A suspensão de rádios comunitárias e a possibilidade do fechamento de mais de 2 mil emissoras são algumas das denúncias feitas pelo coordenador do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC), Jerry Oliveira. Ele afirma que cerca de 1.288 rádios tiveram seus contratos de renovação cancelados no governo de Michel Temer (PMDB). A transição da modulação AM para FM é um dos motivos para isso.
“Depois do golpe [de 2016], o governo não chamou ninguém para o diálogo, tomando decisões de forma unilateral, cassando emissoras, ampliando a faixa da AM para a FM - ou seja, acabando com a AM -, já autorizando as rádios para se transferirem para a FM, e suspendeu todos os processos de novas rádios que poderiam ser autorizadas através do Plano Nacional de Outorga”, afirma Oliveira.
Segundo ele, a migração das rádios AM para FM, autorizada por meio de Decreto assinado em 2013 pela então presidenta Dilma Rousseff (PT,) vem sendo utilizada pelo atual governo como argumento para a não renovação de contratos das rádios comunitárias, que operam em FM. Ele diz que ainda existem 2.236 emissoras que estão com o processo de renovação em andamento, logo, o número de rádios comunitárias que não terão licença para operar aumentará.
“Para garantir essa transição da AM para FM precisa do quê? Limpar o espectro. Limpar os canais e, com isso, o não atendimento das demandas dos segmentos de rádio - aumento do número de potências, frequências - e a cassação das emissoras [comunitárias]”, explica.
Oliveira enfatiza que a faixa precisa ser revitalizada, contudo, aponta que a proposta do governo de digitalização da radiodifusão visa atender aos interesses do modelo americano digital de rádio, cuja tecnologia se baseia no sistema Iboc (In Band On Channel, em inglês) ou HD rádio (High Definition Radio, em inglês), desenvolvido pelo consórcio americano Ibiquity e que não opera na faixa AM.
Ele explica que o HD rádio utiliza um chip e aparelhos específicos. Para operar, as emissoras deverão pagar a Ibiquity pelo serviço: o não pagamento suspende a emissora do ar. Além da cobrança, trata-se de um sistema proprietário com tecnologia fechada, o que coloca em risco a soberania da comunicação do país, pois será entregue um “espectro, um bem público, para o setor privado”, diz.
“E, no caso, o Brasil não vai ter nem condições de radiar para o seu povo, nem radiar lá fora, para que as pessoas entendam qual o papel do Brasil no cenário internacional. Por exemplo, eu ouço a BBC de Londres. Eu, daqui, tenho uma visão sobre o que eles têm da gente, a partir do que é radiado por lá. O fechamento dessa onda de radiodifusão acaba não só com a comunicação entre as comunidades ribeirinhas, mas acaba com a comunicação do Brasil em nível internacional. Esse é uma questão política que deve ser analisada com muita calma”, diz. Para longos alcances, normalmente utiliza-se a faixa AM ou a de Ondas Curtas (OC).
A rádio de frequência AM possui uma importância significativa para comunidades ribeirinhas na Amazônia. O rádio de pilha sintonizado na AM é o único meio de comunicação de várias comunidades, as quais muitos ainda hoje vivem sem energia elétrica e água encanada.
Diante do cenário de rádios comunitárias cassadas e impedidas de transmitir seus conteúdos, Oliveira conta que o MNRC irá construir possibilidades de resistência, como ocupar as emissoras e não deixar as transmissões passarem do AM para o FM. O não reconhecimento das cassações também integra uma das formas de luta do movimento, assim, ele afirma que a “rádio comunitária vai para a resistência, vai ser a pedra no sapato do governo”.
Resposta
Em nota, o Ministério das Comunicações respondeu à reportagem afirmando que a paralisação de rádios comunitárias que receberam do governo pareceres contrários à renovação se deve a uma reestruturação administrativa e por esse motivo “todos os editais de seleção pública foram temporariamente suspensos até que se defina a nova estrutura regimental e as políticas públicas a serem adotadas nos próximos anos”.
Além disso, o setor de radiodifusão está analisando novamente o espectro de frequências das faixas de FM migradas do serviço de ondas médias (como é chamada a AM), nos âmbitos locais, regionais ou nacionais.
O Ministério das Comunicações ainda informou que “não há exigência de digitalização do sinal ou opção por ‘rádio HD’” e que irá priorizar a análise dos processos das migrações AM para FM, assim como da TV analógica para a TV digital, mas que tal processo depende da limpeza das faixas de frequência para ser efetivado.
A pasta conclui que as outorgas das rádios comunitárias e educativas serão retomadas assim que sejam concluídos os estudos e as mudanças citadas.
Edição: Vivian Fernandes