Mobilização

Em Recife, moradores de Passarinho lutam por direitos e melhorias no bairro

Mulheres protagonizam mobilizações contra a ausência do poder público na comunidade

Recife |
O segundo Ocupe Passarinho aconteceu em dezembro
O segundo Ocupe Passarinho aconteceu em dezembro - Méle Dornelas

Juriti, Sabiá, Beija-flor e Curió são algumas das centenas de ruas do bairro Passarinho, na zona Norte do Recife. A ausência do poder público no bairro está fazendo com que a população local se mobilize por direitos sociais e melhorias dos instrumentos públicos, que não estão acompanhando o crescimento e as necessidades de Passarinho.

Oficialmente, pelos dados da Prefeitura do Recife, Passarinho possui uma população residente de 20.035 pessoas. Números que não incluem cerca de cinco mil famílias. Ou seja, na prática, a população residente de Passarinho é, em média, o dobro da quantidade oficial. São cerca de 40 mil pessoas em uma área de 406 hectares. A metade da população que é “oficialmente reconhecida” chegou ao local no início da década de 1980, com a migração de quinhentas famílias do Morro da Conceição. Na época, o cenário era de uma mata fechada, cortada pelo Rio Passarinho. A outra metade, que não aparece nos números oficiais e luta pela regularização e garantia do direito à moradia, ocupou o local em 2006, quando batizaram a Vila Esperança, em apenas 33 hectares. 

“Era uma área desocupada [Vila Esperança]. As pessoas ocuparam o terreno e, de lá para cá, começaram um diálogo com o governo. Em 2014, um homem, que se diz dono da terra, entrou com uma ação para desapropriar aquele pessoal. Nós conseguimos reverter a situação junto aos movimentos sociais, Action Aid, SOS Corpo e Casa da Mulher do Nordeste. A Action Aid, por exemplo, conseguiu colocar dois advogados à disposição dos moradores. Como pertence também a área de Passarinho, a gente tem o interesse que as pessoas continuem em suas casas. As pessoas estão ali porque precisam. Tem homens, mulheres e crianças. São pessoas precisam de suas casas. E foi por isso que a gente entrou nessa briga pela moradia digna”, ressalta Edcléia Santos, conhecida com Cléia, moradora de Passarinho e coordenadora do Espaço Mulher, organização feminista que possui protagonismo na luta por direitos comunitários e feministas, além de ser uma das realizadoras do Ocupe Passarinho. 

Cléia tem na ponta da língua a pauta de reivindicações coletivas de Passarinho. Ela reforça que a organização comunitária sempre esteve a frente das conquistas populares na história do bairro. Para transformar o local e exigir o posicionamento adequado dos poderes públicos, é preciso manter o sentimento de coletividade. 

“Há um descaso do poder público na comunidade, e a situação é ainda mais forte na ocupação da Vila [Esperança]”, lembra Itanacy Oliveira, coordenadora de Programas da Casa da Mulher do Nordeste, organização que atua na área de Passarinho e também faz parte da realização do Ocupe Passarinho. 

Num país que marcha para a redução de programas e políticas sociais, Passarinho segue fortalecendo suas vozes políticas para resistir. “Estamos contribuindo para a comunidade permanecer aqui. Há uma chama de luta social aqui e estamos contribuindo para que isso continue”, avalia Itanacy, sobre os processos da história de Passarinho e das duas edições do Ocupe Passarinho, um ato político-cultural organizado pelos moradores em favor de direitos sociais e melhorias dos instrumentos públicos. A segunda edição do Ocupe Passarinho aconteceu no último dia 3 de dezembro.

Saúde e educação

As pessoas foram às ruas de Passarinho manifestar a situação, por exemplo, no acesso aos direitos à saúde e a educação. A estrutura local comporta apenas uma escola e um posto de saúde. Mesmo assim, os atendimentos são incompletos e não cobrem a ocupação da Vila Esperança. 

Não há creche para cerca de 150 crianças entre zero e três anos de idade. A escola municipal Marluce Santiago é a única existente e possui sala que atende mais uma turma ao mesmo tempo. Não há cobertura para as turmas de ensino fundamental II e ensino médio. 

“Precisei sair por uma época para estudar em Dois Unidos e outra vez para o Centro da Cidade. Mesmo assim, não consegui um ensino de qualidade. A única escola que tem aqui é até o ensino fundamental I e é sempre muito lotada. Ela é feita ‘só para passar’”, denuncia Emmylle Eliza, de 19 anos, que ainda precisou encarar um serviço de transporte reduzido em quantidade e itinerário para estudar em outros bairros.

O acesso ao direito à saúde também obriga deslocamentos. A única unidade de Posto de Saúde da Família (PSF) é de Passarinho de Baixo, que não conta com médico e todos os atendimentos estão sendo feitos por uma enfermeira. 

“Queremos PSFs atendendo toda a comunidade, sem necessidade dos moradores se deslocarem para outro bairro para ter o atendimento básico. Medicamentos disponíveis, inclusive para diabéticos e hipertensos. E equipes de saúde cumprindo visitas aos moradores”, destaca um trecho da Carta Política – Ano II do Ocupe Passarinho, lida no palco do evento.

A primeira edição do Ocupe Passarinho aconteceu em outubro de 2015 e resultou na construção de uma ponte, melhoria da iluminação pública – que ainda é insuficiente - e audiências, visitas e reuniões entre a comunidade e poder público. Cléia é uma das que reforçam o coro das muitas coisas que ainda precisam ser melhoradas no bairro.

Mulheres à frente da luta

Além do acesso à moradia, saúde, educação e transporte, a Carta Política do segundo Ocupe Passarinho reflete ainda a inter-relação de outros direitos que estão sendo negados no bairro. Por exemplo, cobra um tratamento adequado do esgoto e a despoluição do Rio Passarinho; a ampliação de iniciativas de agricultura urbana feita sobretudo por mulheres; a instalação de equipamentos de esporte e lazer; aumento da patrulha do bairro e instalação de câmeras de segurança; programas de geração de renda; melhoria na distribuição de água; instalação de corrimão nas escadarias.

Um detalhe na produção deste texto é que todas as fontes são do sexo feminino. Não por acaso. É nítido o protagonismo delas no bairro e em toda a luta comunitária. Além das denúncias, há iniciativas políticas e culturais na comunidade que anunciam e consolidam direitos para as mulheres. Dois exemplos representativos são o Dia da Beleza Negra, realizado no dia 26 de novembro, com atividades para destacar as identidades de negritude delas, e o bloco carnavalesco “Sou gorda, mas eu pulo”. 

Dentro do contexto geral, a pauta das mulheres também está em disputa por reconhecimento e valorização da gestão pública. Cléia lembra que desde 2015 solicita políticas para geração de renda e emprego para as mulheres do bairro. Até o momento, a Prefeitura do Recife, através da Secretaria da Mulher, realizou, entre janeiro e fevereiro de 2016, um curso de formação sociopolítica, no Espaço Mulher. 

“Uma coisa que eu queria destacar é para o desenvolvimento econômico. Passarinho não conta com nenhum programa de geração de renda. Há um grande índice de desemprego aqui. A gente já conversou com a gestão pública para trazer alguns cursos para cá, para as mulheres. Mas até agora nada aconteceu. Conversamos com a Secretaria da Mulher [do Recife], pedimos para oferecerem oferta de geração de renda para a comunidade, especificamente para as mulheres, já que elas são na maioria são chefes de família, que vendem suas revistas Avon, são manicures, cabeleireiras”, ressaltou Cléia. 

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