A Medida Provisória (MP) 744, que promove alterações administrativas na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foi aprovada em plenário na Câmara Federal na noite de quarta-feira (14), entre críticas.
Por votação simbólica, ou seja, sem contagem nominal dos votos, a maioria dos deputados decidiu manter a extinção do Conselho Curador e a revogabilidade do mandato do diretor da Empresa, que fica sujeito à autoridade do chefe do Executivo, e não mais do extinto colegiado. A MP segue agora para o Senado.
As mudanças foram promovidas pelo governo não eleito de Michel Temer no início de setembro e geraram intensos protestos da oposição e de movimentos da sociedade civil organizada, que apontam para a extinção da comunicação pública no país.
Com validade próxima do fim – a medida vence no início de fevereiro –, a MP teve a tramitação agilizada pela bancada governista nesta semana para não colocar em risco os interesses do Planalto, tendo em vista a iminência do recesso parlamentar.
Durante os embates em plenário, PT, PSOL, Rede, PDT e PCdoB apresentaram propostas de emenda para manter a configuração original do Conselho, mas foram vencidos pela maioria governista.
Antes da publicação da MP, o colegiado era composto por 22 membros, contando com representantes da sociedade civil, de funcionários da EBC e do governo, com a função de acompanhar e fiscalizar a programação das emissoras ligadas à Empresa.
A MP aprovada pela Câmara resulta do parecer do senador Lasier Martins (PDT-RS), relator da matéria, que fez algumas modificações no texto. Uma delas é a criação do Comitê Editorial e de Programação, que será composto por 11 membros e não terá função administrativa.
A última presidenta do Conselho, Rita Freire, aponta que a mudança reduz significativamente o poder da sociedade civil junto à Empresa. “O Conselho Curador era um órgão de governança e era ele que dava à EBC o caráter público que ela precisa ter. Já o Comitê será um órgão técnico, não terá as mesmas atribuições do Conselho que faziam com que a Empresa dialogasse com a sociedade no momento de tomada de importantes decisões”, compara.
Ela também questiona a metodologia de escolha dos membros do Comitê. “No Conselho, os representantes da sociedade civil eram indicados através de uma consulta pública, que agora foi eliminada. É importante dizer que um membro pode ser da sociedade civil, mas ele não terá representatividade se não tiver passado por uma consulta. E pior: para ter indicação dos setores representados, quem vai organizar quando e se quiser é o presidente da República”, criticou a ex-presidenta.
Na mesma linha de raciocínio, o líder da Rede, Alessandro Molon (RJ), destacou que a mudança afeta diretamente o caráter autônomo da EBC. “O presidente tinha um mandato que só poderia ser tirado pelo Conselho Curador, que também tinha um mandato. Com as alterações, a EBC perde toda a autonomia e vira uma agência de propaganda do governo Temer, por isso essa MP é um enorme retrocesso, porque a EBC vai deixar de fazer comunicação pública para se tornar uma empresa chapa-branca, com um presidente que pode ser demitido a qualquer momento”, criticou o deputado.
A norma anterior determinava que o mandato do presidente da EBC se daria num quadriênio, em período não coincidente com o mandato do chefe do Executivo, de forma a evitar interferências indevidas na gestão da Empresa.
Democracia
Em entrevista ao Brasil de Fato, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) comparou a experiência da EBC à comunicação pública de países com democracia mais consolidada. “Todos os países desenvolvidos, aqueles nos quais a gente deve se inspirar, têm uma comunicação pública que não se confunde com comunicação governamental nem privada. E o governo acabou justamente com um dos elementos mais democráticos da EBC, que é o Conselho Curador”, apontou o psolista.
Wyllys criticou ainda a narrativa construída pela base governista para extinguir o Conselho. “Há uma argumentação tosca, mentirosa, caluniosa, no sentido de dizer que o Conselho era cabide de emprego e aparelhamento comunista. Imaginem vocês que Cláudio Lemos e Fernando Henrique Cardoso já fizeram parte desse colegiado. Como acusar o Conselho de comunista? Então, as pessoas que dizem isso não estão preparadas pra um debate honesto”, considerou o deputado.
Pluralidade
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, deputado Padre João (PT-MG), também lamentou a aprovação da MP. Um dos pontos levantados por ele e outros deputados é que as alterações tendem a afetar a diversidade em que costuma se pautar a grade da EBC. A TV Brasil, por exemplo, traz programação de todas as regiões brasileiras e produz conteúdos que abordam diferentes temáticas, incluindo direitos indígenas, LGBTTs, direitos da população negra e da juventude, etc.
“É lamentável que o plenário tenha aprovado mais essa matéria. O governo golpista vem desconfigurando todos os espaços. No caso da EBC, primeiro tem o esvaziamento da direção e, depois, tem a estratégia deles de colocar na Empresa uma programação de governo, com restrições no aspecto cultural. Isso certamente vai afetar a cobertura sobre os direitos humanos e as minorias. É um empobrecimento da EBC, que faz parte do desmonte em curso”, considerou o presidente.
Após o envio da MP ao Congresso, a CDHM chegou a realizar audiências públicas para discutir as alterações junto à sociedade civil.
O líder da Rede também projetou riscos para a EBC em relação à pluralidade da programação. “O Brasil perde um canal de comunicação plural que abordava temáticas caras à sociedade civil e às pautas progressistas e passa a ter um canal pasteurizado, que certamente não trará temáticas e formatos diferentes daquilo que se vê na grande mídia”, avaliou Molon.
Conselho de Administração
Outra alteração trazida pela MP diz respeito à composição do Conselho de Administração da EBC, que passa a ter representantes do governo como maioria no colegiado. “Isso significa que passaremos a ter uma empresa de comunicação totalmente atrelada ao governo federal de plantão. Isso não só acaba com o caráter público da EBC como viola a Constituição Federal. O que está ocorrendo é um ataque brutal ao sistema publico de comunicação no Brasil, um desmonte”, considera a secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Bia Barbosa, que também é coordenadora do coletivo Intervozes.
Ela aponta ainda que o caráter político da alteração no Conselho de Administração ecoa diretamente na pluralidade ideológica na programação da EBC. “O que se quer, na verdade, é calar as vozes dissonantes, que poderiam eventualmente se manifestar no espaço da comunicação pública”, criticou a secretária.
Edição: Simone Freire
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