“Baobá / Milhares de Terreiros atacados pela estupidez / Baobá / Ao passo que, pávido, o Estado falha e sociedade cala / Baobá / Com clamor, brada a consciência de um povo / Baobá / Enquanto houver um filho de Orixá, o ancestral será cultuado”, entoam os versos da banda “Filhos de Dona Maria”, de Brasília (DF).
Com uma musicalidade que remete à ancestralidade da cultura afro-brasileira, a canção traz à tona o debate sobre a discriminação religiosa que têm assustado, nos últimos anos, o Distrito Federal e a região chamada Entorno do DF, que abrange 20 municípios de Goiás.
Em 2015, uma série de incêndios em terreiros de candomblé despertou a atenção da opinião pública. De acordo com dados do Fórum Permanente das Religiões de Matrizes Africanas do DF (Foafro-DF), foram registrados 16 ataques, incluindo terreiros e particulares. Ainda sem consolidação definitiva, os dados de 2016 apontam, segundo a entidade, para pelo menos 12 novos casos.
“Quando falamos disso, estamos tratando não só de ataques físicos, mas de cerceamento da liberdade de expressão religiosa, perseguições em locais de trabalho, bullying, humilhação, etc.”, aponta o coordenador do Fórum, Luiz Alves.
Ataques
Mãe Baiana, presidente do Ylê Axe Oya Bagan, uma das casas mais frequentadas do DF, conhece bem os impactos da intolerância. Em novembro de 2015, o terreiro dela estampou os jornais depois de ser alvo de um incêndio que destruiu todas as dependências do espaço.
“A gente ficou até sem roupa pra vestir, porque queimaram tudo”, lamenta. O episódio ganhou as redes sociais, e uma postagem sobre o assunto teve cerca de 242 mil visualizações no Facebook, levando à mobilização de diversos atores políticos --inclusive o governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), visitou o local incendiado.
“As pessoas começaram a falar que Brasília estava sendo a capital da intolerância religiosa”, conta a mãe de santo, que chegou a receber mensagens de solidariedade advindas de países africanos, além de Portugal e da Alemanha.
Entre outras coisas, a presidente do Ylê Axe Oya Bagan atribui o ocorrido à expansão das casas de candomblé, o que estaria provocando reações de segmentos religiosos evangélicos conhecidos como neopentecostais.
“Hoje o terreiro está dentro da cidade, e não mais escondido no mato. Infelizmente, isso incomoda muita gente. Então, alguns deles incitam seus membros a saírem à caça do negro de matriz africana. (...) Ora, mas ninguém é obrigado a seguir aquilo que o outro quer. As pessoas nascem livres e vão continuar assim”, professa a mãe de santo, que chega a fazer uma média de 120 atendimentos por final de semana.
Para Luiz Alves, a faceta política seria um dos destaques dessa problemática. “Há uma apatia dos governos – de todos os governos, nos níveis federal, estadual e municipal – no sentido de não querer enfrentar a situação pra não perder currais eleitorais”, avalia.
Além disso, destaca o dirigente, a origem escravocrata do Brasil está no pano de fundo das narrativas de opressão contra negros e praticantes do candomblé e da umbanda.
“O Brasil se acostumou a aliar tudo o que vem da cultura negra ao universo do demônio e das coisas pejorativas. Também por isso temos o genocídio da população jovem negra. Então, um país de base escravocrata jamais aceitaria com facilidade uma religião que veio a bordo dos navios negreiros”, sublinha Alves.
Resistência e cultura
Criada no bojo dos ataques aos terreiros ocorridos em Brasília, a canção Baobá, citada no começo desta reportagem, é um dos gritos de resistência dos Filhos de Dona Maria.
“Tivemos essa inspiração quando soubemos do episódio no terreiro da Mãe Baiana. A letra é uma alusão ao nosso povo como um baobá, que é uma árvore forte, grande, que abriga muitos e é resistente”, conta o vocalista Amílcar Paré, um dos compositores da canção, que foi premiada na 8ª edição do Festival de Música Nacional FM, em dezembro de 2016.
Para a banda, cujas referências incluem o afoxé, o jongo e a capoeira, a música é um canal de reafirmação da identidade negra e sua tradições, ajudando ainda na promoção das informações sobre o universo afro-brasileiro.
“O papel da música também é o de informar. Já aconteceu, muitas vezes, de algumas pessoas dizerem pra gente que aprenderam muita coisa ouvindo nossas canções, porque às vezes elas não têm contato com isso. E, quanto mais pessoas tiverem acesso, melhor vai ser para a promoção do respeito às diferenças”, acredita o vocalista, que frequenta um dos terreiros do DF.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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