Comunicação pública

Senado aprova medida que reforma estrutura da EBC

Oposição e sociedade civil organizada criticam alterações e alertam para desfiguração da comunicação pública

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Fachada do prédio da Empresa Pública de Comunicação
Fachada do prédio da Empresa Pública de Comunicação - Divulgação

O plenário do Senado Federal aprovou, por 47 votos a 13, o relatório apresentado pelo senador Lasier Martins (PSD-RS) a favor da Medida Provisória (MP) 744, que reforma a estrutura administrativa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A matéria será enviada à sanção presidencial.

A aprovação se deu sob protestos de parlamentares da oposição e movimentos da sociedade civil organizada, para os quais a medida aponta para a extinção da comunicação pública no país. Eles afirmaram que a MP é inconstitucional e sinalizaram que devem recorrer junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar as alterações.

PT, PCdoB e Rede foram contrários à MP. Entre as legendas que apoiaram as mudanças, estão PSDB, PR, PP, PSD, DEM, PSB e PMDB, com destaque para o voto do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Ao todo, 61 parlamentares participaram da votação.

A MP modifica a Lei 11.652/2007, que instituiu a EBC e apontou os princípios norteadores do serviço da radiodifusão pública. As principais alterações consistem na extinção do Conselho Curador e do mandato do diretor-presidente da Empresa, que passa a ficar submetido ao presidente da República. Anteriormente, o dirigente era indicado pelo chefe do Executivo federal, mas cumpria quatro anos de atuação num período não coincidente com o da gestão do presidente da República, de forma a evitar ingerências governamentais indevidas.

Além disso, o mandato era monitorado pelo Conselho Curador, formado por 22 membros provenientes de vários segmentos, incluindo governo, funcionários da EBC, iniciativa privada e setores da sociedade civil organizada. O colegiado avaliava a produção dos veículos vinculados à Empresa, consistindo num instrumento de controle social do trabalho apresentado pela EBC, com representantes de diversos segmentos, incluindo mulheres, jovens, negros, índios, entre outros. Todos os membros eram escolhidos com monitoramento da sociedade.

Novo formato

Com a aprovação, a EBC passa a ter, no lugar do Conselho, um comitê editorial composto por 11 membros que serão indicados pelo presidente da República. Além de não ter poder de veto, o referido comitê terá poderes editoriais para intervir nos conteúdos produzidos pela Empresa, o que não era facultado ao antigo Conselho.

O novo formato desagradou a oposição, que qualificou a medida como uma tentativa de aparelhamento do setor e de favorecimento da lógica privatista.

“Essa MP enfraquece o sistema de comunicação pública do ponto de vista da sua autonomia, tirando toda a independência que ele precisa ter, e transforma a EBC em comunicação governamental. Segundo esse caminho, o Estado terá direito apenas à comunicação privada, aquela que se move de acordo com os interesses de mercado”, afirmou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

O líder do PT na Casa, Humberto Costa (PE), e outros parlamentares destacaram que, antes da edição da MP 744, em setembro do ano passado, a EBC produzia conteúdos diversos, garantindo oferta de programação para segmentos não devidamente contemplados pelas redes privadas, como, por exemplo, o público infantil.

“Quais são as emissoras abertas que hoje apresentam produções nacionais e programas infantis, por exemplo? Não há. Estamos retirando do povo brasileiro a possibilidade ter uma comunicação que não está submetida ao baronato secular dos grandes meios de comunicação”, criticou o líder do PT.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) destacou a existência de sistemas de comunicação pública em outros países democráticos, como França e Inglaterra. “Nós precisamos é de uma EBC nos moldes da BBC, de Londres, que é uma empresa do Estado britânico, e não pertence aos governos, porque este modelo só interessa às ditaduras ou àqueles que querem limitar a liberdade dos meios de comunicação”, apontou.

Ele lembrou ainda que instâncias do Ministério Público Federal (MPF), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU) já se manifestaram publicamente contra a MP 744.

Inconstitucionalidade

Ao engrossar o coro contra as alterações na EBC, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) também tem destacado o posicionamento da OEA, da ONU e do MPF e o caráter inconstitucional da MP 744.

“Ao se extinguirem os mecanismos de autonomia da empresa, há uma violação ao Artigo 220 da Constituição Federal, que trata da complementariedade entre os sistemas público, privado e estatal de comunicação”, afirma a secretária-geral da entidade, Bia Barbosa.

Ela também salientou um argumento destacado pelo MPF em nota técnica no ano passado de que há outras inconstitucionalidades na medida. “Eles lembraram que a Constituição prevê que não haja embaraço ao acesso à informação e à liberdade de expressão no país. Acabando com o principal instrumento de comunicação que dá voz aos segmentos excluídos pelas comunicações governamental e comercial, há essa violação”, explicou.

Governo

Os senadores da base aliada defenderam as alterações na EBC, argumentando que elas seriam importantes para o país. O senador Aluísio Nunes (PSDB-SP), por exemplo, defendeu a ingerência do presidente da República na EBC e disse que determinadas empresas estatais precisam ter uma gestão com autoridade concentrada no Planalto.

Já o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), chegou a defender a extinção da empresa, argumentando, entre outras coisas, que ela custa caro aos cofres públicos.

“A Casa, diante de um momento de grave crise, precisa fazer uma revisão em torno das mais de 40 estatais que foram criadas pelo governo do PT e buscar uma verdadeira assepsia para diminuir os gastos públicos”, sustentou o parlamentar.

Repercussão

A aprovação da MP 744 foi recebida com preocupação pela ex-diretora da EBC Tereza Cruvinel, que atuou no processo de fundação da Empresa. “Isso significa retrocesso, involução, atraso para a democracia brasileira. A Lei 11.652 foi um avanço, a definição legal mais importante sobre o que é um sistema de comunicação pública e como ele deve funcionar”, criticou.

A jornalista Rita Freire, última presidenta do Conselho Curador, reforçou as críticas sobre a extinção do colegiado. “É uma destruição da autonomia da empresa. O Conselho não pautava a EBC e tinha o papel de deliberar sobre as diretrizes dela, que é o que mantinha a comunicação pública voltada para cobrir as diferentes regiões, por exemplo. Era uma coisa macro, não uma apropriação, intromissão ou censura do trabalho dos profissionais. Já um comitê editorial com os amigos da gestão com certeza vai pautar seus interesses”, apontou.

Histórico

A EBC é motivo de uma queda de braço entre governo e oposição desde o ano passado, logo após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). Ao assumir o cargo, Michel Temer exonerou o então presidente da empresa, Ricardo Melo, que havia sido nomeado semanas antes.

A intervenção inaugurou uma polêmica que foi parar no STF. Na ocasião, o Supremo concedeu uma liminar garantindo o retorno de Melo ao cargo, mas, logo em seguida, Temer editou a MP 744, alterando a configuração da EBC, as diretrizes em que se pautava a permanência do diretor-presidente no cargo e extinguindo o Conselho Curador. Com isso, a oposição passou a se articular pela não aprovação da medida, reforçando o discurso de que o dispositivo desmonta o conceito de comunicação pública, imprimindo à EBC um caráter governamental.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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