A discussão sobre novas eleições diretas para presidente da República vem sendo sufocada pela base governista no Congresso Nacional, mas a cada dia ganha mais fôlego entre os segmentos populares. Com a aparente desidratação do governo de Michel Temer, que está cercado de denúncias provenientes de delações premiadas e amargando baixa popularidade por conta das medidas de austeridade, os movimentos sociais reforçam o discurso e pedem um novo pleito já no próximo ano.
Segundo o artigo 81 da Constituição Federal de 1988, em caso de vacância do cargo de presidente na segunda metade do mandato, o novo chefe do Executivo deve ser eleito indiretamente pelo Congresso para exercer um mandato-tampão.
Mas a baixa popularidade da maioria do Legislativo – também imersa em denúncias de corrupção e rechaçada pela aprovação das medidas governistas a toque de caixa e sem interlocução com a sociedade – tende a ampliar a oportunidade de os movimentos construírem uma conjuntura que favoreça uma nova eleição popular.
Para a Frente Brasil Popular (FBP), que representa mais de 80 entidades espalhadas pelo país, a atual crise que se desenrola nos cenários político, econômico e social só poderia ser enfrentada com a escolha direta de um novo presidente ou presidenta.
“É a solução que vai mais fundo e a que é menos custosa para a democracia brasileira, porque temos uma crise política e institucional de gravidade que vem impedindo a solução da crise econômica e social. A agenda que está sendo imposta no país, que é de destruição da Constituição, só vai agravar ainda mais a situação. Se não for assim [com eleições diretas], viveremos uma crise prolongada até 2018”, analisa o vice-presidente do PCdoB, Walter Sorrentino, que integra a coordenação da FBP pelo partido.
Na avaliação dele, a possível cassação de Temer com a consequente escolha de um novo presidente pelo Congresso seria uma iniciativa descolada das expectativas populares.
“As forças dominantes sempre têm uma reserva de saída, que seria cassá-lo e provocar eleições indiretas, o que francamente não estaria de acordo com o sentimento majoritário da sociedade. Então, além do ‘Fora, Temer’, queremos o voto popular. (...) Eleição indireta num quadro deste seria uma aventura e não iria resolver o problema”, reforça Sorrentino.
Judiciário e Legislativo
Numa análise mais judicial, o cenário aponta algumas possibilidades. Tramita atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) que poderia levar à convocação de novas eleições diretas, caso Temer seja cassado pela Justiça Eleitoral.
Movida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a ação impugna alterações feitas em 2015 pelo Congresso no Código Eleitoral por meio da Lei nº 13.165, que estabelece que, caso o mandato presidencial seja cassado pela Justiça Eleitoral faltando mais de seis meses para o término do mandato, a eleição do novo ocupante do cargo deve ser direta.
O Ministério Público Federal (MPF) alega que o dispositivo seria inconstitucional porque fere o artigo 81 da Carta Magna, que, nessas condições, prevê a eleição indireta.
“A partir do debate no STF, a questão que vigora hoje é se o que vai valer é o que está na Constituição Federal ou o que consta na Lei 13.165/2015”, resume o advogado Rodrigo Mesquita, especialista em Direito Eleitoral.
A ADIn foi distribuída para o ministro Roberto Barroso, que já formulou parecer sobre o caso, mas ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto. Como o Supremo está em recesso e o retorno dos trabalhos será apenas em fevereiro, o processo só deve entrar em pauta no ano que vem, a depender de decisão da presidenta do Supremo, ministra Carmen Lúcia.
Paralelamente à ADIn, tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o processo que pode cassar a chapa Dilma-Temer. Ajuizada pelo PSDB, a ação acusa a chapa de suposto abuso de poder político e econômico durante as eleições de 2014 e deve ser julgada no próximo semestre.
Disputas internas
Enquanto as duas ações se desenrolam na Justiça, o Legislativo vive o seu jogo de forças particular. O passo mais recente foi dado no último dia 14, quando a oposição apresentou, sem sucesso, um requerimento para incluir na pauta de votações da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal a PEC 227.
Apresentada em junho deste ano pelo deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), a medida prevê eleições diretas em caso de vacância do cargo de presidente da República, exceto nos últimos seis meses de mandato. Com parecer favorável já apresentado pelo relator, deputado Esperidião Amin (PP-SC), a PEC segue ofuscada pelos interesses da base governista.
Entre as possibilidades dispostas no atual cenário jurídico e legislativo, a medida poderia despontar como o caminho político mais viável para sanar o contraste entre as regras formais estabelecidas pela Constituição e a Lei nº 13.165.
“A possibilidade seria a aprovação de uma emenda [constitucional] estabelecendo eleições diretas, seja genericamente, para mudar permanentemente a regra e estabelecer eleições indiretas em um outro prazo que não seja esse de dois anos, seja pontual, para que, considerando a profunda crise política e institucional atual, fosse permitida a eleição direta nos últimos dois anos do mandato, o que poderia valer para o caso da cassação da chapa Dilma-Temer ou em caso de renúncia de Temer”, avalia Mesquita.
“Diretas já” e Constituinte exclusiva
Paralelamente, outra bandeira que vem sendo encampada pelos segmentos populares é a ideia de uma Constituinte exclusiva eleita para deliberar especialmente acerca da reforma política e eleitoral. Na avaliação dos movimentos, as alterações não poderiam ser promovidas pelo Congresso Nacional, pois isso implicaria na dificuldade de corrigir as distorções do atual sistema.
Na leitura do advogado Gladstone Leonel Júnior, doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), a saída para o cenário político que se desenha após a aprovação da PEC 55 seria por meio de eleições diretas seguidas por uma Constituinte ampla, exclusiva e soberana, com assembleístas eleitos especificamente para isso e com regras próprias.
"Só assim a gente poderia, de fato, repactuar a sociedade a partir de direitos individuais e coletivos, dentro de uma dinâmica de Estado Democrático de Direito”, afirma Leonel Júnior.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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