Aprovar a agenda econômica é questão de vida ou morte para o governo Temer. Mesmo assim, os atuais ocupantes do Palácio do Planalto não vão arriscar uma ruptura política se a resistência à reforma da Previdência, por exemplo, ameaçar se transformar concretamente numa grande onda “Fora, Temer". “Eles (o governo) vão insistir, mas se perceberem que vai haver um tensionamento na sociedade a ponto de uma ruptura, eles recuam”, afirma o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista à RBA.
Para ele, o xadrez político do quadro atual passa pela relação de vassalagem, que existe entre Temer e o Parlamento. "Dificilmente o Congresso encontraria um presidente que fosse mais vassalo do que Temer", diz. No feudalismo, o vassalo era um personagem submisso, que se dispunha a oferecer fidelidade ao senhor, em troca de proteção.
Um eventual recuo do governo, no embate da reforma da Previdência, se ocorrer, ilustra o que é e tem sido historicamente o PMDB do presidente Michel Temer. “Se tem uma coisa que esses caras do PMDB sabem fazer é sobreviver politicamente”, aponta o analista. Apesar da necessidade de dar respostas ao mercado e às forças que apoiaram o processo que levou Temer ao poder, Barreto aposta que “eles não vão arriscar uma revolução por conta da Previdência”.
Para o analista, "a única força capaz de motivar uma ruptura política hoje é a rua”. Com o cenário confuso e a crise aumentando após o depoimento de Marcelo Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na quarta-feira (1º), os desdobramentos do processo são imprevisíveis.
"Uma vez que os depoimentos mostram com muita clareza o envolvimento de muita gente, envolvimento direto do presidente e seus assessores em pedidos de doação, o TSE passa a ficar cada vez mais pressionado, mesmo que politicamente ele não tenha muita vontade de tocar isso."
Qual seria o limite da paciência dos cidadãos para voltarem à rua? "Eu acho que estamos sempre muito próximos desse limite”, diz Barreto.
RBA - Temer resiste às denúncias, que já chegaram a seu gabinete?
Há duas possibilidades desse governo cair. A primeira seria pelo Congresso, e a segunda, uma decisão judicial. A segunda possibilidade se tornou maior após o depoimento do Marcelo Odebrecht. O processo de impeachment é muito difícil de acontecer, porque o mercado não quer e porque os parlamentares de certa maneira estão satisfeitos com Temer. E dificilmente o Congresso encontraria um presidente que fosse mais vassalo do Congresso do que o Temer. É um presidente que presta muita vassalagem ao Congresso, o tempo inteiro. Dificilmente encontrariam alguém que tivesse essa mesma relação com o Congresso.
Agora, na Justiça eleitoral a temperatura esquentou. O TSE tem um dever jurisdicional que precisa ser cumprido. Uma vez que os depoimentos mostram com muita clareza o envolvimento de muita gente, envolvimento direto do presidente e seus assessores em pedidos de doação, o TSE passa a ficar cada vez mais pressionado, mesmo que politicamente ele não tenha muita vontade de tocar isso. O Brasil é outro. Do ponto de vista puramente político, Temer tem uma situação razoavelmente controlada. O que cresceu foi o problema judicial. Hoje você tem um problema de prazo, quando esse julgamento vai acontecer. E um segundo problema é se a tese de separação das campanhas vai acontecer ou não.
É claro que a decisão do TSE não é puramente jurídica, tem um componente político muito forte. Acho que até existe uma vontade do TSE de adiar esse julgamento, porque a tese de separação das campanhas é muito difícil de ser sustentada. E parece que há provas em abundância de problemas de abuso econômico etc.
Supondo que a cassação seja aceita pelo TSE, poderia haver uma eleição indireta e uma "ditadura do Congresso"? O parlamentarismo seria uma opção para evitar um governo Lula?
Se você olha para quem assumiria hoje, Rodrigo Maia, do ponto de vista popular, ele teria muita dificuldade. No Congresso você não tem ninguém com autoridade ou legitimidade suficiente para propor um período longo do Congresso no poder. Existe mais risco de eleger uma tutela do Judiciário do que do Congresso. Mas, aí, ou o Judiciário determinaria uma eleição indireta, segundo a Constituição, o que talvez fosse mais provável, ou então ensejaria alguma alternativa para antecipar o processo eleitoral, o que seria contra o que está previsto.
O deputado Onyx Lorenzoni, da base de Temer, disse que "como está a reforma da Previdência não passa". A questão da Previdência não poderia provocar uma mobilização maior do que o governo esperava, e nesse sentido ser um tiro pela culatra?
O problema da reforma da Previdência é que o governo fez um cálculo equivocado. Achou que poderia dialogar só com o Congresso e que o Congresso a toque de caixa teria condições de aprovar rapidamente. Ele errou em concentrar a comunicação no Congresso e errou em criar o tom, a propaganda, vamos dizer, da reforma da Previdência. Ele está usando um argumento puramente fiscal, dizendo que ou é isso ou o Brasil quebra. Mas por que a reforma da Previdência é boa para o Brasil? Ou, e isso do ponto de vista do governo, o que ele vai fazer com o dinheiro que economizaria? A reforma por si só já é complicada, ainda mais feita por um governo que tem problemas de legitimidade.
