Em um cenário de caos prisional, especialistas, atores públicos e defensores de Direitos Humanos sugeriram várias soluções para os cárceres do Brasil. Surgiram desde propostas progressistas, como a Frente pelo Desencarceramento organizada pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e por organizações da sociedade civil do Rio de Janeiro, até ações que recrudesceriam os direitos das pessoas presas, como a proposta de cumprimento de ao menos metade da pena a pessoas que cometeram crimes com violência ou grave ameaça, bem como a ação de Forças Armadas nas prisões. Do mesmo modo, em uma entrevista, o Ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, mencionou a necessidade de as visitas íntimas serem filmadas, especialmente no caso de homens presos em estabelecimentos federais.
Há uma ambiguidade normativa em torno das visitas íntimas. A Lei de Execução Penal estipula como direito do preso o recebimento de visitas familiares, mas não dispõe especificamente sobre a visita íntima ou a visita comum, desenvolvida no pátio prisional. Já o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária indica em suas normativas que a visita íntima é direito de todas as pessoas presas. Por outro lado, na prática, os estados regulam as visitas íntimas como um benefício, sendo destinado apenas às pessoas com “bom comportamento”.
Na rotina prisional, pode ser árduo ser um “bom preso”. Apesar de se debruçarem em alguma medida sobre o tema, as normativas existentes abrem margem à discricionariedade da administração prisional para qualificar o comportamento do preso. Só que essa discussão ultrapassa meros parâmetros legais. São desenvolvidos processos nas prisões, os quais ensejam que, simultaneamente, o preso conjugue comportamentos que o faça ser bem visto tanto pelos demais privados de liberdade, em muitos casos pelas facções criminosas, quanto pela administração prisional. Para ser “bom preso” deve-se agir, pois, conforme as regras formais da prisão e segundo as normas desenvolvidas pelos próprios reclusos.
Instaura-se, assim, um amplo espaço de barganha. Os presos rogam determinados benefícios, como os encontros íntimos, ao passo que a administração requer que eles desempenhem certos tipos de condutas, sendo “bem comportados”. Nessa linha, o sexo, que em muitos momentos é privado “no mundo livre”, se torna público e negociado na prisão. Tanto os presos quanto a administração não só sabem quando determinada pessoa irá manter relações sexuais, como barganham os momentos em que isso ocorrerá. O objetivo central é garantir certa normalidade na cadeia, liberando o sexo com o intuito de reprimir o preso. Em outras palavras, o sexo na prisão é recomendado para reduzir a tensão entre os reclusos, bem como entre os presos e os agentes.
Há outras formas de manter relações sexuais fora das visitas íntimas. No Rio de Janeiro, há o dito “ratão”, em que os casais usam espaços improvisados para fazer sexo durante as visitas ocorridas nos pátios das prisões. Em geral, muitos agentes penitenciários a princípio acatam o “ratão”. Por sua vez, os presos sabem que os agentes conhecem o “ratão”, mas elaboram inúmeras formas de burlar a gerência institucional. Assim, os agentes penitenciários controlariam algo que em boa medida reflete a falta de domínio do Estado sobre os presos. Adicionalmente, o “ratão” poderia ser interpretado como mais um mecanismo de barganha entre a administração e o privado de liberdade. Se efetivamente tivessem interesse, os agentes penitenciários aboliriam a prática.
Em suma, seja através das visitas íntimas formais, seja através dos encontros sexuais improvisados, o sexo no cárcere é sempre um instrumento de negociação entre o preso e a administração prisional. Senão diretamente controlada, a prática sexual é, em boa medida, mediada pelos órgãos do Estado. A filmagem dos encontros íntimos na prisão, para além de altamente cerceadora das liberdades individuais, seria apenas uma forma de fechar os olhos para o real problema prisional: perda de segurança jurídica das pessoas presas – que andam na linha tênue entre as aspirações da administração prisional e as demandas das facções -, bem como a ambiguidade das leis brasileiras, pouco transparentes no que tange aos direitos dos presos.
A saída mais concreta ao caos instaurado seria a adoção de ações não centradas nas prisões per si. Ou seja, a via perpassaria pelo desencarceramento, sendo imprescindível uma reformulação profunda de todo o sistema de justiça criminal brasileiro. Assim, torna-se essencial tangenciar questões relacionadas desde a Lei de Drogas até a cultura do Judiciário e do Ministério Público, voltada ao superencarceramento. Se não, qualquer ação seria meramente pontual, paliativa e até violadora, tal qual filmar as visitas íntimas.
*Thais Lemos Duarte – Socióloga e perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Este artigo reflete opiniões pessoais e não as do órgão a que a autora está filiada.
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