O extrativista Valmir Langer teria sido agredido por um produtor de eucalipto, vizinho de sua propriedade, na comunidade Estrada Nova, região rural da cidade de Almeirim, no Pará, na última semana. A liderança local, *Luiz Souza, que procurou o Brasil de Fato para fazer a denúncia, afirma que o agressor seria um dos participantes do programa Fomento Florestal desenvolvido pelo Grupo Jari e, para ampliar seu plantio de eucalipto, resolveu queimar a área da propriedade de Langer.
“Fui procurado por um senhor chamado Valmir Langer, que estava com o rosto todo marcado da violência que sofreu e me disse que o vizinho dele, que já planta eucalipto, não tem mais espaço e entrou na área dele”, conta Souza.
A agressão sofrida por Langer, conta a liderança, é apenas o sintoma de uma corrida pela expansão da monocultura do eucalipto na região, promovida pela empresa Jari Celulose, Papel e Embalagens S/A, que pertence ao Grupo Jari, assim como as empresas Jari Florestal, Jari Minerais, Fundação Jari e Marquesa.
“Ele [Langer] me disse que empresários rurais estão desmatando áreas de castanhais. Tem outros problemas com comunidades mais próximas, problemas com pecuaristas, tudo por conta do plantio do eucalipto”, afirma a liderança.
O Brasil de Fato tentou contato com o agressor, mas até agora não teve retorno, já que a região não dispõe de sinal de telefonia estável. Por isso, seu nome foi omitido na matéria.
Fomento Florestal
O programa incentivado pelo Grupo Jari incentiva agricultores a plantar o eucalipto em parte de suas terras. Os produtores são responsáveis pelos cuidados com o cultivo até o momento do ponto de corte e vendem a matéria-prima exclusivamente para a Jari Celulose. A atuação da empresa de celulose junto às comunidades da região foi expandida através de projetos sociais implementados pela Fundação Jari nos últimos anos.
A Jari Celulose tem sede na Vila Munguba, em Almeirim. De acordo com o Plano de Manejo Florestal Sustentável – 2013/2014 e 2014/2015 o grupo exporta mais de 99% da produção de celulose branqueada de eucalipto ao ano. A Ásia é o mercado que mais consome o produto, uma demanda que corresponde a 98% do total. O continente europeu é responsável pelo consumo de 1% da matéria-prima.
No documento, a empresa aponta que a área do grupo compreende “mais de 1,2 milhão de hectares e deste total são utilizados apenas 128.516 mil hectares para o plantio de eucalipto”. A empresa explica que, ao todo, 25 comunidades participam do programa de Fomento Florestal e no relatório referente ao ano de 2013/2014, a área cultivada correspondia a 2.885 mil hectares. No biênio 2014/2015, a área de cultivo da monocultura do eucalipto passou para 3.006 mil hectares.
A pesquisadora e geógrafa Maria Luíza Gutierrez de Camargo, explica em sua dissertação de mestrado, O latifúndio do Projeto Jari e a propriedade da terra na Amazônia brasileira, que a comunidade Estrada Nova ainda não está totalmente integrada ao programa de Fomento. Segundo a pesquisa, essa é uma das comunidades rurais que mais recebe investidas da empresa, para que os agricultores possam aderir ao programa.
“Alguns grandes e médios comerciantes, junto a alguns funcionários públicos graduados, são hoje os maiores posseiros e/ou detentores de terras na região da comunidade Estrada Nova”, diz a pesquisa. Segundo a geógrafa, pecuaristas e a Jari tem conduzido acordos velados com os agricultores: caso eles destinem parte de suas terras ao plantio do eucalipto, não receberão ações de reintegração de posse.
Segundo a pesquisadora, os acordos foram confirmados em depoimentos dados durante audiência pública realizada em novembro de 2013 pelo Ministério Público Estadual do Pará (MPE), para tratar dos conflitos fundiários entre os posseiros e o Grupo Jari, na época ainda chamada de Grupo Orsa.
Perseguição
Luiz Souza explica que os agricultores que não plantam eucalipto são perseguidos pela empresa, que tenta retirar as famílias das áreas onde a Jari diz ser proprietária. “Em outros locais ela [Jari] apoia o agricultor que planta eucalipto e em outro ela quer expulsar. Eu conheço um caso bem próximo que é a dona Francisca Batista ela nunca aceitou plantar eucalipto”, diz Souza.
