O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Padre João (PT-MG), apresenta uma lista de 40 ameaças aos direitos humanos que partem do legislativo. Parte das iniciativas já foi aprovada em 2016, parte ainda está em tramitação.
O levantamento foi elaborado em parceria com o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) e com apoio de pesquisas realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Conectas Direitos Humanos e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
O documento integrará adendo do presidente da CDHM e da presidenta da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, Erika Kokay (PT-DF), ao Relatório Periódico Universal do Brasil à Organização das Nações Unidas (ONU).
Temas como o fim dos direitos trabalhistas, retrocessos na reforma agrária, liberação ainda maior dos agrotóxicos, fim do licenciamento ambiental, fim das demarcações indígenas, proibição do casamento homoafetivo, restrição ao atendimento de vítimas de estupro, restrição à laicidade do Estado, restrição da liberdade de ensino, redução da maioridade penal, revogação do estatuto do desarmamento estão entre as leis enumeradas. Confira a lista:
Direitos Trabalhistas
1. Reforma Trabalhista. O Projeto de Lei 6787/16, de autoria do Presidente Michel Temer, apresentado em regime de urgência, deve ser aprovado no primeiro semestre de 2017, segundo o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Entre as iniciativas do PL, estão a formalização da jornada diária de trabalho de até 12 horas e a prevalência de acordos entre empresas e sindicatos dos trabalhadores sobre a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
2. Terceirização. O Projeto de Lei 4302/1998, que permite a terceirização das atividades-fim, e não apenas limpeza, segurança e outras atividades-meio, como atualmente ocorre, foi aprovado pela Câmara e está na ordem do dia do Senado.
3. Trabalho escravo. Em 2014 foi aprovada a Emenda Constitucional de n° 81, que determina expropriação de áreas nas quais for utilizado trabalho escravo. A emenda precisa ser regulamentada por lei para ser efetiva. Entretanto, a nova regulamentação proposta pelo PLS 432/2013 inviabiliza a atuação exercida atualmente pelos fiscais do Ministério Público do Trabalho no combate a essa prática.
Meio ambiente, acesso à terra e à alimentação
4. (Des)Reforma Agrária. O governo apresentou a Medida Provisória 759/2016 com duas propostas principais:
A primeira tem por finalidade liberar terras para o mercado. A proposta prevê o pagamento em dinheiro de terras adquiridas para a reforma agrária. Ela pretende ainda dar título de propriedade aos assentados, o que é uma janela para a reconcentração fundiária. Hoje, os títulos concedidos aos beneficiários são inegociáveis.
A segunda linha é a de fragilizar a organização social no campo. A proposta desconsidera a existência de acampados organizados em movimentos sociais, e prevê abertura de editais amplos para candidatos a beneficiários.
5. Rotulagem de Transgênicos. A Câmara aprovou o PLC 34/2015 que põe fim na exigência do símbolo “T” nos produtos que contêm até 1% de componentes transgênicos. O projeto fere o direito à informação e à escolha a uma alimentação saudável. A proposta está pendente de apreciação pelo Senado.
6. (DES)FUNÇÃO SOCIAL. O Projeto de Lei 5288/2009, que está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça, restringe os requisitos da função social da propriedade.
Pela proposta, além de a propriedade não precisar cumprir os critérios ambiental e trabalhista, passa a não ser mais necessário o cumprimento simultâneo dos requisitos de “utilização da terra” e de “eficiência na exploração” para comprovação da produtividade da propriedade rural.
7. Venda de terras para estrangeiros. Desde 2015, a proposta que permite a venda de terras para estrangeiros está com urgência aprovada, para que possa ser apreciada pelo Plenário da Câmara. Defendido pela bancada ruralista, o PL 4059/2012 viola a soberania nacional.
