MORADIA

Prefeitura de SP deve colocar nas ruas 250 famílias do Grajaú nesta quinta-feira

Moradores convocam resistência para a reintegração de posse, marcada para as 6h do dia 09 no Jardim Lucélia

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Moradores e representantes da associação pedem que todas as pessoas e movimentos que estão na luta por moradia se unam
Moradores e representantes da associação pedem que todas as pessoas e movimentos que estão na luta por moradia se unam - Periferia em Movimento

Para 250 famílias do Jardim Lucélia, no Extremo Sul da cidade, o ano começou com ordem de despejo. Está marcada para a próxima quinta-feira (09), às 6h da manhã, a reintegração de posse do terreno do antigo Clube Aristocrata, onde a Prefeitura de São Paulo pretende construir um parque linear.

Desde a chegada do aviso de reintegração, no dia 18 de janeiro, moradores buscam por todas as formas de resistência. Porém, as reuniões com a Prefeitura e Subprefeitura da Capela do Socorro (que assinou a ordem de reintegração de posse), não levaram a nenhum êxito. A tentativa de ação movida pela Associação de Moradores (junto ao Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos) contra a reintegração de posse na Defensoria Pública foi negado, e a advogada do movimento entrará com recurso.

Na tarde de hoje, assim que os moradores voltaram da última negociação com a Prefeitura, tiveram a notícia (por quem estava no bairro no momento) que a Polícia Militar havia violado um barracão logo na entrada da ocupação. O local era regularmente utilizado para fazer reuniões. Segundo relatos, a polícia arrombou a porta, entrou e saiu sem encontrar nada.

A única esperança das famílias além do recurso jurídico é a resistência física. Por isso, moradores e representantes da associação pedem que todas as pessoas e movimentos que estão na luta por moradia se unam na frente da ocupação na madrugada de quarta para quinta-feira. A saída que resta é resistir.

“Não foi oferecido nenhum tipo de moradia para as famílias. O espaço que eles querem para fazer um parque linear parece que vai continuar abandonado. Quanto mais puderem noticiar essa violação aos direitos humanos, das crianças e adolescentes, dos trabalhadores, das mulheres, agradecemos”, diz Eliude Araújo, um dos moradores e líderes locais.

O acesso à ocupação é pela Avenida Belmira Marin, na altura do 1440 (na rua que sobe à direita do mercado Ricoy, no Jardim Lucélia).

Conheça no vídeo a ocupação e o que seus moradores pensam sobre a ordem de despejo:

“Nem de volta para minha terra nem em abrigos individuais, nosso lugar é aqui”

Em entrevista, moradores classificam as únicas propostas que a Prefeitura ofereceu como incabíveis. A Secretaria de Habitação chegou a sugerir em troca do terreno passagens de volta para as cidades de origem dos moradores.

“Muitos vivem há 20 anos em São Paulo, porque teríamos que voltar para lá se fomos nós que construímos essa cidade?”, rebatem.  “Após a passeata do MTST no dia 31 de janeiro, o prefeito João Dória falou com uma comissão e assegurou que não desocupariam mais ninguém em São Paulo. Assinaram um papel, mas não há nada de oficial”, contou Cíntia de Castilho, presidente da Associação Comunitária União Novo Aristocrata. Mas a palavra não durou nem uma semana.

Na reunião de sexta-feira (03), a Prefeitura ofereceu estender o prazo em 60 dias para que deixassem pacificamente o terreno. Em assembleia, os moradores negaram a proposta. A última tentativa de negociação foi hoje pela manhã (06), quando a delegação de negociação foi atendida por representantes da Prefeitura e da Secretaria de Segurança Pública. Não houve mais nenhuma proposta da Prefeitura. Frente à repressão do governo, moradores têm como única escolha a resistência.

Uma reintegração às 6h da manhã de uma quinta-feira é estratégica para a prefeitura, diz Narci Naneia, diarista, 42 anos. “Eles vêm bem em dia de semana, na hora que estaremos indo trabalhar. Quem vai cuidar dos nossos filhos? Quem vai poder ficar aqui pra resistir correndo risco no emprego?”.

No terreno, vivem mais de 500 pessoas. Desde o início, a forma de ocupação foi definida em assembleias. O terreno foi ocupado com lotes de mesma dimensão, deixando espaços para a entrada de carros e ambulâncias para a segurança de todos. Seguiram também as ordens da prefeitura de não construir no tijolo, e os barracos de madeira de alvenaria foram tomando forma. Encanamentos levam o esgoto para fora das casas, tudo improvisado já que a prefeitura nunca aceitou a área como legal.

