O republicano Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos no último dia 20 de janeiro em meio a um cenário de incertezas sobre a veracidade de propostas feitas durante sua campanha e sobre os impactos que tais medidas gerarão na sociedade. Em alguns discursos, promessas e nomeações, o empresário multimilionário vem sinalizando que pretende interferir diretamente nas relações entre Israel e Palestina.
Entre as medidas já anunciadas, a de maior destaque é a possível transferência da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém, cidade conquistada militarmente pelo exército israelense durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, mas que é oficialmente reconhecida pela ONU como território internacional.
Em julho de 1980, Israel aprovou uma lei que declarou Jerusalém como sua capital oficial, o que foi condenado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas como uma violação da lei internacional. Se concretizados os planos de Trump, a mudança da embaixada pode acabar de vez com as tentativas de negociação de paz entre palestinos e israelenses e provocar uma nova onda de confrontos.
Para Amjad Alqasis, membro da organização Badil, que luta pelo direito dos refugiados palestinos, a transferência causaria mais danos para a lei internacional do que para a própria situação da Palestina. "O direito internacional não tem se provado efetivo em nenhum nível nos últimos 70 anos, mas se o Trump for o primeiro presidente a afirmar que embaixadas em Jerusalém são legais, seria um soco na lei. Se crimes internacionais são considerados legais por um presidente dos EUA, a lei não significa nada", considerou.
O diplomata Leandro Vieira, representante do Brasil na capital palestina de Ramallah, destacou que o país não concorda com a possível alteração do local da embaixada. "Não cabe a nós mudar o paradigma porque isso não bate com o que defendemos. Se for confirmada a ação dos Estados Unidos, haverá grandes consequências para o conflito", afirmou, em debate acompanhado pela reportagem.
Em entrevista para o Brasil de Fato e para a Revista Fórum, o palestino Nassar Ibrahim, diretor da agência de notícias Alternative Information Center (AIC), explicou que, na prática, Israel já anexou a parte oriental de Jerusalém. "A mudança da embaixada é algo muito significativo do ponto de vista simbólico. Mostra como Trump está apoiando Israel e como contradiz a lei internacional. Mas, de fato, na realidade e no dia a dia, Israel já isola e anexa Jerusalém e já controla os assentamentos dentro dela, demolindo casas de palestinos e tornando a sobrevivência muito difícil".
Mahmoud Abbas, atual presidente da Autoridade Nacional Palestina, já alertou que a mudança da embaixada para Jerusalém vai frear qualquer acordo entre os israelenses e palestinos. "Espero que o governo americano atue em dois níveis: primeiro para não discutir o deslocamento da embaixada para Jerusalém e, segundo, para o governo conduzir negociações entre palestinos e israelenses com o objetivo de alcançar um acordo político", afirmou.
Já o grupo islâmico Hamas, que detém o controle de Gaza, advertiu sobre a transferência, afirmando que "a administração americana cruzaria todas as linhas vermelhas com a mudança da embaixada". O grupo entrou em acordo com lideranças do Fatah no último dia 18 de janeiro, em uma reunião realizada na capital russa, Moscou. Na opinião de alguns ativistas palestinos, as negociações para a unificação do governo palestino podem visar uma resistência às ameaças do governo Trump.
Entretanto, segundo o secretário de imprensa do novo presidente norteamericano, Sean Spicer, a mudança da embaixada "ainda está em fase inicial de discussão" e, portanto, não será realizada logo no início da gestão. No último domingo (22), dois dias após sua posse, Trump falou por telefone com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, e os dois marcaram uma reunião em Washington para o mês de fevereiro. No mesmo dia Netanyahu anunciou um grande aumento nos assentamentos israelenses no território palestino de Jerusalém oriental.
As nomeações de Trump também vem expondo sua inclinação à defesa da ocupação israelense. Ele indicou o advogado judeu David Friedman, que já se declarou contra a suspensão da colonização israelense, como possível embaixador norte-americano em Israel. Além disso, o presidente nomeou seu genro, o judeu sionista Jared Kushner, para ocupar o cargo de coordenação do processo de paz entre israelenses e palestinos.
Para Jonathan Cook, jornalista britânico e ativista que atualmente vive na cidade de Nazaré, a indicação de Friedman pode significar um problema até mesmo para Israel. "Agora o homem que representa os Estados Unidos em Israel é muito mais conservador e liberal do que o próprio Netanyahu, o que é um desastre para o primeiro-ministro. Uma vez que a corrente dos EUA for solta, Israel pode entrar em um caminho de autodestruição", alertou.
A relação entre Israel e os Estados Unidos foi positiva durante os anos da gestão Obama, e a negligência do ex-presidente em relação à situação dos palestinos é destacada pelos entrevistados. No entanto, Obama foi criticado publicamente por Netanyahu nos últimos meses de seu mandato. A repreensão mais dura aconteceu após a aprovação da resolução 2334 do Conselho de Segurança da ONU, que proibiu a construção de novos assentamentos judeus nos territórios palestinos ocupados.
Outra ideia de Obama que foi posta em prática nas horas finais de seu mandato foi a doação de 221 milhões de dólares à Autoridade Nacional Palestina. Segundo o jornal britânico The Independent, o montante seria usado para ajuda humanitária em Gaza e em outros projetos voltados à Palestina. Porém, nesta quinta-feira (26), Donald Trump revogou o decreto de Obama e cortou a verba destinada ao povo palestino.
