Vinculado à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o Instituto Butantan tem sido usado como uma das principais vitrines do governador Geraldo Alckmin (PSDB) – cuja agenda sugere, pela forma e o conteúdo, estar em pré-campanha à Presidência da República. Nesta semana, o tucano esteve no órgão para assinar com o BNDES o repasse da segunda de três parcelas que totalizam R$ 300 milhões, a fundo perdido, para pesquisas da vacina contra a dengue. Ele tem visitado também os 14 centros incluídos nesta última fase da pesquisa clínica.
São hospitais ligados a universidades e institutos de pesquisa em Manaus, Porto Velho e Boa Vista, na região Norte; Aracaju, Recife e Fortaleza, no Nordeste; Brasília, Cuiabá e Campo Grande, no Centro-Oeste; Porto Alegre, no Sul; e Belo Horizonte e São Paulo (capital e São José do Rio Preto), no Sudeste.
Segundo a direção do Butantan, as doses ministradas aos 17 mil voluntários estão sendo produzidas numa planta piloto na sede do órgão, na capital, onde funcionava um laboratório para produzir vacina contra a raiva.
A formulação em teste foi desenvolvida a partir de uma parceria com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH). O secretário estadual da Saúde de São Paulo, David Uip, diz que até agora a vacina tem se mostrado segura e está oferecendo efetividade. O diretor do Butantan, Jorge Kalil, evita falar em prazos. "A ciência não avança com a velocidade que queremos", disse. Sua expectativa, no entanto, é a partir de 2019.
Importação e envase
Além da vacina experimental contra a dengue, o instituto centenário, referência em saúde pública, fabrica parte da vacina contra a gripe que envia para o Ministério da Saúde para a campanha anual – a outra importa e envasa –, como a de outras que vende, como a da hepatite B.
Em meio à transferência de tecnologia para a produção da vacina contra o HPV, vírus fortemente associado ao câncer uterino, o Butantan está importando e colocando no seu frasco, assim como muitos outros imunizantes.
Há interrupção da produção também na linha de soros. Os trabalhadores, há anos, denunciam o processo de sucateamento do instituto, com fábricas paradas por reformas que nunca terminam, segundo eles. A direção nega ou desconversa.
Apesar de imprecisos e pouco claros, os relatórios anuais de atividades da Fundação Butantan, órgão criado para a gestão administrativa e financeira do instituto, disponíveis em sua página oficial, indicam reformas, fábricas paradas e mais atividades de envase do que de fabricação, conforme informava reportagem da edição de agosto de 2014 da Revista do Brasil: interrupção da produção dos soros antirrábico humano, antitetânico, antibotrópico (contra o veneno da jararaca), anticrotálico (da cascavel), antielapídico (coral) e antiloxoscélico e antiaracnídico, contra veneno de aranhas. Conforme a Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde (MS), as instalações não estavam de acordo com as normas legais de boas práticas de fabricação, exigidas pelas agências regulatórias e não puderam produzir.
O quadro lista os soros produzidos pelo Instituto Butantan conforme indicação em página oficial, bem como sua produção em ampolas/frascos. No entanto, há alguns deles que, pelo jeito, deixaram de ser fabricados há anos. Para a direção do Butantan, tudo vai bem.
No relatório anual de 2014, os auditores da BDO RCS Auditores Independentes observam haver um montante de R$ 111.764.000,00 registrado na rubrica “Obras em andamento”. Entretanto, conforme eles, “as obras estão paralisadas há mais de um ano e as perspectivas para a retomada dependerão do sucesso da Fundação Butantan em conseguir captar recursos financeiros com terceiros para que haja possibilidade de término da obra em andamento da referida fábrica”.
Outro termômetro da baixa da produção é a baixa procura por cobaias para pesquisa. Segundo o relatório de 2015, apenas 13% dos animais do Biotério Central foram solicitados pela Divisão de Desenvolvimento Científico (DDC) para fins de pesquisa – “foi um ano atípico no que se refere ao quantitativo de animais fornecidos, uma vez que várias plantas produtoras de imunobiológicos estavam inoperantes devido à necessidade de adequações às normas de Boas Práticas.”
Esse mesmo relatório destaca que a necessidade do ingresso de novos pesquisadores, já que houve retração principalmente por aposentadoria. "Há necessidade de aumento do número de pesquisadores e de melhoria dos espaços físicos utilizados para as atividades científicas."
Em entrevista no início desta semana, no Instituto Butantan, durante assinatura de termo de repasse de mais recursos do BNDES, o diretor Jorge Kalil, foi questionado pela reportagem da RBA sobre a produção. Sem responder objetivamente as perguntas, Kalil admite haver processos produtivos interrompidos, a importação de vacinas, como o do HPV, por exemplo, e expõe as dificuldades para obtenção de soro. Confira:
RBA - Os trabalhadores afirmam que as fábricas estão paradas. E que nada aqui é produzido. Isso é verdade, dr. Kalil?
Jorge Kalil: Isso não é verdade. Quando nós começamos aqui, em 2011, a vacina da gripe nós não produzíamos. Começamos a produzir 7 milhões em uma fábrica para produção de 20 milhões. E vamos entregar 50 milhões esse ano. Entao está indo muito bem, obrigado. Existe a vacina DTP, que teve uma série de exigências da Anvisa, antes de eu assumir a direção do Instituto. Há uma série de exigências quanto a processo, que necessitam de investimento muito grande, que tem de ser federal.
O estado de São Paulo não pode responder por uma vacina que é distribuída pelo governo federal. E o governo federal se prontificou a fazer esse investimento. Essa fábrica está momentaneamente parada porque ela precisa fazer alterações muito grandes para atender exigências internacionais e da Anvisa para fazer uma fabrica nova, com uma produção totalmente diferente. Além disso, estamos num processo muito intenso de absorção de tecnologia, como por exemplo da vacina do HPV.
O Butantan e governo de São Paulo, ao trazer a transferência tecnológica, está permitindo que as meninas fossem vacinadas contra esse vírus que causa câncer. E este ano vamos começar a vacinação de meninos também. Uma vacina que jamais estaria acessível à população se não fosse a negociação. Nós estamos trazendo essa vacina, diminuindo o preço drasticamente, e torná-la acessível em todo o Brasil. E o processo de transferência de tecnologia desta vacina está avançando rapidamente. Já estamos cumprindo todas as etapas.
O Butantan tem muita coisa em andamento, muitas vacinas sendo feitas. E está indo muito bem, obrigado. Agora, sempre tem a pessoa que só vê o copo meio vazio. E tem gente que vê meio cheio.
E os soros?
Nós temos uma fábrica completamente nova de soros, que estão indo muito bem. O que acontece é que as outras produtoras de soro no Brasil foram envelhecendo suas fábricas, assim como a (vacina) DTP envelheceu. Não tem capacidade de investimento para transformar em fábricas modernas. E o governo federal pediu para nós e estamos analisando, para nós duplicarmos a produção de soro, porque todos os produtores estão enfrentando dificuldades muito graves.
Nós estamos vendo como poderemos aumentar. É muito difícil. Não é de uma hora para outra que a produção do soro é duplicada. Eu tenho de ter mais cobras, mais aranhas, mais pessoal, mais cavalos. É uma complexidade muito grande. Ainda estamos trabalhando muito para saber como responder à necessidade do governo federal. Realmente os outros produtores estão parados, quando deveriam estar produzindo soro para todo o país.
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