Nesses quase 40 anos de sertão é a primeira vez que ficou um ano sem cair chuva no telhado de casa. A última chuva foi em janeiro de 2016. No entorno da cidade, Juazeiro da Bahia, já choveu.
O problema básico não é que fica sem chover, mas chover muito menos. Os cientistas estão perplexos, porque a cada ano se fala que teremos chuvas normais, até acima da média, mas elas não vêm. Atribui-se sempre a razão ao fenômeno El Niño, que aquece as águas do Pacífico, elas caem abundantes no sul e sudeste do Brasil, mas não chegam ao coração do Semiárido.
Nós, que acompanhamos as mudanças climáticas, suspeitamos que elas já chegaram, para ficar, e a prevista diminuição das chuvas de 20 a 40% no Semiárido já está acontecendo.
Numa situação climática como essa, 20 anos atrás, o Nordeste já seria uma tragédia social e humanitária de proporções gigantescas, com centenas de milhares de mortos, sem falar nos migrantes e tantas outras mazelas sociais e humanitárias.
Entretanto, numa reportagem feita pela Globo no Jornal Hoje, a única tragédia social que acharam foi a mortandade de 20% do rebanho bovino do Pernambuco. A matéria teve que mostrar, de forma constrangida, o gado gordo de um criador, só que sustentado à base de ração comprada. Mas, ele pode comprar a ração. Além do mais, criar gado de raça nesse sertão é considerada uma atividade de risco devido ao clima.
O que mudou essa realidade foi o intenso trabalho da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), com seu paradigma de convivência com o Semiárido, captando a água de chuva de forma distribuída, com uma agroecologia adaptada ao ambiente, com a criação de pequenos animais mais resistentes ao clima, com a agroindústria de produtos naturais e com as políticas sociais dos últimos governos. O governo atual voltou à lógica do combate à seca.
É uma vergonha para Pernambuco sofrer com a seca. O estado é banhado em quase 400 km pelo rio São Francisco. Onde foram feitas as adutoras transversais que abastecem Pernambuco, não há problema para humanos e animais. Falo da adutora que sai de Cabrobó e vai cortado o Estado até acima de Ouricuri. A outra que sai de Floresta e vai na direção de Serra Talhada e Flores. Essa deveria ter chegado a Paraíba faz tempos. Porém, a insistência na grande obra da transposição bloqueou as adutoras simples. Por isso, a que deveria abastecer o agreste pernambucano está até hoje esperando pelo Eixo Leste da transposição. Uma perda para o povo e para os animais.
Quanto à transposição, agora já se fala na sua gestão privada. Sabíamos dessa intenção desde o começo. Resgatei um texto que fiz nem sei mais que ano, mas que estava arquivado digitalmente no site de João Suassuna. Cito um trecho só para lembrar o que tanto denunciamos:
A única novidade é que esse mercado de águas terá gestão privada, portanto, não caberá mais à CHESF essa tarefa.
*Roberto Malvezzi é músico, filósofo, teólogo e membro da Comissão Pastoral da Terra do São Francisco
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