Francisca Batista já teve sua casa derrubada cinco vezes. e suas roças de mandioca foram destruídas. Moradora da comunidade Água Azul, no ramal do Pimental, também no município de Almeirim, ela conta que não possui outro lugar para viver com a família. É da roça que tira seu sustento e foi na comunidade que os filhos nasceram e foram criados, os laços construídos com o local possuem a história e a identidade da senhora, que ao perguntar a idade responde, “sou de 1976”.
Pela sexta vez, em dezembro do ano passado, Batista novamente foi ameaçada. “O segurança da comunidade e um oficial de justiça de Almeirim estiveram aqui. Vieram entregar uma reintegração de posse nas comunidades, só que eles queriam, primeiramente, fazer a retirada das famílias de lá e após a retirada era que eles iriam entregar o documento de reintegração de posse”.
Batista argumentou com o oficial que só deixaria o local com o documento. A resistência da família deu a eles mais um tempo e dessa vez não foram retirados do terreno, mas o oficial informou que eles e mais 13 famílias da Água Azul teriam um prazo de 30 dias, e após isso seria cumprido a liminar de reintegração de posse em favor da Jari.
Francisca Batista tentou ter acesso ao documento, mas sem sucesso. O prazo já chegou ao fim, mas até agora a agricultora conta que ninguém compareceu na comunidade para cumprir a determinação.
Conflito Secular
Todos esses conflitos remontam à história do Projeto Jari, iniciado na década de 1960 pelo americano Daniel Ludwig quando adquiriu, entre os estados do Pará e Amapá, segundo informações da matéria publicada no site do Ministério Púbico Estadual, “uma área de terra de tamanho equivalente ao estado norte-americano de Connecticut”. A intenção do americano era instalar um complexo agroindustrial voltado para a produção de celulose em larga escala.
De acordo com a promotoria de Justiça Agrária de Santarém, o conflito fundiário tomou corpo quando a empresa Jari Celulose, Papel e Embalagens S/A, apresentou ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa), documentos fundiários de posse e propriedade de uma área equivalente a oito vezes maior que a área do município de Belém, referentes aos anos de 1975 e 2004.
Ainda segundo documentos da promotoria na área requerida pela empresa vivem cerca de 15 mil pessoas distribuídas em 98 comunidades rurais.
As áreas de operação do Grupo Jari estão distribuídas entre os estados do Pará (55%), na cidade de Almeirim e no distrito de Monte Dourado; e Amapá (45%) em Laranjal do Jari e Vitória do Jari. A região, conhecida como vale do Jari, possui uma forte influência da empresa.
A geógrafa Maria Luíza de Camargo aponta, em sua pesquisa, que “só em Almeirim, o latifúndio abrange cerca de 60% da área municipal não destinada a unidades de conservação e terras indígenas. Isso faz presumir a dimensão da influência da empresa sobre todas as esferas do poder público local”.
Ela também analisa que a população do vale do Jari, aqueles não inseridos nos projetos e empreendimentos da empresa, há séculos, vivem de atividades “marginais”, ou em áreas que não são do interesse da empresa, mas quando há o interesse famílias são expulsas do terreno e inicia o embate.
O coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT-Pa), Gilson Rêgo, que atua em Santarém, acompanha os conflitos entre as comunidades tradicionais e a Jari e afirma que quando as comunidades tentam se organizar elas passam a sofrer retaliações por parte da empresa.
“[As comunidades são] combatidas em todo o sentido: fisicamente e psicologicamente. Utilizam a mídia local para publicar determinadas reportagens contra esse movimento tentando criar uma imagem muito negativa”.
O jornal Tribuna Regional, em matéria publicada no dia 30 de abril de 2015, faz uma série de denúncias sobre a atuação de associações comunitárias e ONG’s, na região. Em uma dessas matérias publicadas pelo jornal local, a fonte de informação é a assessoria de comunicação da empresa Jari.
O agricultor Langer foi à delegacia no distrito de Monte Dourado para registrar um boletim de ocorrência. Segundo Luiz Souza foi feito um Termo de Ciência da Vítima (TCO), que não registra o caso no sistema. No documento, segundo a liderança local, também não constam detalhes sobre o ocorrido, ou seja, informações que fazem referência a motivação da violência.
A reportagem do Brasil de Fato procurou a empresa Jari, enviou e-mail e telefonou, para verificar as denúncias recebidas. A assessoria de comunicação enviou uma nota, que logo em seguida foi desmentida pela empresa. Até o fechamento desta matéria, não houve retorno por parte da empresa.
*Nome fictício. Liderança local sofre perseguições e preferiu omitir seu nome.
Edição: José Eduardo Bernardes