A indicação de Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça filiado ao PSDB, para o Supremo Tribunal Federal gerou polêmica em meio à comunidade jurídica brasileira. Acusações de plágio, críticas à sua postura em relação à crise penitenciária e seu histórico à frente da Segurança Pública do estado de São Paulo foram alguns dos argumentos contrários à escolha do presidente Michel Temer (PMDB).
De forma inédita, um abaixo assinado com quase 300 mil assinaturas foi organizado contra a ida de Moraes ao Supremo Tribunal Federal (STF). A coleta de nomes foi feita pelo Centro Acadêmico 11 de Agosto, entidade que representa o corpo discente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, escola na qual Moraes se formou e onde é professor associado.
Apesar da mobilização da sociedade civil, Moraes passou pela sabatina da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, tendo sido aprovado posteriormente pelo plenário da Casa.
O Brasil de Fato entrevistou Paula Masulk - presidenta da atual direção do 11 de Agosto – após a confirmação de Moraes no Senado. Para ela, o nome do professor não “cumpre os requisitos”.
Segundo Masulk, todo o processo é indicativo de uma situação política grave: “No fundo, é um presidente ilegítimo indicando alguém que também não tem legitimidade diante da população”. É preciso, afirma a presidenta, modificar o modelo de nomeação à Suprema Corte.
“É um processo pouco democrático que deveria ser revisto”, diz. Confira a íntegra abaixo.
Brasil de Fato: Por que o 11 de Agosto se posicionou contra a indicação de Moraes?
Paula Masulk: O 11 de Agosto decidiu encampar essa campanha por ver muitos problemas em Alexandre de Moraes assumir essa posição. Nós já havíamos feito uma nota durante a crise carcerária, quando ele estava no Ministério da Justiça, mostrando nosso repúdio às suas atitudes e sua inabilidade para a função - não atendendo a pedido de governadores, por exemplo.
Ele teve atitudes que corroboram com a Guerra às Drogas, que é um dos maiores motivos para o encarceramento em massa. A gente já questionava muito a posição dele em outros cargos e casos. Ele não demonstrava estar à altura do STF - [como ter] compromisso com os direitos humanos, pensando em casos em que o Supremo atua.
[Ele] não cumpre os requisitos: notório saber jurídico e reputação ilibada. Todos ficaram sabendo dos casos de plágio. Acompanhando os cargos que ele ocupou e por conhecer ele dentro da faculdade, por saber da postura dele em sala de aula - fazendo piadas grosseiras, preconceituosas -, como representantes dos estudantes da Faculdade de Direito da USP, nós decidimos nos posicionar de forma contrária à nomeação.
Alexandre de Moraes é um nome que não achamos adequado para a defesa da Constituição, que vem sendo desrespeitada constantemente, com ataques aos direitos sociais. O Centro Acadêmico está preocupado com o atual estado das coisas e os atuais ataques contra a democracia brasileira.
E do ponto de vista político?
A indicação demonstra um conflito de interesses. Temer indicou por interesses políticos concretos. Foi pouco aberto e pouco discutido. Nós levamos o abaixo-assinado à Brasília, mas os senadores não levaram em conta esse apelo, bem como outros argumentos levantados - o que a nomeação causaria para a Lava Jato, por exemplo.
Nunca uma indicação foi tão polêmica e gerou tanto rechaço como essa. Mesmo assim ele foi nomeado. Isso indica como a democracia está enfraquecida. Não é à toa: houve um golpe no país. Ou seja, no fundo, é um presidente ilegítimo indicando alguém que também não tem legitimidade diante da população.
De alguma forma, entretanto, a indicação respeitou às formalidades constitucionais. Nessa situação, não há alternativas institucionais para contestar a nomeação. O 11 de Agosto defende uma revisão desse modelo?
Nós vemos grandes problemas. Por exemplo, o fato de que ele poderá ficar muitos anos no Supremo. Um cargo não eleito pelo povo, poder ficar tanto tempo assim, mais de duas décadas, é algo para ser criticar. É um processo pouco democrático que deveria ser revisto.
Na sabatina, o senador Lindberg Farias (PT-RJ) defendeu que Moraes não participasse da revisão da Lava Jato e de um possível julgamento da constitucionalidade do impeachment. Qual a sua opinião sobre a participação dele nesses processos?
Até algumas semanas, ele era filiado ao PSDB, participou do governo atual, tem ligações com pessoas investigadas, além do próprio Michel Temer. Ou seja, tem ligações políticas muito fortes, com muitas das pessoas que estão sob suspeita.
Ele disse que tem condições de ser imparcial, mas sabemos que não é assim que as coisas acontecem. Já que nomearam, concordo que ele não deveria participar.
A gente não chegou a discutir isso coletivamente, mas acho ser algo completamente razoável. Ele visivelmente não é imparcial nestas questões.
De qualquer forma, Moares será empossado. Como o 11 de Agosto vai atuar diante da definição deste cenário?
A Faculdade de Direito da USP forma juristas de diversos tipos e linhas. Como Centro Acadêmico, o que a gente espera é que alguém formado nesta instituição demonstre respeito ao direito, coerência, imparcialidade e que guarde a Constituição. Sabemos que ela já não fez isso, mas esperamos que o faça. É também para isso que nós lutamos: que a São Francisco forme juristas comprometidos com a justiça social e que respeitem o direito.
O Centro Acadêmico vai acompanhar de perto a atuação de Moraes no STF, se posicionando. O 11 de Agosto tem um histórico belo de participação nas questões políticas do Brasil, em defender direitos. Continuaremos a nos posicionar sobre a situação preocupante em que se encontra o Brasil.
Edição: José Eduardo Bernardes