Denúncias em massa organizadas por grupos de ódio na internet fizeram o blog "Escreva Lola Escreva", da ativista feminista Lola Aronovich, ter várias publicações censuradas pelo Google na última semana. Com nove anos de existência, o blog é uma plataforma de referência sobre questões da luta feminista no Brasil.
As tentativas de boicote ao blog, no entanto, não começaram agora. Lola, que é professora de Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará (UFC), sofre agressões e ameaças há anos. Em relato na página, ela conta que um desses grupos, que constitui um chan online — fórum anônimo que qualquer usuário pode acessar — a persegue e a ameaça há 6 anos e está sendo investigado por enviar um e-mail ao reitor da UFC afirmando que, caso ela não fosse demitida, cometeriam um atentado na universidade.
A plataforma foi restaurada apenas na noite de sexta-feira (13), após solicitações de explicações feitas pela autora ao Google. As denúncias fizeram com que imagens do blog começassem a sumir, sendo substituídas por pontos de exclamação.
Logo no início das ações, leitores de Lola se solidarizaram e começaram a enviar mensagens de apoio. Por meio do Twitter, várias pessoas questionaram a medida do Google de retirar do ar um blog sem estudar devidamente o caso, alegando que a medida foi um ataque à liberdade de expressão. Em entrevista ao Brasil de Fato, Lola explicou o processo para restaurar a conta e como tem sido a militância dela ao longo dos anos.
BdF — Qual foi a justificativa que o Google Jurídico deu para você quando disse que restabeleceria a conta e as imagens retiradas?
Lola — Ele disse que minha conta foi removida e quase todas as imagens também porque havia imagens de abuso sexual infantil no blog, e que eles eram extremamente severos quanto a isso. Mas que, olhando o contexto, eles viram que a imagem estava coberta e que era uma denúncia (justamente relativo ao mesmo chan que fez script para me denunciar em massa. Eles sim postam pornografia infantil, eu não) e, portanto, iriam restabelecer a conta e as imagens, mas não aquela. Não entendi como, por causa de uma só imagem coberta, de denúncia, no meio de um blog com mais de 60 mil imagens, o Google optou por praticamente deletar o blog inteiro, incluindo o cabeçalho do meu blog, que tem uma foto de quando eu era criança.
Como foi o processo do contato feito por você com o Google até que eles resolvessem restabelecer tudo?
Assim que eles suspenderam minha conta, enviei uma solicitação explicando a situação (que meu blog estava sendo alvo de denúncias em massa via script vindas de criminosos misóginos). Mas, dois dias depois, eles responderam mantendo a remoção da conta. Só com muita mobilização de tanta gente é que conseguimos que o problema chegasse a humanos do Google, não robôs. Muita gente enviou e-mails e tuítes para o presidente do Google Brasil, para o vice-presidente internacional do Google. Porém, o Google se manteve em silêncio por muito tempo. Foi uma dor de cabeça que durou quase uma semana e que, se tivesse sido tratada por humanos, e não por robôs, poderia ter sido resolvida rapidamente.
Além desse recente ataque, nesses 9 anos de blog você recebeu grande quantidade de ofensas e ameaças de morte. Como lida com isso?
As ameaças de morte, estupro, tortura, atentados, estendidas inclusive a minha família, são diárias. Eu não deveria me acostumar, porque é horrível, mas é inevitável: a gente se acostuma. Afinal, são 6 anos. Na realidade eu sei que eles não farão nada, porque são acima de tudo covardes. Só querem aterrorizar mesmo. Eu não tenho medo deles. Tento levar minha vida com bom humor porque, de vida infeliz e medíocre, já basta a deles. E não me abalo, porque eu sei quem eu sou e sei quem eles são e o que eles representam — o mais puro atraso, preconceito, retrocesso, fracasso.
Algum dos boletins de ocorrência (BO) que você fez contra os agressores teve desdobramentos?
Não, nunca. O primeiro BO eu fiz em janeiro de 2012 e o mais recente, o nono, em setembro de 2016. Boletim de ocorrência não serve pra nada. É como disse um advogado que de vez em quando me acompanha à delegacia: é um jeito de transferir a responsabilidade para quem tem algum poder de resolver a situação. É dizer "a minha parte eu fiz". As pessoas têm a impressão que fazer BO resolve alguma coisa, tanto que a primeira pergunta que fazem ao saber de uma nova ameaça é "Já fez BO?" E é impossível fazer boletim a cada ameaça porque, como eu disse, elas são diárias. Eu tenho mais que fazer do que ficar indo à delegacia cada vez que sou ameaçada. Se tivesse algum efeito, pelo menos...
