a Aliança pela Alimentação Saudável e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Também houve a participação massiva do setor regulado com empresas de consultoria profissionais no lobby corriqueiro dos mais variados interesses corporativos das indústrias.

A dúvida que paira é: como será a comportamento da Anvisa em relação aos temas em que não existe acordo entre a sociedade civil e o setor regulado? Como se darão as decisões das prioridades de problemas a serem enfrentados nos marcos da regulação sanitária? Como se estabelecerão as prioridades de cada tema e como se definirão os critérios? Essas perguntas não foram respondidas pela coordenação da atividade.

As técnicas em gestão pública, responsáveis pela apresentação do plano, não possuíam autonomia política pra essas respostas. O processo de participação social que o Estado brasileiro abre às entidades da sociedade civil pode ser muito proveitoso, mas também pode ser apenas uma bonita fantasia ilusória que em nada muda os rumos da atuação política de uma entidade como a Anvisa. Sentimos falta da presença do presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, responsável pela política da instituição. Ele esteve presente na abertura, mas saiu em seguida de sua fala sem participar de fato do diálogo proposto. Cabe lembrar que, dos cinco cargos de direção da Anvisa, dois estão vagos.

O conjunto dos movimentos sociais espera que agência seja sinceramente honesta com os dados que serão levantados por formulários. Além da contribuição eletrônica, esperamos que a sociedade civil e as entidades de pesquisa como a Fiocruz, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e a Abrasco sejam convocadas ao diálogo direto com os reais definidores da política da agência. Técnicos de gestão estão cumprindo seu papel de forma muito qualificada, mas ainda pairam dúvidas sobre a real vontade política da Anvisa. Em tempos de crise, o capital avança sobre os órgãos reguladores para aumentar seu lucro. Resta saber se a Anvisa, sob gestão a gestão do governo golpista, terá ainda algum interesse em resguardar a saúde da sociedade.

Por Carla Bueno, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

 

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