8. Monopólio das Sementes. Está prestes a ser votado, em comissão especial, a proposta de proteção de cultivos. O PL 827/2015 restringe a possibilidade de multiplicação de sementes protegidas e exige autorização do detentor da patente para que o agricultor comercialize o produto da colheita. Trata-se de projeto que favorece multinacionais do agronegócio, que concentrarão mais poder sobre a reprodução de sementes.
9. Agrotóxicos. Comissão especial da Câmara se debruça sobre proposta de fragilização do processo de controle dos agrotóxicos no Brasil, que já ocupa, mesmo sem essa inovação legislativa, a primeira posição no consumo mundial de veneno na comida.
As propostas dos PL 6299/2002 e 3200/2015 alteram o nome de agrotóxicos para defensivos fitossanitários, restringe a ação do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
10.Mineração. O projeto de Código da Mineração (PL 37/2011) vai no sentido contrário ao das necessidades indicadas pelo maior desastre ambiental da história do Brasil, provocado pela mineração empresarial: a tragédia de Mariana.
O código mais incentiva que regula a mineração. Os substitutivos apresentados – um dos quais escrito no computador de uma mineradora – fragilizam o controle estatal e a capacidade de o Poder Público atuar no planejamento desse setor estratégico.
11. Fim do licenciamento ambiental. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária anunciou que acordou com o Governo Federal a aprovação do “auto-licenciamento” ambiental, com o PL 3729/2004, que permite às empresas obter o licenciamento com o simples preenchimento de um formulário, retirando do Estado o poder de controlar os empreendimentos em prol do meio ambiente.
Direitos dos povos indígenas
12. Fim das demarcações indígenas. A Proposta de Emenda à Constituição 215, que já foi aprovada em Comissão Especial e está pronta para o Plenário da Câmara, prevê a competência do legislativo para demarcar terras, o que impossibilitará, na prática, futuras demarcações.
Além disso, transforma as terras tradicionais em equivalentes da propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida do agronegócio e das mineradoras sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de tradicionalidade.
13. CPI do Incra e da Funai. Tramita, desde novembro de 2015, Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados para investigar as atividades da Fundação Nacional do Índio e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária na demarcação de terras indígenas e quilombolas. Seu maior objetivo é paralisar o processo de reforma agrária e a demarcação de terras.
Direitos das Mulheres e das Pessoas LGBT
14. Estatuto da Família. Foi aprovada por Comissão Especial a proposta (PL 6583/2013) que retira os casais homoafetivos do conceito de família. Casais formados por pessoas do mesmo gênero, pela proposta, não podem se casar ou estabelecer união estável, tampouco podem adotar. O Brasil já permite o casamento e a adoção por casais homoafetivos, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal.
15. Restrição no atendimento em casos de estupro. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou o PL 5069/2013 que criminaliza quem instiga ao aborto ou quem preste qualquer auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da gravidez.
16. ABORTO COMO CRIME HEDIONDO. Quatro PLs em tramitação pretendem tornar o aborto um crime hediondo (PL 4703/1998, PL 4917/2001, PL 7443/2006 e http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=389698). A prática seria considerada tão grave quanto homicídio praticado por grupo de extermínio e estupro de criança, por exemplo.
17. NASCITURO. A proposta dá uma pensão à mãe de filho gerado a partir de um estupro, além de prever direitos de paternidade ao agressor. A (PL 478/2007) já foi aprovada em duas comissões – Finanças e Tributação e Seguridade Social e Família.
18. Contra o reconhecimento das pessoas LGBT. Além do Estatuto da Família, tramitam projetos que propõem a vedação de adoção por casal homoafetivo (PL 4508/2008); a criminalização da “heterofobia” (PL 7382/2010); a criação do “Dia do Orgulho Heterossexual” (PL 1672/2011); a criação de nova causa de anulação do casamento — “a ignorância, anterior ao casamento, da condição de transgenitalização, que por sua natureza, torne insuportável a vida do cônjuge enganado com a impossibilidade fisiológica de constituição de prole” (PL 3875/2012); o cancelamento do decreto sobre o reconhecimento do nome social e da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais (PDC 395/2016); entre outros.