O que significa esse ódio destilado contra as feministas?
Eles odeiam mulheres, negros, homossexuais. Muitos dos "mascus", abreviação para masculinistas, são neonazistas. São de extrema direita. Eles perseguem pessoas assim cotidianamente. É a missão de vida deles. De ativistas, eles têm mais ódio ainda, porque nós os denunciamos, os combatemos. Nós somos as mulheres fortes, empoderadas, aquelas que eles mais detestam. E eles têm medo da gente, porque conhecem o nosso poder. Fecho com Eduardo Galeano: "O machismo é o medo dos homens das mulheres sem medo".
O que te motivou, lá atrás, a criar um blog para discutir, especialmente, as pautas das mulheres?
Eu sempre fui feminista, desde os 8 anos de idade. Então a questão de direitos iguais, de gênero, sempre foi importante pra mim e se manifesta em tudo que escrevo. Mas considero meu blog um blog pessoal, tem até o meu nome no título. E nem tudo que tem no blog está ligado a pautas feministas. Porém, eu colaboro com textos para internet faz tempo, desde 2000, e, quando eu colaborava com sites alheios, pensava que queria ter meu próprio blog, para ter total liberdade editorial. E iniciei meu blog em janeiro de 2008. Desde o início, sempre que tocava em feminismo, o que era frequente, vinha gente querendo conversar, saber mais. Eu tinha acabado de ler o excepcional "O Mito da Beleza", da Naomi Wolf, e quando comecei a falar de aceitação do corpo, também apareceu muita gente interessada.
A gente sabe que a militância feminista está presente nos mais diversos espaços, entre eles o virtual. Qual a importância que você acredita ter a militância virtual hoje?
A militância virtual não substitui a militância presencial, do dia a dia. Mas seria absurdo um coletivo presencial não se aproveitar da tecnologia ao seu alcance para divulgar e planejar suas ações. Portanto, são complementares. A militância virtual costuma ser mais rápida para responder a questionamentos e para denunciar atos e discursos machistas. E tem o poder de ser mais abrangente, de conseguir chegar a muito mais gente. Porém, precisamos urgentemente realizar ações presenciais enormes aqui no Brasil, como a Ni Una a Menos [campanha contra o feminicídio]. Os vários protestos Nenhuma a Menos no Brasil ainda estão longe de atrair a opinião pública, como acontece na Argentina e em outros países.
Como anda a luta feminista no Brasil?
A luta está forte, temos influência. Mas, quanto mais crescem os movimentos feministas, mais cresce também a reação virulenta ao feminismo. Os conservadores reagem com grande ódio a nossa luta. E é um combate desigual, covarde, já que, enquanto nós temos rosto, nome, endereço, eles se escondem por trás de fakes.
Na sua percepção, o atual cenário político corrobora para a permanência desse ódio contra as feministas, as mulheres e os grupos que lutam por reconhecimento em geral?
Sem dúvida. A consolidação da candidatura de [Jair] Bolsonaro, o golpe reacionário e a derrubada do PT, a eleição de Trump nos EUA, o plebiscito em favor do Brexit, tudo isso deu um enorme ânimo aos conservadores. Imagina que você é um reaça troll que passa o dia atacando feministas, mulheres, negros, gays, e aí você vê que, de repente, tem um candidato a presidente fazendo isso na TV e nos jornais, sem disfarces, sem rodeios, sem vergonha. E o cara ainda por cima é eleito para o cargo mais poderoso do planeta! Claro que esse troll reaça se sente validado. Eles ainda não abandonaram suas máscaras porque são covardes, mas renovaram suas forças. 2016 foi o ano deles. E, mesmo dentro da esquerda, ter um cenário nacional e internacional tão à direita também é penoso para as feministas, porque boa parte dos homens de esquerda costuma ver nossa luta como algo secundário, na linha do "primeiro a revolução, depois vemos a questão das mulheres, negros, LGBT aí". É por isso que precisamos lutar mais do que nunca.
Edição: ---