Esse é um governo que para continuar operando tem que aprovar a agenda econômica, é uma questão de vida ou morte para eles. Eles foram empossados para isso, para executar uma agenda econômica. Mas, por outro lado, é um governo que não tem insensibilidade política. Se ele vê a resistência aumentar e essa resistência se transformar num “Fora, Temer”, acho que ele abre mão, por algo como uma CPMF da Previdência, por exemplo. Se tem uma coisa que esses caras do PMDB sabem fazer é sobreviver politicamente. Então eles ficam pressionando a corda e avaliando até onde podem ir. A resistência no Congresso já tem uma sinalização, eles vão insistir, mas se perceberem que vai haver um tensionamento na sociedade a ponto de uma ruptura, eles recuam.
Em dezembro você afirmou que só as ruas ou fracasso econômico ameaçavam 'acordo de náufragos' entre Temer e Congresso. Isso continua?
Acho que até o próximo governo vai passar por isso, independentemente de quem seja. A população na rua e as fragilidades da economia são variáveis constantes da equação política brasileira hoje. Eles vão tentando conciliar uma agenda de liberalização que de alguma forma tente retomar um mínimo de atividade econômica e observando a reação das pessoas. Esse governo estabeleceu um acordo entre uma agenda de liberalização forte da economia e, em compensação, permite que o Congresso e as pessoas envolvidas em problemas tentem se salvar de alguma maneira, tenham uma agenda própria de auto-salvação.
Sabedor do compromisso do Temer com essa agenda liberalizante, o Congresso joga com isso também. Foi muito interessante a manifestação do deputado Fabio Ramalho (PMDB-MG), vice presidente da Câmara, dizendo que não vai votar a reforma da Previdência porque Temer não nomeou um ministro mineiro (Temer nomeou Osmar Serraglio, do PMDB-PR, para o cargo de ministro da Justiça, cargo reivindicado pela bancada mineira). Ou seja, ciente de que Temer depende muito da aprovação da agenda econômica, ele diz: ou você dá mais instrumentos e condições para a gente se salvar, ou a gente vai melar sua agenda econômica.
Temer está o tempo todo nessa gangorra. O Congresso não só sabe disso como a reforma da Previdência vem num momento em que a pressão por causa da Lava Jato aumenta – o STF liberando Valdir Raupp para julgamento, o Luís Roberto Barroso sugerindo uma mudança de interpretação do foro privilegiado, além do Janot anunciando que vai soltar uma segunda lista na semana que vem. Com tudo isso você soma elementos para uma combustão e capacidade explosiva gigante. Acho que o Congresso vai fazer uma coisa – que não deixa de ser uma chantagem também contra a sociedade: vai dizer que só vota medidas econômicas se tiverem um salvo-conduto. Não à toa, o Temer encarou o desgaste gigante de nomear o Alexandre de Moraes no STF, para ter algum tipo de controle. Num cálculo puramente político, Temer nunca bancaria o Alexandre de Moraes. Mas ele banca porque precisa oferecer alguma coisa para esse pessoal da auto-salvação, inclusive seus aliados e talvez ele mesmo.
E as mobilizações nesse processo?
Eles vão trabalhar se equilibrando nessa corda bamba. Qual é a força que pode acabar com esse equilíbrio? É a rua. Mas qual seria o limite da paciência das pessoas para elas voltarem à rua? Eu acho que estamos sempre muito próximos desse limite. Se você lembrar, a gente já teve manifestação, o pessoal pediu “Fora Maia”, “Fora Renan”, mas era um prenúncio. A gente está o tempo todo com o copo bastante cheio, esperando a gota. Podem ser as delações da Odebrecht? Como está tudo muito à flor da pele, às vezes um evento menor pode acordar o monstro e acordar a rua. Dentro do sistema político não há nenhuma força que tenha interesse e seja capaz de motivar um novo processo de ruptura política. A única força capaz de fazer isso é a rua.
Mas até o momento não houve rua suficiente. A Previdência, questão que mexe muito com o interesse de toda a sociedade, pode ser esse elemento?
Por isso que eu acho que o governo propõe e tira, vai fazer esse jogo para ver aonde ele vai. Apesar de toda a necessidade de dar resposta ao mercado e às forças que apoiaram o processo, eles não vão arriscar uma "revolução" por conta da Previdência. Acho que tiram o pé. Como disse, são hábeis no processo de sobrevivência. Mas é um governo que tem muito boas possibilidades de sofrer um revés muito forte, que passaria a se arrastar, a não oferecer mais perspectiva econômica. Aí talvez cresçam as conversas sobre antecipação de eleição, algo assim. Mas estamos falando sempre de hipóteses. O que a gente está vendo é a luta na trincheira, todos os lados muito fragilizados e a qualquer momento algo pode acontecer. Mas nosso poder de previsão dura cinco minutos.
Edição: Rede Brasil Atual