19. (Não) Diversidade nas escolas. O Projeto de Lei 2731/2015 pretende vetar o debate sobre a igualdade de gênero, ou a promoção da ideologia de gênero, por qualquer meio ou forma do sistema de educação.
Direito à laicidade do Estado
20. Educação. Tramitam na Câmara algumas propostas dispondo da obrigatoriedade do ensino religioso, da Bíblia ou do criacionismo nas escolas. Entre elas, estão PL 309/2011, PL 943/2015 e PL 8099/2014.
21. Ação de inconstitucionalidade por entidades religiosas. Foi aprovada por comissão especial a PEC 99/2011 que diz que as Associações Religiosas podem ajuizar ações de inconstitucionalidade no STF.
Direito à Educação
22. Reforma Educacional. A maior reforma educacional em décadas foi apresentada por meio de Medida Provisória. Quanto ao método, a proposta foi desenhada sem discussão com a sociedade civil organizada, que inclui professores, estudantes, pesquisadores e gestores. Quanto ao conteúdo, apesar do recuo anunciado pelo Ministério da Educação, a MP de fato retirou a obrigatoriedade das disciplinas de sociologia e filosofia. Apenas matemática e português continuaram como matérias obrigatórias nos três anos do ensino médio.
23. Escola sem partido. O projeto de “Programa Escola sem Partido” (PL 867/2015) inclui, como diretriz da educação nacional, o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”.
A proposta viola, por isso, a Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância. Foi criada uma comissão especial para analisar o projeto. (PL 867/2015, PL 7180/2014)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606722
Direitos das crianças e dos adolescentes
24. Redução da maioridade penal. Foi aprovada pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Agora a PEC 115/2015 está no Senado.
A idade penal de 18 anos é um direito humano previsto na Constituição e por isso é cláusula pétrea. A Convenção sobre Direitos da Criança da ONU de 1989 também afirma que 18 anos é o marco da idade penal.
25. Aumento da internação para adolescentes no sistema socioeducativo. O Senado aprovou e a Câmara agora aprecia, em comissão especial, proposta de aumento do tempo de internação para adolescentes em conflito com a lei.
O texto do PL 7197/2002 eleva o tempo máximo de internação de adolescentes de três para dez anos em casos de homicídio doloso (com a intenção de matar) e de atos descritos na lei de crimes hediondos, sempre que cometidos com violência ou grave ameaça (como estupro e latrocínio). A partir dos 18 anos, o adolescente nessa situação deverá ser transferido para uma unidade ou ala separada dos demais”.
26. Exposição de criança e adolescente em conflito com a lei. A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou o PL 7553/1 que permite a divulgação de imagem de criança ou adolescente a quem se atribui ato infracional.
27. Redução da idade de trabalho. Está pendente de deliberação a apreciação da PEC 18/2011 que pretende autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). A proposta fere a Constituição e tratados internacionais sobre proteção à adolescência.
Direito à vida
28. Armamento. Comissão especial aprovou o que significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de armas, hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá ser conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. O projeto está pronto para apreciação pelo Plenário da Câmara.
Direitos sociais e bem-estar
29. Desmonte do Estado. Foi promulgada, em dezembro, a Emenda Constitucional nº 95 proposta pelo Presidente Michel Temer, que institui um novo regime fiscal que congela os gastos públicos por 20 anos.
30. Reforma da Previdência. O governo apresentou proposta de reforma da previdência, através da PEC 278/2016, na qual o trabalhador precisará contribuir por 49 anos para assegurar o recebimento do teto do regime geral da previdência. A proposta ainda estabelece paridade entre homens e mulheres e entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.
31. Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Governo para o ano de 2017 tem a redução de R$ 430 milhões nas políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos e as comunidades tradicionais (estudo da Liderança do PT). A proposta estabelece um teto de 110 milhões de reais para despesas discricionárias da Funai. Trata-se do menor valor orçado para a Fundação nos últimos 10 anos (de acordo com A Pública).
