Na semana passada, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, declarou, em entrevista, que as operadoras de telecomunicações poderiam vender pacotes com limites de dados para a banda larga fixa, a partir do segundo semestre deste ano.
Na prática, essa medida transformaria os planos de internet fixa iguais aos de telefonia móvel, em que há uma franquia de uso de dados que, quando é atingida, o sinal de internet é cortado, e o usuário tem de pagar a mais para retomar o serviço ou aguardar até o mês o seguinte. Atualmente, os planos de banda larga fixa se diferenciam apenas na velocidade oferecida, mas não há limite de uso de dados.
A repercussão dessa entrevista do Kassab foi tão negativa que, no dia seguinte, ele foi desmentido pelo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros. Dias depois, ele próprio recuou na declaração, desconversando sobre a mudança. O assunto, no entanto, segue em pauta por pressão das operadoras de telefonia, cuja capacidade de influência sobre o governo e o Congresso é gigantesca.
Hábitos
Uma medida como essa mudaria a forma como usamos a internet no país. Pesquisas recentes demonstram que, a cada hora navegada, 35 minutos são feitos pela rede de banda larga fixa, mesmo que a pessoa esteja usando um dispositivo móvel, como smartphone ou tablet. Isso acontece porque as pessoas usam as redes WiFi oferecidas em locais como bibliotecas públicas, escolas, universidades, praças, restaurantes, cafeterias e nos próprios locais de trabalho. E as usam justamente para baixar documentos, participar de uma consulta pública, fazer declaração de imposto de renda, inscrição no Enem e outros serviços do dia a dia. Se o limite de dados fosse aprovado, o acesso às redes WiFi deixaria de existir ou as pessoas teriam que pagar por isso.
Para quem tem plano de banda larga em casa, que é menos da metade da população (são cerca de 31 milhões de contratos em todo o país), a franquia de dados impediria que as pessoas assistissem a quantos filmes quisessem na internet, dificultaria o acompanhamento de cursos de educação à distância e limitaria o download de arquivos, por exemplo.
Como se não bastasse, o plano das operadoras, caso a franquia seja aprovada algum dia, é oferecer pacotes básicos de entre 60 e 80 gigabytes (GB) por mês. “Numa família com quatro pessoas, em que a média de uso diário é de quatro horas por pessoa, esse pacote é muito pouco”, afirma a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, conselheira da Proteste (Associação de Consumidores) e representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet (CGI).
Em países que vendem franquia de banda larga fixa, como nos Estados Unidos, os planos mais básicos partem de pelo menos 300 GB por mês.
Argumentos
Um dos argumentos usados pelas operadoras para justificar essa franquia na internet fixa são as limitações técnicas das redes. Porém, segundo Flávia Lefèvre, essas empresas é que deveriam investir mais na expansão de suas redes. “As operadoras vendem mais planos do que a capacidade que têm, ou seja, fazem sobrevenda. O resultado disso é que se cria uma falsa escassez para mascarar a falta de investimento e minimizar a qualidade baixa do serviço oferecido”, explica.
Há também uma responsabilidade fundamental do poder público nessa questão. Para Lefèvre, a internet já é legalmente reconhecida como um serviço essencial e, por causa disso, deveria operar sob regime público. "Nesse regime de concessão, fica mais nítida a responsabilidade do Estado em garantir o acesso a esse serviço. A União poderia permitir a utilização de fundos públicos para investimento na expansão das redes”, defende. Apenas o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) arrecada cerca de R$ 2,5 bilhões por ano.
Porém o governo Temer caminha no sentido oposto. Sua base aliada no Congresso Nacional aprovou no fim do ano passado, a toque de caixa, um projeto de lei que muda a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), acaba com as concessões em regime público e repassa mais de R$ 100 bilhões em redes e infraestrutura públicas diretamente para as operadoras. Por causa dessa aprovação quase instantânea, a tramitação da medida foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda não entrou em vigor.
TV por assinatura
Outro aspecto dessa tentativa de vender franquia de dados na banda larga fixa é transformá-la em uma espécie de TV por assinatura. As operadoras venderiam planos com ou sem possibilidade de assistir filmes online, com ou sem acesso às redes sociais, a depender do bolso do cliente.
Outra prática seria adotar o chamado "zero-rating", que são acordos entre operadoras e determinadas empresas de aplicativos para uso da rede. Isso já acontece de forma ilegal na telefonia móvel, quando as operadoras tentam vender pacotes de internet que oferecem WhatsApp ou Facebook “grátis”, ou seja, que não desconta do limite de dados.
"Isso viola o Marco Civil da Internet, porque, ao discriminar aplicativos, quebra-se a neutralidade da rede", sustenta Lefèvre.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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