Um detalhe no discurso de posse do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), chamou pouca atenção em meio às frases emotivas sobre família, fé, as repetitivas sobre transformar a capital paulista por meio da gestão empresarial e as elogiosas ao governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB). Quase no fim do discurso, Doria citou uma frase do livro 48 Leis do Poder, do escritor estadunidense Robert Greene. “Sejamos ousados, qualquer erro cometido com ousadia é facilmente corrigido com mais ousadia. Todos admiram os corajosos. Ninguém louva os covardes”, declamou o empossado.
A escolha do autor é reveladora. Greene é escritor de best-sellers sobre manipulação, dissimulação, poder, sedução e controle. No livro citado, ele – junto com o também escritor Joost Elffers – propõe regras a serem seguidas para a conquista do poder por líderes de diversas áreas como empresários, políticos e cientistas. Regras que não se pautam exatamente pela ética ou pelo humanismo. O livro compila experiências e acontecimentos em vários períodos da história, com ideias de imperadores, conquistadores, religiosos e também mafiosos.
"Jogue com as fantasias das pessoas", por exemplo, é uma regra descrita da seguinte forma: "Pessoas capazes de engendrar romance ou conjurar fantasias são como oásis num deserto: todos se aglomeram ao redor delas. Há enorme poder em explorar as fantasias das massas". O trecho é convergente com a imagem construída do “João Trabalhador”, utilizado pela campanha de Doria à prefeitura. O bordão ajudou a desmontar a imagem do empresário herdeiro de uma família nobre, com histórico na política desde seu bisavô, e a criar a de um empreendedor que venceu na vida.
Outra ação de Doria que parece seguir esta "Lei do Poder" foi vestir-se de gari para o lançamento do programa São Paulo Cidade Linda, na manhã de segunda-feira (1). O prefeito ressaltou várias vezes que a medida era uma demonstração de "humildade" e "simplicidade", de como a gestão iria trabalhar pela cidade. No entanto, Doria ficou uma hora conversando com a imprensa e só pegou a vassoura para posar para fotos. O local foi limpo por equipes da limpeza urbana no dia anterior.
A abertura da descrição do livro no jornal The New York Times é significativa: "Amoral, astuto, implacável e instrutivo, 48 Leis do Poder é o manual definitivo para qualquer pessoa interessada em ganhar, observar e garantir o controle total".
Na mesma linha, o site de uma livraria descreve. "As Leis incluem, entre outras, a capacidade de esperar o momento certo para atacar, criar uma aura de mistério para confundir os inimigos, saber conquistar corações e mentes das pessoas e encobrir todos os atos em cortinas de fumaça. Reis, políticos, generais, diplomatas e religiosos – assim como cortesãs, bandidos e charlatões – servem de base para as 48 Leis que regem o poder e a influência sobre outras pessoas".
Greene é também autor de A Arte da Sedução e As 33 Estratégias da Guerra. Este último também serviu de base para Doria em outro trecho de seu discurso de posse. Criticado por fazer promessas ou afirmações e depois recuar, o prefeito disse que a gestão saberá ouvir e terá humildade para "sempre que necessário, e for comprovadamente necessário, recuar para poder avançar", justificando, em seguida, que "isso é uma prova de grandeza".
No livro sobre guerra, Greene defende que o recuo é um sinal de força. E propõe outras regras como exponha e ataque o lado frágil de seus adversários, atinja-os onde dói e derrote-os em detalhes: a estratégia do dividir-e-conquistar.
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