A história ocupação do antigo Clube Aristocrata pode ser visto na reportagem: Por moradia, famílias ocupam terreno no Grajaú. Em resumo, após o clube deixar de pagar impostos, o terreno passou para o comando da Prefeitura, que realizou obras com o intuito de tornar a área um parque linear, mas deixou o local abandonado depois disso.

Em julho de 2013, o terreno foi ocupado por pessoas da região do Grajaú. Entre os moradores, muitas crianças e idosos. Em uma região marcada pelo descaso do serviço público, moradores sugere que, ao invés de retirar os moradores do local, a Prefeitura deveria pensar em obras para melhorias na região. “No terreno caberia um postinho, uma escola, é tudo questão de planejamento”, diz Fabrício Silva dos Santos, 23.

Perguntados sobre as alternativas para a situação, os moradores só conseguem enxergar a resistência no terreno, já que os aluguéis na região possuem muitos impedimentos e a Prefeitura não oferece serviços eficazes para famílias.

“Quando chegou o aviso da reintegração de posse aqui ficamos desesperados, e ainda estamos desesperados pelas crianças, pelas casas, móveis, pelo dinheiro. Não é tão simples alugar uma casa na região, além do preço alto, pedem 2 a 3 meses de depósito, não aceitam casais com mais de dois filhos, vários requisitos que nós não temos aqui” conta Cíntia.

Gentrificação e especulação imobiliária – o problema da moradia nas grandes cidades

O militante do grupo Nós da Sul, Bruno Magalhães, relaciona o processo de ocupação com a gentrificação das cidades. Ou seja, a dinâmica da região vai se modificando e deixando as moradias mais caras. Já que os terrenos irão encarecer mais tarde, muitos investidores que nem são da região, compram terrenos e deixam lá até que os preços fiquem mais caros para vender. Isso significa usar terrenos para a especulação imobiliária (o mesmo local, muitas vezes nas mesmas condições, custará mais caro no ano que vem).

Esse processo aumenta o preço do aluguel. Entre pagar pela moradia ou conseguir comer, muitos vão viver nas ruas. Enquanto isso, terrenos servem de local de desovas para corpos ou são propícios a estupros.

“Existem muitas áreas abandonadas no Extremo Sul, e a população, com um aluguel cada vez mais caro e a necessidade da moradia batendo na porta, vê no terreno abandonado uma possibilidade. Assim acontece a ocupação espontânea”, comenta. “Soma-se a isso que a Prefeitura não tem política pública de habitação. O ‘Minha Casa Minha Vida’, o CDHU, são absolutamente insuficientes perante a demanda. A proposta de política pública para moradia é praticamente uma piada, todo mundo que tá na ocupação tem cadastro nas iniciativas de moradia mas sequer sabe seu número na fila ou quando terá a chance de ter uma casa”, completa.

“Mas ninguém tá querendo morar de graça”, afirma Fabrício Silva. A ideia não é morar de graça nos custos da prefeitura. Os moradores estão ali como uma forma provisória e esperam que a prefeitura encontre políticas de habitação para que a cidade garanta o direito à moradia a todos os cidadãos. “Tem prédios aqui do lado que estão prontos, mas a Prefeitura ainda não destinou as vagas”, comenta Fabrício.

Uma política de habitação para a periferia, explica Bruno, significa “privilegiar os moradores da periferia em detrimento do mercado imobiliário”. A principal pauta dos movimentos por moradia é que se construam unidades de moradia popular a preço acessível para que todos possam pagar. “A ideia é linhas de financiamento e formas de relação com aquele que precisa de moradia para que possa pagar sem que isso signifique tirar alimento das bocas dos seus filhos”. Porém, as negociações com prefeituras e subprefeituras acontecem em ciclos que sempre batem na mesma resposta: falta de recursos.

“O diálogo que sempre esbarra numa questão macro-econômica, que é da política pública nacional para moradia, algo que inexiste. Nesses últimos anos do governo do PT houve algum lampejo do ‘Minha Casa Minha Vida’, mas extremamente insuficiente perante a demanda, e hoje inclusive com as relações que teve com Odebrecht e outras construtoras, a gente vê realmente qual que era o verdadeiro motivo desse programa, mas o fato é que não existe”, continua Bruno.

O diálogo com a Subprefeitura na antiga gestão sempre aconteceu e esbarrou na falta de verba. E uma das soluções apontadas pelos movimentos seria instaurar um IPTU progressivo. “Pra a gente o problema de fundo é que até hoje a grande maioria das Prefeituras de São Paulo tiveram uma ligação muito maior com o mercado imobiliário do que com o Movimento Popular de Moradia. Como quem paga a banda escolhe a música, é isso que acontece um pouco, SECOVI, as grandes empresas imobiliárias, são grandes financiadores de campanhas tanto de vereadores quanto de prefeitos em São Paulo,e isso tá diretamente ligado a essa situação”, afirma Bruno.

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