Comunicação

Artigo: A grande mídia e a cobertura sobre os massacres no sistema carcerário

A cobertura feita pela mídia tem reforçado a solução governamental de que deve existir mais espaço para mais presídios

Brasil de Fato | Recife (PE) |
" Assim, começamos 2017 com um grito segmentado de que “bandido bom é bandido morto”, mas reforçado pelos grandes meios de comunicação como
" Assim, começamos 2017 com um grito segmentado de que “bandido bom é bandido morto”, mas reforçado pelos grandes meios de comunicação como - Agência Brasil

2017 já se anunciava um ano que não seria fácil para quem luta em prol dos Direitos Humanos no Brasil. Era como se tivéssemos saído de 2016, mas sabendo que ele não tinha acabado. E assim começou o 01 de janeiro do novo ano, com as notícias sobre uma rebelião que gerou um grande massacre, resultando no assassinato de 56 pessoas no Complexo Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), na região Norte do Brasil. O segundo maior massacre da história do sistema carcerário brasileiro, depois do Carandiru, em São Paulo, em 1996. Um presídio para pouco mais de 400 pessoas, mas que abrigava mais que o triplo de sua capacidade. Um presídio com gestão privada, sob responsabilidade da empresa Umanizzare. Disputas entre facções pelo poder dentro dos presídios foram apresentadas como causa da rebelião. Estourava então uma crise já há muito anunciada, no entanto não revelada, a do sistema carcerário brasileiro, assim como um todo sistema de segurança pública do país. Não terminamos o mês de janeiro e muitos outros massacres aconteceram como na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), onde 33 pessoas também foram assassinadas, e na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta (RN), onde o número de pessoas assassinadas chegou a 26. E outras rebeliões e assassinatos em prisões de quase todas as regiões do país. 

Desde então estamos sendo bombardeados diariamente com a cobertura dos massacres nos meios de comunicação de massa. Uma cobertura digna de programas e páginas policiais, só que dessa vez em nível nacional. A grande mídia violou por diversas vezes os Direitos Humanos, quando fez questão de reproduzir os vídeos postados pelos presos nas redes sociais, imagens e descrição dos corpos esquartejados e degolados passaram a fazer parte diária das notícias que recebemos a qualquer hora do dia, sem considerar que dependendo do horário, crianças e adolescentes assistirão aos programas. Também quando familiares, em geral mulheres, foram expostas na busca por mais detalhes dos massacres. A cobertura seguiu sem aprofundamento quando não conseguiu aprofundar e questionar a complexidade que levou dezenas de pessoas a serem mortas com o aval do Estado. 

Repórteres entraram nas prisões, ainda em rebelião, para mostrar as últimas “novidades”. E as disputas de organizações rivais nos presídios continuam sendo colocadas como responsáveis pelos casos. Michel Temer nomeou os massacres de “acidente pavoroso” e trouxe a “solução” de construção de novos presídios. Argumento que ganhou muito espaço nos meios de comunicação, como solução do “problema”.  Meios de radiodifusão são concessões públicas, devem estar a serviço da sociedade, do interesse público, logo poderiam nos ajudar a questionar e buscar outras respostas para essa questão. No entanto, ao que parece, é que a cobertura feita pela mídia, tem reforçado a solução governamental de que deve existir apenas mais espaço para mais pessoas serem encarceradas.     

Assim, começamos 2017 com um grito segmentado de que “bandido bom é bandido morto”, mas reforçado pelos grandes meios de comunicação como opinião massiva. O Brasil é o país que tem a quarta maior população carcerária, dado divulgado ainda em 2015 pelo Ministério da Justiça. No entanto, pela cobertura midiática, parece que a situação de encarceramento é apenas culpa dos próprios presos. 

 A população carcerária do Brasil tem cor, é majoritariamente negra. E essa é a população que mais morre vítima de violência no país. A disputa entre as organizações do tráfico é apenas mais uma das consequências da ausência do Estado na vida de parcela da população, em geral da população pobre. Mas e quando a cobertura vai passar a questionar a raiz desse problema?  Quando trataremos a violência como reflexo de várias ausências estruturais da sociedade? É necessário que a luta pela democratização da comunicação e pelo direito humano à comunicação seja fortalecida, levantando as questões que nos cercam no dia a dia. Cabe aos meios de comunicação a fazer essa reflexão para contribuir e não confundir com o debate público. Por enquanto, eles estão apenas ajudando a reforçar a lógica de que se tenham mais pessoas encarceradas, para gerar mais presídios, para serem administrados por mais empresas privadas.

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