Movimentos populares que compõem a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo estão convocando uma manifestação para o próximo domingo (5), em Copacabana, para protestar contra a reforma da Previdência proposta pelo governo do presidente não eleito Michel Temer (PMDB) e as medidas de ajuste fiscal do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB). A concentração será em frente ao Copacabana Palace, a partir das 10h.
A reforma preocupa militantes e toda a população que será diretamente afetada com as medidas do governo Temer. “As pessoas não têm ideia da crueldade da reforma da Previdência. Se for aprovada, haverá uma espécie de assassinato em massa autorizado. O governo Temer está querendo fazer controle populacional com corte de classe”, adverte a professora de Economia da UFRJ, Denise Gentil, uma das maiores autoridades em estudos sobre a Previdência Social.
O alerta da professora é resultado de um amplo estudo realizado em conjunto com equipes de pesquisadores do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) e de diferentes universidades.
Denise Gentil garante que, na prática, “a reforma da Previdência significa o fim da aposentadoria”. Ela explica ainda que os principais afetados serão os homens com menos de 50 anos e as mulheres com menos de 45 anos. “Todas as classes sociais serão atingidas, mas é claro que os pobres vão sentir mais. Sobretudo as mulheres, os trabalhadores rurais e aposentadorias especiais (entre elas estão quem trabalha em áreas de risco, e também os policiais militares). Esses serão os mais prejudicados”, afirma.
Sem proteção, trabalhadores rurais e informais, mulheres, idosos pobres e servidores públicos serão os mais impactados pelas ameaças ao direito à seguridade social, assegurado pela Constituição de 1988.
Na opinião da pesquisadora a atual reforma da Previdência também é “absolutamente machista”. “O governo quer igualar a idade mínima de homens e mulheres para a aposentadoria, ignorando que as mulheres recebem apenas 65% do salário dos homens, exercendo as mesmas funções e com o mesmo grau de escolaridade. As mulheres trabalham mais horas que os homens (na cidade são 5h semanais a mais) e no campo chegam a trabalhar 18h a mais na semana”, ressalta Denise Gentil.
Além disso, a expectativa de vida de homens e mulheres camponeses é baixa, em algumas cidades do Maranhão, por exemplo, não passa de 65 anos. “Essas pessoas não vão conseguir se aposentar”, afirma a professora.
Verdades e mentiras sobre a Previdência
NÚMEROS MANIPULADOS - Nós últimos meses, aumentou o número de pesquisadores e especialistas em Previdência que denunciam a maquiagem do governo para justificar um suposto rombo no setor. Esse é caso de nomes renomados como o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani; Professor do Instituto de Economia da UFRJ, João Sicsú; a pesquisadora Rosa Maria Marques, da PUC-SP; pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre eles Guilherme Delgado, Paulo Kliass, André Calixtre, Rodrigo Octávio Orair, Ana Cleusa Mesquista, Andrea Barreto de Paiva e tantos outros nomes.
FONTES DE FINANCIAMENTO - O ex-ministro Carlos Gabas, que chefiou o Ministério da Previdência duas vezes no governo Lula e uma vez no governo Dilma, também questiona o discurso de déficit. “Temos que separar as contas para entender a questão, precisamos separar a Previdência urbana da rural. Durante anos a Previdência urbana se manteve estável, com crescimento anual de 3% dos aposentados e arrecadação acima dos gastos, que também crescia de forma estável. Já a Previdência rural não tem folha de pagamento, portanto não tem fonte de financiamento, por isso foram criados dois impostos: o Cofins e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Liquido), mas que nunca foram incorporados ao orçamento da Seguridade Social”, ressalta Gabas.
O modelo de financiamento brasileiro conhecido como tripartite, teria que receber recursos das empresas, empregados e do governo federal. No entanto, empregadores e trabalhadores (urbanos) financiam cerca de 88% dos recursos da Previdência. A parcela estatal atualmente é de 12% do orçamento, um montante muito inferior à terça parte (33%) que caberia numa conta tripartite, segundo estudos do professor de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani. Nos países da Europa, os gastos com a Seguridade representam, em média, 27,3% do PIB. No Brasil, de acordo com Denise Gentil, o investimento do Estado não passa de 2% do PIB.
GOVERNO CAUSA O ROMBO - Nos últimos anos o governo federal desonerou empresários e deixou de arrecadar R$280 bilhões, dos quais R$158 bilhões estavam relacionados à folha de pagamento e à arrecadação para a Previdência, o que pode explicar o rombo de R$150 bilhões mencionados pelo governo atual.
Contudo, há outro recurso do Estado que tira dinheiro de áreas sociais para investir em outras. Trata-se da Desvinculação de Receitas da União (DRU), onde o governo federal pode retirar até 20% dos recursos da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), para destinar ao pagamento de juros aos bancos. Na prática o Estado exerce o papel de Robin Hood às avessas: tira dos pobres para dar aos ricos.
Outro problema apontado pela professora Denise Gentil é a atual política macroeconômica. “É o próprio governo que provoca a crise na Previdência quando ele desobriga o empresário a investir. Por que alguém vai comprar máquinas e contratar empregados, se arriscando em um negócio, se ele pode ganhar muito mais com a taxa de juros do governo?”, questiona.
MITO SOBRE O ENVELHECIMENTO - Um dos argumentos dos defensores da reforma é que em todos os países onde a expectativa de vida aumentou os governos tiveram que repensar a Previdência. “Na Europa a população envelheceu na década de 80 e a mudança só foi feita recentemente e de forma gradual. O primeiro mito é que o Brasil vai fazer uma reforma nos moldes da Europa. Na verdade, ela é pior e mais rigorosa que a europeia. Além disso, nossos indicadores sociais não são os mesmos de países como Alemanha, França, Dinamarca, Suécia e outros desenvolvidos. A gente tem um alto índice de desigualdade e precisamos incluir, não tirar, pessoas do sistema de proteção social”, aponta Denise Gentil.
Na França, a idade mínima para a aposentadoria é de 62 anos, portanto inferior à proposta do governo Temer que é de 65 anos. Mesmo os franceses tendo expectativa de vida (de 82 anos) mais alta que a brasileira (73 anos). “Os idosos nunca foram o problema da economia europeia, que envelheceu há muitos anos. Quem quebrou a Europa e provocou uma crise não foram os idosos, mas os bancos”, complementa.
MELHOR SISTEMA LATINO - Para o ex-ministro Carlos Gabas, o sistema de Previdência do Brasil é um dos melhores entre os países em desenvolvimento e com população numerosa. “Nosso sistema previdenciário serve de inspiração para muitos países da América Latina. Colômbia, Chile e México usaram o sistema brasileiro como fonte de estudo e inspiração. Não tem no mundo um país com a população do tamanho da brasileira com esse grau de proteção social que nós temos”, afirma.
A professora Denise Gentil e o ex-ministro Carlos Gabas participaram essa semana de um debate promovido pela Frente Brasil Popular, no Rio de Janeiro, para discutir o que está por trás da reforma da Previdência e que setores da sociedade serão impactados diretamente.
Edição: Vivian Virissimo
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