Em relação às atitudes que Obama tomou no fim do seu mandato, Ibrahim destaca o atraso do ex-presidente estadunidense. "Ele teve oito anos para fazer isso. Por que ele esperou tanto quando tinha esse poder? Isso não está sendo feito como um apoio aos palestinos, mas por uma questão interna americana. Acho que ele fez essas ações com o objetivo de colocar obstáculos na frente de Trump", opinou.
Confira a entrevista com Nassar Ibrahim na íntegra:
Brasil de Fato e Revista Fórum: O que a posse de Donald Trump pode significar para a resistência palestina?
Nassar Ibrahim: Nós sabemos que durante a campanha os presidentes ficam propagando muitos slogans, fazendo promessas, e depois da eleição as coisas ficam diferentes. Nesse caso, eu gostaria de ver diferenças entre as promessas e a realidade. Essa não é só a minha opinião, mas a opinião da maioria das pessoas que estão pensando as coisas de um jeito calmo, não estão se apressando e cedendo à pressão da mídia para a qual ele é apenas "louco".
Nós estamos numa situação que precisa ser acompanhada. Mas se você me perguntar, enquanto palestino, o que eu vejo é que os presidentes dos Estados Unidos, antes ou depois das eleições, historicamente defendem o Estado de Israel. É uma relação muito estratégica, que não depende da atitude ou da forma como o presidente pensa individualmente, porque o sistema nos EUA vai reger a performance de qualquer governante. Baseado nisso, historicamente o povo palestino vê a América como o poder que apoia Israel e a ocupação, militar e economicamente, contra os nossos direitos. Isso nunca mudou, em sete décadas de conflito, independentemente de quem esteja no poder, um republicano ou democrata.
Mesmo se Trump apoiar mais Israel, não significa que Obama fez um bom governo nesse sentido. Os EUA nunca estiveram neutros nesse conflito, apoiar Israel sempre fez parte de sua estratégia no Oriente Médio em geral, não só com a Palestina, mas com a Arábia Saudita, com o Catar, com o Kuwait.
O que a transferência da embaixada dos EUA para Jerusalém simbolizaria?
Eu li que ele vai adiar a transferência, mas independentemente disso, a ideia já é ruim. É algo muito significativo do ponto de vista simbólico, mostra como ele está apoiando Israel e como contradiz a lei internacional, já que Jerusalém é parte dos territórios que estão ocupados. De fato, na realidade e no dia a dia, Israel já isola e anexa Jerusalém e já controla assentamentos dentro dela, demolindo casas de palestinos jerusalemitas e tornando sua sobrevivência muito difícil. Se a embaixada for transferida tudo ficará mais difícil mas, na prática, Israel já considera a cidade como sua posse.
Para a mídia internacional, Obama está deixando a Casa Branca como uma espécie de herói, apesar de sabermos suas ações no Oriente Médio. Por que você acredita que ele se absteve de vetar a resolução que proíbe assentamentos, e decidiu doar milhões para a Autoridade Palestina?
Eu não acho que ele esteja deixando a Casa Branca como um herói, ele está deixando com grandes falhas. Falhas na Síria, na relação com a Rússia, falhas na economia. Ele falhou. Mas, retornando a questão de ele ter decidido no último momento não vetar a resolução dos assentamentos: ele teve oito anos para fazer isso. Por que ele espera tanto quando tem esse poder? Isso não está sendo feito como um apoio aos palestinos, mas por uma questão interna americana. Acho que ele fez essas ações com o objetivo de colocar obstáculos na frente de Trump. O ponto é que Barack Obama teve oito anos para fazer algo em relação à Palestina. Israel fez o que fez durante seu mandato, atacou Gaza três vezes, continuou construindo o muro, matou milhares de palestinos, deixou a economia muito ruim para nós, e Obama não fez nada para garantir que Israel minimamente respeitasse pelo menos os Acordos de Oslo.
O que você pensa da ameaça do Hamas caso a embaixada seja transferida e sobre o acordo realizado entre o grupo e o Fatah na semana passada?
Eu não respeito esses grupos. Nós estamos sob ocupação há 70 anos, que tipo de linhas vermelhas ainda precisam ser cruzadas? Tudo já foi cruzado. Construir o muro, destruir Gaza em três diferentes ataques, não foi cruzar uma linha? Enquanto estivermos em ocupação eles vão estar cruzando todas as linhas. Se transferirem a embaixada para Jerusalém, o que poderemos fazer? Se podemos fazer algo que façamos agora enquanto já estamos em ocupação. Estamos em guerra.
Enquanto ameaçam, Israel continua a colonização. Eu consigo entender isso de um ponto de vista político, mas na prática não acho que isso signifique nada. Quanto ao acordo, isso não é novo, vem acontecendo desde 2007, já se passaram 10 anos, e nós fomos testemunhas de muitos encontros entre Hamas e Fatah com o objetivo da reconciliação da Palestina. Isso levanta a pergunta se o último acordo em Moscou vai realmente reunificar a Palestina. Nós esperamos isso, mas essa política de negociação eterna não funciona. No último acordo entre os grupos os palestinos já começaram a encarar como uma piada. Precisamos de uma estratégia pensando na resistência econômica, em nível social e político, na relação com os outros países árabes e com a comunidade internacional. Não acredito que esses tipos de encontros entre as duas organizações resolverá o problema.
Edição: Vivian Fernandes e Ivan Longo