Belém viveu, no último fim de semana, a chacina mais violenta desde 1994, novamente motivada pela morte de policiais. A avaliação é do deputado estadual Carlos Bordalo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepa (Assembleia Legislativa do Pará). O parlamentar se refere aos 30 assassinatos ocorridos entre sexta-feira e sábado (20 e 21), sendo 25 deles com características de execução, segundo a Secretaria Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup). Os casos ocorreram logo após a morte do policial militar Rafael da Silva, 29, atingido na cabeça em um tiroteio no bairro da Cabanagem durante perseguição a suspeitos de assalto, às 6h da manhã da mesma sexta-feira.
"A chacina é a mais contundente, abrangente e violenta de todas as respostas já acontecidas desde 1994. Há 22 anos, Belém convive com essas chamadas ‘respostas'", relembrou Bordalo, referindo-se a assassinatos em massa ocorridos em 2014, 2011 e 1994, logo após o assassinato de PMs.
Silva, que era soldado da Ronda Tática Metropolitana (Rotam), chegou a ser levado para o Hospital Metropolitano, em Ananindeua (PA), mas não resistiu aos ferimentos. Segundo dados da inteligência da Polícia Civil, a maior concentração dos assassinatos ocorreu no dia 20 entre às 12h30 e 15h30, ou seja, após a morte do policial da Rotam.
Além das mortes confirmadas pela Segup, outras 25 pessoas foram feridas à bala no mesmo intervalo de tempo e também deram entrada no Hospital Metropolitano de Ananindeua.
O deputado, que foi relator na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da atuação de grupos de extermínio e milícias no Pará, afirma que essas "respostas" se baseiam em "uma mentalidade corporativa (...) deturpada, que justifica ações coletivas para reforçar a mensagem de controle".
A Segup criou um grupo específico para acompanhar as investigações sobre as mortes, composto por membros da Polícia Civil, da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA) e do Ministério Público do Estado (MPE).
A advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca/Emaús), Celina Hamoy, afirmou que as organizações de defesa dos direitos humanos estão preparando um documento para requisitar uma audiência com o governador Simão Jatene sobre esses assassinatos em massa, que ocorrem há mais de 20 anos.
"A gente também está requerendo uma audiência com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para expor essas situações. Também vamos requerer a federalização dos casos, porque, mesmo diante de tantas chacinas, não é feita uma investigação adequada. Precisa haver algo mais ou um poder de investigação diferente do poder do Estado", enumerou a advogada.
Impunidade
Em 1994, três jovens foram mortos no bairro Tapanã, em retaliação à morte do cabo Waldemir Nunes, da PM. Segundo o relatório da CPI das Milícias, quarenta policiais de diversos batalhões, inclusive do Comando de Operações Especiais (COE) e do Batalhão de Choque, iniciaram uma caçada aos suspeitos. De acordo com o deputado, dois jovens foram mortos na frente da comunidade e o terceiro, no quintal de uma casa.
Em 2011, seis jovens foram executados na frente de um prédio público pelo ex-policial militar Rosivan Moraes de Almeida, no distrito de Icoaraci. A chacina, segundo o documento da CPI, foi uma resposta ao assalto que ocorreu com a mulher de Almeida.
Investigações apontaram que o mesmo PM era o operador de um grupo de extermínio chamado "Liga da Justiça", formado por ex-PMs. Almeida também foi um dos policiais citados na operação Navalha na Carne, da Polícia Federal, que ocorreu em 2008 e investigava policiais civis e militares envolvidos em crimes.
Em novembro de 2014, após a morte do cabo Antônio Marcos da Silva Figueiredo (Cabo Pety), da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana da Polícia Militar (Rotam), 11 jovens foram assassinados em diferentes bairros da periferia de Belém. Apenas oito mortes tiveram suas investigações concluídas e foram encaminhadas para o Ministério Público Estadual, que irá encaminhar os casos à Justiça. Dois deles irão para júri popular ainda este ano e três foram arquivados por "falta de materialidade técnica".
Este caso levou parlamentares e organizações não governamentais a criarem a CPI das Milícias, da qual resultaram várias recomendações. Contudo, segundo Bordalo, a maioria das sugestões apresentadas não foi cumprida por falta de vontade política. "Porque o sistema de segurança do Pará, teimosamente, ainda não reconhece a existência de milícias e grupos de extermínio. Então, algumas das nossas recomendações acabam sendo levadas com maior importância, outras não”, lamenta o deputado.
Em nota, a Segup informou que o governo do Pará solicitou o apoio da Força Nacional para tratar do caso, mas aguarda o contato da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) para estabelecer os termos da cooperação entre o Ministério da Justiça e o Governo do Estado. A Secretaria afirma que a "Força Nacional, com o serviço de investigação e inteligência, deve auxiliar os trabalhos investigativos para a elucidação das mortes".
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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