Educadores, educandos e professores da rede municipal de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, estão contestando a decisão da Secretaria de Educação da cidade, que revogou o edital que firmava convênios para a oferta de educação profissional na região.
A medida, revogada no último dia 20 de janeiro, afetou diretamente os projetos de elevação de escolaridade com qualificação profissional e também o Movimento de Alfabetização (MOVA), voltado para jovens e adultos. O argumento utilizado pela secretária da educação, Suzana de Oliveira - que compõe a equipe do prefeito eleito em 2016, o empresário Orlando Morando (PSDB) – é de que será feita uma “reavaliação técnica”.
Após reivindicarem um encontro com a secretária, os educadores foram atendidos por uma assessora nesta segunda-feira (6). Dos cerca de vinte representantes, apenas seis foram recebidos para a reunião. Segundo a porta-voz, os contratos e convênios foram encerrados por falta de recursos, e ficarão suspensos até nova ordem. As parcerias com Sesi e Senai também foram levantadas como alternativas. Estima-se que mais de dois mil alunos haviam se matriculado para o ano letivo de 2017.
Segundo a resposta enviada ao Brasil de Fato pela Secretaria de Comunicação do município, a prefeitura se compromete em fortalecer a grade de cursos por meio de parcerias com o governo do Estado de São Paulo, pelo Programa Via Rápida, e com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Para Edmilson Gonçalves dos Santos, diretor de projetos da Associação Paulista de Gestão Ambiental e educador dos cursos profissionalizantes em aulas de serviço administrativo e informática, esse é o caminho que a gestão atual escolheu por não compreender o conceito de educação popular e a importância destes cursos profissionalizantes. “Isso é uma opção política. O que acontece não é mais uma relação de Parceria Público Privada (PPP), mas sim um caminho para privatização. Quando ele manda para o governo do Estado, com um modelo universal, corre-se o risco de desresponsabilização do atendimento, de flexibilização de um currículo atento aos territórios, aos desenvolvimento local e a identidade dos sujeitos”, acredita.
Para a educadora Fabiana dos Santos, 34, do Movimento de Mulheres Olga Benário, a prefeitura não entende a importância desses projetos na cidade por não priorizar os trabalhos que são feitos nas periferias. “O que precisa ficar claro é que a prefeitura vai colocar professores da rede em bem menos quantidade. A gente tinha 120 professores na qualificação, agora, temos 30. Além disso, existe a questão da qualificação técnica. Todos os professores do convênio eram especialistas. Por exemplo, em gastronomia, que é minha área, os professores tinham cursado de gastronomia, ou o curso técnico de nutrição. E a prefeitura vai colocar professores da rede que tem formação em pedagogia ou áreas especificas como português e matemática. Menos atendimentos e sem qualificação técnica”, aponta.
Desemprego
A região do ABCD, também conhecida como “cinturão vermelho” por conta das inúmeras gestões de prefeitos eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT), é composta inicialmente pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema, mas incorpora também Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Segundo dados do Sistema Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) - em levantamento realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em parceria com o Consórcio Intermunicipal Grande ABC -, divulgada em maio de 2016, o índice de desemprego na região dos sete municípios subiu para 17,1%, a taxa mais alta desde 1998, que era de 20%. São 243 mil pessoas desempregadas na região.
Foi olhando para o cenário socioeconômico, segundo Edmilson, que os programas profissionalizantes foram concebidos. “A política em São Bernardo do Campo tinha uma leitura de desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. Não era uma mera oferta de cursos. Tinha uma análise conjuntiva da relação educação e trabalho, olhando a população de maior vulnerabilidade diante da condição de educação e trabalho. A secretaria não consegue reconhecer uma dívida social e histórica de uma população. E politicamente ela não tem maturidade para fazer um planejamento de leitura de demanda da região. É uma limitação de olhar”, frisa.
Os cursos - com duração de até três meses e carga mínima de 200 horas - são oferecidos em oito eixos tecnológicos: imagem pessoal, alimentação, confecção, construção civil, informática, ambiente e saúde, marcenaria e meio ambiente, conforme estabelece a diretriz nacional de educação profissional aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Joice de Freitas Alves, 34, fez três cursos profissionalizantes, dois deles no eixo da alimentação. O último que fez foi o de salgados. Ela está desempregada e, com a ajuda de amigos, começou a fazer salgados em casa para vender, e já calcula quantas coxinhas teria que produzir para ajudar no dinheiro do aluguel. “Não vai pagar tudo, mas com certeza vai me dar uma força. Fiz confeitaria e também decoração de festas, mas sem uma grana inicial fica difícil investir. Chegamos até a montar uma cooperativa de mulheres de confeitaria”, conta.
Edmilson explica que construção civil e marcenaria são as áreas em que se tem a maior demanda de escolaridade e, neste momento, a prefeitura está fechando essas duas escolas e reduzindo para 30% os atendimentos dos outros eixos tecnológicos de qualificação profissional.
Para Fabiana, o cenário na área da educação no município só tende a piorar. “A questão da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e da qualificação profissional é muito importante para a cidade. Os cursos de qualificação profissional são alternativas de renda para as pessoas, e a prefeitura vem e tira isso? Se a pessoa não tem trabalho ela não tem nada”, enfatiza.
MOVA
O MOVA surgiu em 1995 com os trabalhadores das fábricas, por meio do Sindicato dos Metalúrgicos, e desde então constrói parcerias com as prefeituras da região do ABCD para aplicar o programa, que utiliza o método Paulo Freire. Após o curso, eles são encaminhados para o EJA, ofertado pela rede pública de ensino, para a conclusão do Ensino Fundamental. As aulas do MOVA são realizadas em espaços de fácil acesso e próximas às comunidades como igrejas, salões e locais públicos.
Desde que o convênio foi firmado entre o MOVA e a prefeitura de São Bernardo do Campo, em 2010, foram alfabetizados cerca de seis mil alunos no município e mais de 115 mil ao longo de sua trajetória.
Mesmo que a prefeitura alegue que “norteia as ações conforme a lei Federal 13.019, de 31 de julho de 2014, que estabeleceu novas adequações nas relações jurídicas de parcerias entre administrações públicas e organizações da sociedade civil”, nenhum novo edital ou proposta foi apresentado.
Segundo Edmilson, “estamos trabalhando com uma secretaria legalista e que não sabe das dificuldades do sujeito jovem e adulto para ir à escola. Ou seja, aposta numa EJA institucionalizada, distante de uma educação popular”, ressalta.
Fabiana acredita que a prefeitura está tentando deixar a EJA em locais mais centrais da cidade, o que aumenta as dificuldades do aluno. “O aluno que trabalha fora tem ainda mais dificuldade. Especialmente a mulher, considerando que 80% do público do EJA é feminino, pois além de trabalhar fora, cuidam dos filhos, da casa... Se ela for estudar no centro, ela não vai conseguir. Muitas pessoas vão deixar de estudar”, conclui.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque
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