A Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) está construindo uma cerca no entorno do espaço de convivência conhecido como "Prainha" onde, há cinco décadas, fica a sede do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp). A ação, que foi tomada sem diálogo com estudantes, trabalhadoras e trabalhadores, está sendo vista pela comunidade acadêmica como mais uma ameaça ao sindicato, que se segue à existência uma liminar de reintegração de posse, descoberta em dezembro último.
No dia 21 de dezembro, membros do Sintusp amanheceram com funcionários de uma empresa terceirizada pela universidade cavando buracos e instalando cercas de metal no perímetro da Prainha, que fica atrás do prédio da Reitoria. Lá, também está o Centro Acadêmico da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, a Atlética do instituto, além de uma lanchonete.
No início de terça-feira (3), policiais militares compareceram ao local para garantir que a medida da Reitoria de cercar o espaço fosse efetivada, o que foi caracterizado pelos trabalhadores ali presentes como uma prática de “repressão psicológica”. Nesta quarta (4), a maioria das cercas já estava colocada, a despeito dos protestos e das tentativas de diálogo por parte de trabalhadores e estudantes.
“Com isso, ela [a Reitoria] está atacando o direito de todos os trabalhadores da Universidade de organização sindical, uma coisa que foi conquistada pela Constituição. Está tentando expulsar o Sindicato, enfraquecer a organização dos trabalhadores e impedir a resistência a todas as medidas que a Reitoria está levando adiante contra a categoria de trabalhadores da USP, a Universidade, a educação e a saúde pública, tirando creches, benefícios, atacando o ensino e a pesquisa”, defendeu Bruno Gilga Rocha, membro do Sintusp, em transmissão ao vivo feita na página do Facebook do sindicato.
Reintegração de posse
Além do cercamento, o Sintusp tomou conhecimento, no dia 9 de dezembro, de uma liminar judicial para reintegração de posse do local por via militar. Na época, a Diretoria da ECA — instituto que abriga a sede do Sindicato em seu espaço físico — emitiu nota declarando que não solicitou à USP a desocupação do espaço para efeito de uso acadêmico do local.
Frente aos últimos acontecimentos e à construção da cerca, a Diretoria divulgou outra nota oficial para seus alunos, dizendo que “reitera o posicionamento já aprovado pela Congregação em defesa da manutenção dos espaços hoje ocupados pelas entidades estudantis desta Escola”.
Depois de muito insistir, uma comissão constituída por diretores do Sindicato conseguiu marcar uma reunião com a Reitoria no dia 23. O atual chefe de gabinete, Thiago Liporaci, afirmou aos trabalhadores que não era possível assumir qualquer compromisso com o cancelamento ou suspensão da obra de cercamento e que o acesso ao espaço do Sindicato ficará garantido somente até a próxima reunião de negociação, que ocorrerá dia 26 de janeiro no Ministério Público do Trabalho.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando abordado por trabalhadores do Sintusp na saída do Instituto Butantan, na manhã desta terça-feira (3), disse que “não vai ter reintegração sem negociação”.
No entanto, a ação de cercear o acesso ao espaço com uso de barreira física, sem diálogo prévio e em período de férias — quando a Universidade está esvaziada e a mobilização de seus setores se torna mais difícil —, tem sido vista pelos membros do sindicato como uma ameaça eminente de que seu espaço seja retirado.
Quando questionada sobre os motivos para o cercamento do espaço e sobre como se dará a entrada de estudantes e trabalhadores, a Reitoria da USP respondeu que a colocação das grades “faz parte do projeto de remodelação do entorno do prédio da Reitoria e já estava prevista desde a reforma do espaço”. No entanto, nada disso foi comunicado ao sindicato dos trabalhadores e às entidades estudantis que ocupam o local.
O Brasil de Fato questionou a Reitoria sobre a ausência de diálogo com os setores estudantil e de trabalhadores e sobre o posicionamento do reitor Marco Antonio Zago acerca da política sindicalista da universidade, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Histórico
A relação entre a Reitoria da USP e o Sintusp está em processo de esgotamento há tempos, e as ameaças à permanência da associação dentro da Universidade antecedem os últimos acontecimentos.
No início de abril do ano passado, o sindicato recebeu um ofício da Reitoria para deixar o cômodo em um prazo de 30 dias. Em seguida, estudantes e trabalhadores da universidade deram início à uma greve que se estenderia por três meses e teve como um de seus motes a defesa da permanência da entidade. A medida, assim, acabou não sendo efetivada.
Na análise do deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), que tem apoiado a resistência do sindicato, o que está acontecendo agora é a intensificação do processo de criminalização do movimento estudantil e do movimento sindical. “O reitor Zago há muito tempo ligou a máquina desse processo de criminalização e de repressão”, diz.
Ele ainda caracteriza a medida como "fascista, autoritária e sem precedentes na Universidade". “Nem os militares fizeram isso: cercar para impedir, na verdade, a entrada e a organização tanto do movimento estudantil quanto do movimento sindical”, completa.
Além dos trabalhadores, não é a primeira vez que os estudantes se sentem ameaçados. "Este novo ataque da Reitoria aos nossos espaços estudantis mostra a mesma face autoritária que já nos acostumamos nos últimos anos”, argumenta Murilo Carnelosso, aluno de jornalismo e membro do Centro Acadêmico da ECA.
Ele conta que, em 2012, nesta mesma época de fim de ano, a Reitoria derrubou um espaço utilizado pelos estudantes para atividades artísticas e culturais sem aviso prévio, para ampliar seu estacionamento. “É o mesmo modus operandi antidemocrático, que ignora as opiniões de quem frequenta estes espaços no dia a dia", completa.
Outro motivo de descontentamento dos setores estudantil e de trabalhadores com a atual gestão da Reitoria é o conjunto de mudanças implementado para conter gastos dentro da universidade. Entre elas, uma medida é a adoção do Plano de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV). Servidores que aderissem ao plano receberiam uma indenização de até 20 vezes o próprio salário para deixarem seus postos. Ao todo, 1.382 funcionários deixaram a Universidade.
Na visão de uma das diretoras do Sintusp, que é trabalhadora do Hospital Universitário da USP, Bárbara Della Torre, o Plano também tem relação com a organização dos trabalhadores. “O próprio PIDV, na minha opinião, tem um aspecto econômico, mas tem um aspecto de demitir um setor mais antigo da categoria que tem muita tradição de luta. E agora esse golpe, que tenta ser o final, que é tirar a sede daqui”, diz.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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