32. Programa de Parcerias de Investimento (PPI). Foi aprovada a medida provisória de Michel Temer que instituiu o programa de privatizações de seu governo. A proposta, segundo o Deputado Nilto Tatto (PT/SP), é orientada “à expansão da infraestrutura mediante parcerias com a iniciativa privada e às privatizações de empresas e instituições financeiras federais, institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente da República, e negligencia os princípios que regem as licitações públicas”.
33. Entrega do Pré-sal. O legislativo aprovou a proposta de autoria do atual Ministro das Relações Exteriores, Senador licenciado José Serra (PSDB/SP), que retira a participação obrigatória da Petrobrás em pelo menos 30% da exploração do Pré-Sal – provavelmente a maior reserva energética do mundo.
Conforme apontou a Federação Única dos Petroleiros, trata-se de entregar a reserva às multinacionais, o que significará menos recursos para políticas públicas “e o fim da política de conteúdo nacional, que gera empregos, renda e tecnologia para o nosso país”. (Lei Ordinária 13365/2016)
34. Renegociação das dívidas dos estados. O Congresso Nacional aprovou o projeto de renegociação da dívida dos Estados. Para aderirem ao programa, os estados devem se submeter, por dois anos, aos requisitos da Emenda do teto de gastos.
Direito à comunicação
35. EBC. Com a Medida Provisória 744/16 Michel Temer acaba com a autonomia da Empresa Brasileira de Comunicação. Ela permitirá que o Planalto indique e demita livremente o presidente da EBC.
Tal medida vai na contramão das práticas democráticas de comunicação pública mundo afora, segundo as quais se criam empresas públicas de comunicação que não são estatais, ainda que prestem contas ao governo.
36. 100 bilhões às operadoras. Foi aprovado, em sete dias corridos, com apoio do governo Temer e sem debates, em caráter terminativo pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado, um projeto que “transforma as concessões de telecomunicações em autorizações e transfere uma infraestrutura estratégica da União, avaliada em R$ 100 bilhões, para o patrimônio privado das operadoras”.
Processo legal
37. Exceção legalizada. Foram apresentadas pelo Ministério Público Federal “dez medidas contra a corrupção”.
A PL 4850/2016, na prática, legalizava medidas de exceção como admissão de provas ilícitas, restrição ao habeas corpus, restrição grave à prescrição dos crimes e limitação à defesa e teste de integridade, ampliação excessiva do rol de crimes hediondos, etc.
38. Terrorismo. O legislativo aprovou a lei que tipifica o terrorismo no Brasil. Apesar da ressalva que exclui de seu texto a atuação de movimentos reivindicatórios, a lei é perigosa pois traz conceitos indeterminados.
39. Criminalização dos movimentos sociais. Hoje ao menos dois projetos de lei (PLS 272/2016 e PL 5065/2016) pretendem agravar a legislação antiterror. Um deles resgata os dispositivos vetados pela então Presidenta da República, Dilma Rousseff. Assim, criminaliza os atos de ato de incendiar, saquear, depredar meios de transporte, agências bancárias, lojas e prédios públicos – o que implica em pena excessiva a condutas contra o patrimônio.
Outro inclui a finalidade política como elemento a caracterizar o terrorismo, com o intuito de restringir movimentos reivindicatórios, ferindo a liberdade de expressão e a democracia.
Direito ao voto
40. Parlamentarismo. O Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a adoção do parlamentarismo, ainda não instalada.
Tramita no STF um mandado de segurança (MS 22.972) que questiona se é possível a mudança de um sistema de governo via emenda Constitucional. O MS foi pautado em março, mas não foi ainda julgado.
Nas informações que prestou ao STF, o Presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, manifestou-se favorável ao parlamentarismo. Por esse sistema, os cidadãos não têm o direito de voto direto para o cargo de Presidente da República.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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