O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), pretende entregar ao setor privado a gestão do Bilhete Único em São Paulo. Ele argumenta que a medida pode gerar uma economia de mais de R$ 400 milhões para as contas públicas, mas ainda não detalhou qual será o modelo de gestão. Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, entretanto, contestam a justificativa por ele apresentada.
O Bilhete Único é responsável por cerca de 94% das viagens em transporte público na cidade, e sua gestão está atualmente sob responsabilidade da SPTrans, empresa pública municipal. Atualmente, mais de cinco milhões de passageiros utilizam o sistema.
Com a privatização, uma operadora repassaria às empresas de ônibus os valores arrecadados com a venda de créditos. A taxa de retorno estaria garantida pelo intervalo neste processo: a futura responsável pelo sistema teria até cinco dias para realizar esta transferência, podendo neste prazo realizar operações financeiras. Além disso, a empresa ganhadora da licitação poderá dar outras funções ao Bilhete Único, como vale-refeição, cartão de crédito e débito.
Doria também anunciou a pretensão de aumentar o valor das passagens para usuários que utilizem dinheiro em espécie, sob a justificativa de incentivar a migração para a utilização de cartões e, no futuro, suprimir a presença de cobradores.
Além do Bilhete Único, o atual prefeito de São Paulo já manifestou a intenção de privatizar outros espaços municipais, entre eles, o estádio do Pacaembu, o autódromo de Interlagos e o Anhembi.
Críticas
Para Hélio Wicher Neto, pesquisador do Instituto Pólis e mestre em Planejamento e Gestão Territorial, é difícil avaliar a pertinência dos argumentos de Doria. “Essa questão é uma caixa-preta", diz. Na mesma linha, Lucio Gregori, engenheiro e ex-secretário de Transportes da cidade de São Paulo (1990-1992), afirma que o discurso do prefeito tem caráter “ideológico”.
“A SPTrans faz essa gestão internamente e, esporadicamente, sai algum dado sobre fraudes e esquemas de correção. O fato é que o perfil e discurso do Dória pregam que a gestão privada é sempre mais eficiente. É difícil falar sobre isso, porque eles colocam apenas as expectativas", aponta Wicher. "Não há modelagem que demonstre que o retorno será suficiente e que o Estado não terá que bancar nada [da gestão do BU]", duvida.
De acordo com ele, a SPTrans e, especificamente, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET ), são burocracia super especializadas e com um corpo técnico qualificado. "Se pode ser lucrativo para iniciativa privada, ainda que o Estado não tenha que ter lucro, porque não seria viável uma operação que reduziria a necessidade de investimento?", questiona.
Gregori avalia que Doria apresenta um discurso contraditório. “O prefeito é o gestor no comando da SPTrans. Se ele afirma que ela custa mais caro do que o setor privado, ele deveria verificar o porquê. Das duas uma: ou o serviço da SPTrans é menos eficiente e , portanto, ele que melhore sua eficiência, ou os funcionários da SPTrans têm uma remuneração mais digna do que nas empresas privadas, e ele vai ter que explicar também por qual razão ele prefere pagar menos a esses trabalhadores", argumenta.
Neste sentido, Wicher avalia que a medida é apenas uma na tendência da nova gestão municipal. “Ele já deu um primeiro passo de parar de usar as estatísticas da CET. A tendência é de esvaziar esses órgãos. Essa operação é essencial? Há um interesse público que torna esse serviço uma questão estratégica? Essa discussão não é feita. Ele enxerga o Estado como a empresa dele".
"Quanto vai custar isso para o usuário? Quanto vai se gastar concretamente? Isso tudo ainda é uma interrogação", critica o pesquisador.
Recursos
Gregori aponta que os argumentos fiscais de Doria omitem uma das principais questões relacionadas ao transporte: seu financiamento.
“No fundo, é uma manobra para explicar o inexplicável. Por que a prefeitura não tem recursos suficientes para prestar serviços públicos de qualidade a preços acessíveis? Porque a política tributária - municipal, estadual e federal - não cobra impostos na proporção que deveria daqueles que, de fato, têm recursos", explica.
Ele contesta também o projeto em relação à cobrança maior para pagamento da passagem em dinheiro, ainda que considere que o objetivo de assimilar todos usuários no Bilhete Único seja "um raciocínio, no limite, correto".
Para o engenheiro, se os usuários que utilizam o cartão cobrem os custos com cobradores, também verdade que os que pagam em dinheiro ajudam a sustentar os custos de gestão do sistema de cartões.
Resposta
A reportagem contatou a SPTrans e a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes para responder às críticas realizadas pelos entrevistados, mas não obteve resposta.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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