“Derrota dos campos progressistas”, “esgotamento da política de conciliação” ou “ perda institucional da esquerda”. O ano de 2016 foi definido de diferentes formas por ativistas e dirigentes de movimentos sociais, mas há consenso em um aspecto: no ano que passou, pouco se avançou em pautas importantes do movimento social — ao contrário, o período foi marcado por retiradas de direitos historicamente conquistados.
No entanto, os acontecimentos do ano passado, como a proposta de Reforma da Previdência, podem pavimentar o terreno para um aumento da indignação das pessoas e alcançar parcelas da população que ainda não saíram às ruas em manifestações contra o governo não eleito de Michel Temer (PMDB). Ainda que grandes, os protestos estão restritos aos movimentos organizados e tradicionais da esquerda.
Para saber quais são suas projeções para este ano, o Brasil de Fato ouviu cinco dirigentes e ativistas de movimento diversos — por direitos das mulheres, de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (LGBTT), por moradia, do movimento negro e do campo. Veja a seguir suas análises e apostas para 2017.
Neon Cunha
Mulher transsexual e ativista independente
O ano que terminou com "um homem negro e pobre, conhecido como Índio, morrendo para salvar uma trans chamada Brasil, uma mulher" dentro de uma estação de metrô em São Paulo foi, para a publicitária, “nada e tudo” para os movimentos que pautam os direitos da população LGBTT. “Nunca se falou tanto da pauta LGBTT, mas não conquistamos nada efetivo", disse.
Para ela, mesmo na escala municipal de São Paulo, em que se implantou com iniciativas voltadas à população transsexual, como o programa Transcidadania apresentado pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT), as políticas públicas na área não se sustentaram. "[O programa] cria um espaço e higieniza... Mas e quem não passa por lá? O Transcidadania não conseguiu fazer uma política de inclusão total", criticou.
Com um onda de retrocessos em toda a América Latina, ela pontua que o próximo ano deve ser ainda mais difícil para quem é a "exceção da exceção". "A gente sabe exatamente o tamanho do perigo. Mas, por outro lado, quantas de nossas pautas não foram também negociadas antes?", questionou ela.
Para Neon, a principal demanda dos movimentos populares e ativistas em 2017 deve ser a defesa das conquistas dos movimentos sociais e de direitos. "Seja [as organizações] de mulheres negras, seja de LGBTT ou da classe operária, vamos ter que urgentemente parar de olhar para especificidade e começar a trabalhar no coletivo, como foram as 'diretas já', quando realmente a nação foi para a rua", disse. Ela destacou ainda a defesa da liberdade como horizonte das pautas do próximo ano.
Gilmar Mauro
Membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
A avaliação de Gilmar Mauro é que Michel Temer não se sustentará na presidência já no primeiro semestre e, por isso, a principal pauta na agenda dos movimentos será as eleições diretas — que para ser bem sucedida, a pressão deve ocorrer por fora do Congresso Nacional.
A projeção do coordenador do MST é que a crise econômica se intensifique e, em decorrência, os índices de criminalidade, de fome e a saturação do sistema público podem aumentar no País. “O Brasil terá uma convulsão social muito grande em 2017. O que estamos querendo construir com outros membros dos movimentos populares é dar um rumo político para isso”, disse.
Ele considera que os processos de mobilização não foram suficientes para barrar um conjunto de contra-reformas aprovadas, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, conhecida como PEC do Teto dos Gastos por congelar investimento públicos por 20 anos, pois não houve um envolvimento da classe trabalhadora em geral. Mas ele aposta que a continuidade da luta contra a Reforma da Previdência será ampliada e levará mais pessoas às ruas do que os protestos contra a PEC do Teto dos Gastos.
Segundo ele, o MST, em conjunto com outros movimentos do campo, deve realizar em abril uma caravana à Brasília (DF) e reunir milhares de trabalhadores do campo contra a Reforma da Previdência na capital.
Além da antecipação das eleições, o destaque dos movimentos do campo continua sendo a luta por desapropriações de áreas para a reforma agrária. “Mas isso apenas não basta. É necessário pensar em um programa que aponte para saídas, tanto da crise econômica quanto dos problemas sociais”, disse.
