A discussão sobre legalização do aborto voltou à pauta nacional nas últimas semanas após uma sucessão de acontecimentos. Na última quarta-feira (7), foi instalada na Câmara dos Deputados uma comissão especial, formada por parlamentares da bancada conservadora, com objetivo de inserir no texto constitucional que o direito à vida é inviolável desde a concepção. Em reação ao posicionamento dos deputados, militantes do movimento feminista anunciaram o começo da jornada de lutas pela descriminalização e legalização do aborto no Brasil. Em várias cidades, atos e manifestações estão acontecendo a fim de pressionar os parlamentares para que a medida não avance.
A comissão especial da Câmara está sendo liderada pelo presidente da casa parlamentar, Rodrigo Maia (DEM) e pelo deputado João Campos (PRB). Ela foi formada para analisar a PEC 58, originalmente destinada a discutir a licença maternidade estendida para situações em que a mãe tem bebê prematuro. No entanto, assumiu também como tarefa debater a mudança do texto da Constituição, impedindo interpretações judiciais favoráveis ao aborto. Por isso, está sendo chamada pelo movimento feminista como PEC cavalo de Tróia.
“Essa PEC que a princípio é positiva, por discutir o aumento da licença a maternidade, apresenta um elemento jurídico da maior criminalização das mulheres. É um presente de grego. Estamos muito preocupadas com essa movimentação, que está personificada no Rodrigo Maia e no Jorge Tadeu, que sempre se movimentou pró morte das mulheres. Ele é da bancada de deputados que gastam mais tempo das suas vidas preocupados em tirar direitos das mulheres. Queremos alertar a população do que está em curso, de modo camuflado”, explica Liliana Marques, 43 anos, militante feminista há 16 anos, durante ato no Rio de Janeiro, na quinta-feira (8).
A comissão especial da Câmara dos Deputados, foi criada em resposta à decisão da primeira câmara do Supremo Tribunal Federal (STF). Na última terça-feira de novembro (29), os ministros surpreenderam ao não considerarem como crime o aborto realizado durante o primeiro trimestre de gestação – a partir do julgamento da denúncia de um aborto clandestino realizado em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A decisão aconteceu dias antes do STF iniciar o debate sobre a descriminalização ou não do aborto por mães contaminadas pelo vírus Zika.
“Foi uma vitória simbólica e parcial. O Supremo determinou a liberação mas não a regulação. A decisão que caminha no sentido do que estamos pedindo ao longo dos anos, mas ainda é preciso avançar muito, pois não garante que a mulher pode abortar. Se a gente não tiver uma regulamentação, formação de profissionais de saúde atentos para a questão de saúde pública que é o aborto hoje, a gente não vai ter vitória nenhuma na prática. O aborto ainda é um tabu na sociedade”, acrescenta Samantha Su, 23 anos, militante do movimento RUA.
A decisão do STF pode abrir precedente para descriminalizar o aborto realizado nos primeiros três meses de gestação. Hoje, no Brasil, a legislação só permite que uma gravidez seja interrompida em casos de gestações de fetos anencéfalos (com ausência parcial ou total do cérebro), em situações de estupro ou risco de vida da mulher.
Mesmo que não seja regulamentado, o aborto é prática comum no país inteiro. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA 2016), realizada pela Anis - Instituto de Bioética e Universidade de Brasília (UnB), divulgada nesta semana, uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez, pelo menos, um aborto no Brasil.
Em 2015, foram 417 mil mulheres no Brasil urbano, mais precisamente, 503 mil mulheres ao se incluir zona rural. Assim, meio milhão de mulheres fez aborto no ano passado no país. São pelo menos 1.300 mulheres por dia, 57 por hora, quase uma mulher por minuto. Considerando toda a população feminina brasileira entre 18 e 39, 4,7 milhões de mulheres já fizeram aborto ao menos uma vez na vida.
“As mulheres tem que ter a opção de viver. É uma questão de saúde pública. Precisamos diminuir o número de mortes após o aborto. Quem paga pela criminalização do aborto são as mulheres, principalmente, as pobres e negras,”, conclui Nathália de Carvalho, 22 anos, militante feminista.
Edição: Vivian Virissimo
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