Na noite da terça-feira (7), cerca de 300 pessoas se reuniram no Palácio de São José dos Manguinhos, residência oficial do Arcebispo de Olinda e Recife, no bairro das Graças. O jardim em que Dom Hélder costumava se reunir, décadas trás, com tantos movimentos sociais, esteve tomado por católicos e não-católicos durante a Vigília de Leigos Cristãos que comemorou o nascimento de Dom Hélder. Durante a noite, lideranças religiosas também usaram o espaço para criticar o projeto de Reforma da Previdência proposta pelo governo não-eleito de Michel Temer.
O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, que foi ordenado padre por Dom Hélder, o considera “um homem à frente do seu tempo, um verdadeiro profeta”. E relacionando com o momento pelo qual o Brasil passa, Dom Saburido acredita que, caso estivesse vivo, Dom Hélder “estaria sofrendo com esse momento pelo qual o País passa”.
O monge beneditino Marcelo Barros resgata que Dom Hélder foi arcebispo de Olinda e Recife justamente durante os 21 anos da ditadura militar e, na opinião dele, vivemos um contexto similar ao implementado em 1964. “Nos tempos atuais eles não precisarem mais de militares nas ruas para dar um golpe institucional, mas hoje vivemos uma espécie de ditadura, uma ditadura no sentido mais profundo, de desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas. Vemos o absoluto desprezo aos instrumentos democráticos e principalmente a tudo aquilo que representa uma ordem social de proteção dos mais frágeis e empobrecidos”, opina.
Diante deste cenário de desmonte dos direitos que protegem os mais pobres, as duas lideranças católicas se mostram motivadas em colocar a Igreja ao lado dos que mais precisam, se inspirando nas figuras do Papa Francisco e de Dom Hélder Câmara. “Nesse contexto precisamos resgatar a memória de Dom Hélder”, diz Marcelo Barros. Ele elenca três motivos para reivindicar o arcebispo hoje. “Primeiro porque Dom Hélder não se conformava com a injustiça, nunca dizia ‘não tem outro jeito’. Dom Hélder sempre reagiu. Segundo porque o instrumento primordial da reação é a unidade, a aglutinação das forças sociais, das minorias abraãnicas, os grupos impotentes, de base, mas que unidos são muito fortes. E terceiro porque essa luta deve ser feita com amor, carinho, esperança, alegria, não só o desgaste da luta, mas a vivência hoje do que queremos construir”, opina o monge beneditino.
Marcelo Barros relaciona ainda as posturas de Dom Hélder com a do Papa Francisco. “A figura profética do Papa Francisco está, na medida do possível, puxando a Igreja Católica para uma atitude de protesto contra o capitalismo e para mostrar que a raiz de todos os males que vivemos no mundo é essa estrutura econômica e social que mata, que destrói, que assassina, que é imoral. E isso era a mensagem de Dom Helder”, avalia. Ao elogiar o Papa, o monge destaca que a admiração por Francisco deve se converter em ação. “É importante que essa figura do Papa não fique uma figura especial, que todo mundo admira, mas que é isolada. Nos inspirando nele devemos conseguir gritar que nós fazemos parte dessa profecia do Papa Francisco”.
Dom Fernando Saburido concorda. “Estamos vivendo um cenário de injustiças no Brasil e também a nível internacional, com guerras, discriminações e o desencanto com a Igreja. Mas graças a Deus temos um Papa com grande lucidez. O Papa Francisco foi enviado pelo Espírito Santo para esse tempo atual. Ele tem sempre uma palavra para mostrar caminhos e não deixar que as pessoas desanimem”, diz Saburido. “A vigília desta noite teve também esse papel: de animar as pessoas para que não desanimem, para que lutem pelos seus direitos”.
Reforma da Previdência
Ao conclamar os cristãos a lutar pelos seus direitos, Dom Saburido se referia ao Projeto de Emenda à Constituição nº 287 (PEC 287), popularmente conhecida como “Reforma da Previdência”, de autoria do governo não-eleito de Michel Temer e assinado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O projeto foi alvo constante das críticas das lideranças católicas presentes na vigília. “A Reforma da Previdência Social vai discriminar e prejudicar sobretudo as pessoas mais carentes. Penso nos nordestinos e no homem do campo – não vão conseguir se aposentar”, avalia Saburido. “Existe muita injustiça nesse projeto. Essa coisa de nivelar a idade aos 65 anos é ridícula”, opinou.
E para não permitir que a PEC 287 seja aprovada, o arcebispo de Olinda e Recife conclamou os cristãos ao enfrentamento e a exercitarem a unidade. “A quantidade de movimentos sociais e entidades aqui presentes é muito significativa, porque simboliza o que Jesus fez ao unir os 12 apóstolos, escolhidos entre os mais pobres. Ciente das limitações dos homens, Jesus viu a força na unidade deles”, disse Dom Fernando. Para Marcelo Barros, a unidade vai além da classe e da nação. “A atual conjuntura nos leva a fortalecer os fóruns nacionais e internacionais e os demais espaços de unidade dos trabalhadores, seja na sua classe, em seu sindicato, mas também com outras classes e a solidariedade internacional com trabalhadores de outros países”, afirmou o monge.
CANONIZAÇÃO – O processo de beatificação e canonização de Dom Hélder Câmara foi aberto pelo arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, em maio de 2015 e, segundo Saburido, “já está bem encaminhado”. Após longo processo de estudo, a Igreja Católica pode reconhece-lo como beato, permitindo veneração pública a sua imagem e locais específicos, diferente dos santos, cuja veneração é irrestrita.
BIOGRAFIA – Dom Hélder Câmara nasceu no dia 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, onde estudou teologia e filosofia. Aos 22 anos fundou a Legião Cearense do Trabalho e, anos depois, a Sindicalização Operária Feminina Católica. Em 1950 foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). No Rio de Janeiro, fundou a Cruzada São Sebastião e o Banco da Providência, respectivamente com as finalidades de construir moradias dignas e atender a população em situação de miséria
Em março de 1964, três semanas antes do golpe civil-militar, Dom Hélder foi nomeado Arcebispo de Olinda e Recife, posto que exerceu até 1985, justamente os 21 anos de duração da ditadura. Notabilizou-se pela resistência ao regime autoritário, liderando campanha em defesa dos Direitos Humanos. Foi perseguido pelo regime militar, que ao decretar o Ato Institucional nº 5 (AI-5), impediu que qualquer meio de comunicação abrisse espaço ou sequer citasse Dom Hélder, apelidado de “Arcebispo Vermelho” por supostamente ser comunista. Recebeu prêmios nacionais e internacionais, além de títulos de doutor honoris-causa. Foi indicado ao Nobel da Paz por quatro vezes.
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