Juliana Gonçalves
Jornalista e ativista do Movimento de Mulheres Negras
A jornalista Juliana Gonçalves pondera a urgência de, em 2017, todo o movimento social e entidades progressistas pautarem, de forma prioritária, o processo de genocídio do povo negro. Por isso, a ativista afirma que a reforma do sistema prisional, da política antidrogas e da Segurança Pública têm que ser centrais no debate político.
Com uma organização institucional desfavorável à esquerda, do plano municipal ao federal, Gonçalves pontua ainda a necessidade dos movimentos populares saírem "para o embate" e ocupar as esferas participativas, como conselhos e ouvidorias. "Sei que não são [espaços] deliberativos e não têm força interna, mas vamos estar perto para entender o que eles estão propondo e tentar impedir ou minimamente organizar reação quando houver retrocesso. É apenas o que podemos esperar da esfera institucional. Por outro lado, é pressão, ir para rua e realmente tentar ganhar a sociedade", disse.
Ela considera que o movimento de mulheres não comemorou, em 2016, nenhuma conquista concreta e a luta ainda é pautada pela "sobrevivência", o que explicita o "recrudescimento do racismo, do machismo e conservadorismo".
No entanto, acredita que as mulheres negras conseguiram se organizar de uma maneira mais orgânica no ano passado. "Tomamos corpo de uma forma mais unitária, sem deixar de lado as nossas diferenças. Isso ainda é resultado das mobilizações recentes e da maior delas, a Marcha das Mulheres Negras que ocorreu no final de 2015. Assim, ficou um pouco mais fácil fazer frente a algumas ofensivas que a gente sempre sofreu", disse.
Douglas Belchior
Militante da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro)
Para Douglas Belchior, o grande desafio dos movimentos de esquerda será a construção de um projeto programático. “A luta não pode ser apenas reativa. Não vamos ser saída se não propormos uma saída, que aponte caminhos. Temos que defender um projeto novo. Uma esquerda que não oferece saída, não pode ser a saída”, declarou.
Ano que marcou o desfecho de uma atuação inaugurada em 2013, quando as manifestações de rua foram tomadas pela grande mídia e pela direita, o balanço do ano passado, para o ativista, é muito negativo pela espaços institucionais ocupados. “Isso já está custando a medida que a reocupação dos setores hegemônicos, mais tradicionais, oligárquicos e ultraconservadores, já estão promovendo o desmonte de direitos que foram com muito custo conquistados por nós”, disse. Para ele, o movimento negro perdeu junto com as demais pautas e não houve avanço, para além das reações pontuais. “No momento de grande crise política, institucional e social no Brasil, nós não conseguimos colocar para sociedade brasileira o tema do racismo como algo importante a ser debatido”, afirmou.
Douglas pontua que, na medida que é o povo negro quem ocupa favelas e todos os espaços precarizados pela sociedade, “a pauta do movimento negro é a pauta da sociedade brasileira”. Por isso, o próximo período, as reformas estruturais que retiram direitos dos trabalhadores devem ser temas do movimento.
Natália Szermeta
Coordenadora estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo
Para a coordenadora do MTST e da Frente Povo Sem Medo, 2016 foi um marco na história política e dos sinais de esgotamento da política marcada pela conciliação. "O resultado das eleições municipais são reflexo deste esgotamento, reflexo da incapacidade da esquerda brasileira em apresentar um projeto que dialogue com a insatisfação, com o senso comum", disse.
Por isso, para ela, a esquerda que precisará apresentar propostas que vão além da disputa eleitoral de 2018, dialogando com a indignação popular e pautas como a corrupção. "Aqueles que não forem capazes de fazer autocrítica e de entender as mudanças que estão ocorrendo no país, insistindo em alianças fisiológicas ou tentando canalizar a saída para a via do acórdão institucional, estará cometendo um erro histórico",disse.
Com relação às pautas do movimento de moradia, ela pontua que o ano foi marcado pela estagnação, com a continuidade da paralisação do programa Minha Casa Minha Vida. "Conseguimos com luta evitar retrocessos importantes no programa, mas não avançou-se em nada".
Szermeta também aposta na Reforma da Previdência como uma mola propulsora de manifestações contra o governo. "Ela é um ataque no coração dos trabalhadores, flexibiliza direitos históricos e na prática inviabiliza a aposentadoria da maioria dos trabalhadores pobres", disse.
Edição: Juliana Gonçalves
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