O acampamento Hugo Chávez, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Marabá (PA), foi atacado nesta segunda-feira (19) e na madrugada desta terça-feira (20) pela terceira vez por pistoleiros. Os jagunços, apoiados pelo fazendeiro Osvaldo Saldanha, utilizaram três caminhonetes e montaram uma barricada na Vila Sororó, povoado próximo ao acampamento.
O acampamento Hugo Chávez está localizado na fazenda Santa Tereza, de propriedade do latifundiário Rafael Saldanha. As 362 famílias ocuparam a área no dia 8 de junho de 2014, e já produzem alimentos para comercialização e consumo próprio. O local vem sendo alvo de consecutivos episódios e violência há dois meses. No dia 2 de novembro, as famílias foram vítimas de tiros e tiveram suas roças e barracas queimadas.
Segundo Ayala Ferreira, representante da direção nacional do MST e dirigente do Pará, antes da ocupação a área servia para especulação, práticas de crimes ambientais e até mesmo violação de direitos humanos. "Um dos donos da fazenda, Osvaldo Saldanha de Almeida, é uma figura conhecida na região. Ele foi multado em 2002 por utilizar trabalho análogo à escravidão em uma de suas fazendas, então não é novidade que ele participe desse tipo de ação", denunciou.
Saldana foi condenado pela Justiça do Trabalho do Pará e Amapá a pagar R$ 60 mil de indenização por crime de utilização de trabalho escravo na Fazenda Bandeirante, também de sua propriedade, localizada em Paraupebas (PA). Seu caso foi o primeiro em que um fazendeiro foi condenado em ação civil pública de reparação por dano coletivo, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho. Em 2006 a família Saldanha também foi investigada por envolvimento em sonegação de impostos, concorrência desleal, falsidade ideológica e formação de quadrilha.
Para Ayala, o objetivo dos ataques é desconstruir o acampamento e desmobilizar as famílias. "Nossa leitura é que esse é mais um ataque para desmobilizar o acampamento, esse é o esforço deles. É um ataque promovido pelo latifúndio, que tem aliança com a milícia armada, como policiais que estão de folga prestam esse tipo de serviço", continuou.
"Ontem eles passaram a noite fazendo pressão psicológica, jogando bombas e tiros em intervalos de tempos durante toda a madrugada, perturbando os acampados", conta Ayala. Ela também relembra que os governos estadual e federal já foram acionados inúmeras vezes pelo movimento, mas não se posicionaram para desarmar os pistoleiros da região. "Responsabilizamos o governo, acima de tudo, por não fazerem a reforma agrária", disse.
Tragédia anunciada
A professora do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Célia Regina Congilio, visitou o acampamento Hugo Chávez nas últimas semanas com os alunos do curso, e considera a situação dos acampados muito grave. "Ali se tem uma tragédia anunciada há tempos. Fizemos uma visita de apoio em uma situação semelhante a que está ocorrendo agora", afirmou.
"Os carros dos pistoleiros ficam no alto de um morro de ontem se tem plena visão da ocupação. Durante a noite, holofotes intensos são acesos desse morro em direção às casas. Por trás dos carros dos pistoleiros, a polícia fica apenas assistindo. Os moradores tentam uma vida normal, mas estão sempre sob forte tensão. Fizeram uma vala imensa separando as plantações do acesso à água e ela serve de trincheira aos pistoleiros", afirmou, destacando que quando esteve no local, viu marcas de balas nas árvores, "bem no centro do pátio onde está a escola e onde as reuniões acontecem. Os moradores têm cartuchos deflagrados".
Segundo Célia, na cidade de Marabá, onde se localiza a Unifesspa, pouco se conhece sobre o caso da família Saldanha e da ocupação. "Os poderes públicos e a mídia são dos mesmos latifundiários da região, os mesmos donos do comércio local. O MST é fortemente criminalizado na região. O desfecho da tragédia pode estar próximo, se não houver intervenção pesada da sociedade e articulação que pressione os poderes públicos", ressaltou.
A professora ressalta ainda a ação judicial que dá causa da terra para a reforma agrária no território da Fazenda Santa Tereza. "Temos que entender o porquê do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) não encaminhar a desapropriação dessas terras", criticou. Procurado pelo Brasil de Fato, o Incra não respondeu aos questionamentos até a publicação da matéria.
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