Na última segunda-feira (13), o prefeito João Doria (PSDB) participou de uma reunião a portas fechadas na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) para discutir o novo programa antidrogas “Redenção” (ainda não estruturado) que, segundo o próprio site do governo municipal, tem como principal linha de ação a extinção do tráfico de drogas em oito regiões da cidade, nas chamadas “cracolândias”.
O Centro de Convivência É de Lei, a Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas (INNPD), a Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL), o Centro de Inclusão Social Pela Arte, Cultura, Trabalho e Educação (Cisarte), a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), a Frente de Resistência com a Rua e o Coletivo A Craco Resiste promoveram um ato ontem, em frente a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, na Rua Líbero Badaró, contra a falta de diálogo da prefeitura.
O ato pacífico levanta pautas sobre o cuidado com os dependentes químicos, as pessoas em situação de rua, a redução de danos e a não utilização de violência, mas a prefeitura já anunciou que trabalhará de maneira conjunta com a policia estadual e federal.
“Na verdade, o programa Redenção não vai trabalhar de forma integrada essencialmente com a prefeitura de São Paulo, tem que deixar explícito que o programa busca uma ação integrada entre as polícias. (…) O que a gente propõe é que ele não aconteça e que, se vier a acontecer, seja de maneira intersecretarial, com participação efetiva dos movimentos, Movimento Nacional de População de Rua, movimento das culturas, da população negra. Haja visto que mais de 90% da população de rua é de pretas e pretos”, diz Bob Controversista, conselheiro estadual de direitos humanos e membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa (Condepe).
O programa “Redenção” ainda está em fase de estruturação e pretende ser apresentado em abril pela Prefeitura de São Paulo, mas, por enquanto, as poucas informações sobre sua atuação na política sobre drogas priorizam a segurança, a assistência social e a zeladoria, conforme nota emitida pelo governo municipal.
“A Prefeitura pretende implantar o programa Redenção e espera que a região da Luz, hoje afetada pelo consumo e tráfico de drogas, passe por uma grande transformação social e urbana. O projeto tem como eixo fundamental o acolhimento e tratamento de dependentes químicos. O conceito básico é primeiro dar abrigo aos dependentes. O programa inclui também ações nas áreas de segurança, assistência social e zeladoria. As iniciativas serão feitas em conjunto com o governo do Estado, o governo Federal e a sociedade civil”.
O prefeito Doria prevê que o programa atue em cinco eixos: policial, social, medicinal, urbanístico e de zeladoria urbana, mas até o momento não dialogou com movimentos populares e coletivos que lutam por uma nova política de drogas.
“Em primeiro lugar as reivindicações são que o prefeito construa o plano em diálogo com outros setores da sociedade civil, com movimentos sociais, com as entidades que discutem a política sobre drogas e que o plano não tenha como eixo central o combate ao tráfico e ação de repressão policial na Cracolândia, porque a gente tem muito receio de que aconteça como a operação 'Dor e Sofrimento', em 2012, que acabou só dispersando o fluxo, cometendo várias violações de direitos”, afirma Nathália Oliveira, membro da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas (INNPD).
Especulação imobiliária
O programa “Redenção” vem sendo criticado por movimentos populares antes mesmo de ser implementado. O objetivo, segundo os movimentos, é “higienizar” o centro da cidade, que hoje abriga muitas pessoas em situação de rua e do chamado “fluxo”, favorecendo a especulação imobiliária.
“O programa Redenção, na sua essência, tem forte influência de empresários da região central, principalmente porque não vai se focar só na região central, terá ramificações do centro expandido. Ele tem forte influência nessa questão da especulação imobiliária e no desenvolvimento de negócios para essa ponte da pirâmide. Quando ele fala dessa questão da zeladoria é de zelar pelo patrimônio existente e criar condições de novos focos produtivos entre empresas e grandes capitalistas”, comenta Bob.
A ação integrada entre Guarda Civil Metropolitana, Polícia Militar e Polícia Federal também vem sendo fortemente criticada por tratar a questão de dependência como uma “guerra às drogas”, não levando em consideração as necessidades dos dependentes químicos e a da população em situação de rua das áreas centrais da cidade.
“De Braços Abertos”
“Uma pesquisa feita pela Secretaria Municipal da Saúde em 2016 mostrou que 88% dos beneficiários do programa “De Braços Abertos” - instituído durante a gestão de Fernando Haddad (PT), em São Paulo - afirmaram ter reduzindo o consumo de crack. Outra pesquisa, ainda inédita, encabeçada pela organização “Open Society Foundations”, também apontou a “efetividade do programa”, ratifica o ex-secretário de Saúde Alexandre Padilha.
Padilha é médico e trabalhou no programa durante a gestão do ex-prefeito. Ele aposta na “não guerra às drogas”, em ações humanizadas e sem agressividade para lidar com o tráfico e sobretudo com os usuários. “Com o programa 'De Braços Abertos' acreditamos que a Cracolândia tem solução, cuidando da saúde das pessoas e reconstruindo seus projetos de vida, combinado com combate inteligente ao tráfico e desenvolvimento da região. Infelizmente, por trás de propostas de de internação compulsória, vem à ideia de que excluir as pessoas do local é a forma de resolver o problema. Esta é a visão que deu errado historicamente, assim com a guerra às drogas que se evidenciou uma guerra aos pobres.
A recepcionista Sueli* foi uma das beneficiadas pelo programa, do qual participa há um ano. Ela é usuária de crack e está no processo de redução de danos com garantia de direitos: “Com a minha sinceridade, eu avalio o programa assim, numa gestão era uma coisa, agora é outra. No meu caso, entendeu, eu tinha os meus benefícios, por eu ter problema de saúde, agora como entrou outra gestão eu perdi meus benefícios. Então já não vejo mais vantagem, porque esse novo prefeito tirou vantagem não só minha, mas de muita gente”, conta.
O programa não foi levado à frente pela gestão Doria, mas o prefeito prometeu manter os beneficiados nos hotéis, até sua reinserção social. “Os contratos com as Organizações Sociais (OS’s) que contratam profissionais e hotéis permanece em vigência. Mas a única secretaria que está na coordenação agora é a de Direitos Humanos. Não tem coordenação da nova gestão no programa, então quem está tocando ele são as organizações sociais basicamente”, relata Amanda*, que é técnica contratada do programa e trabalha na área há cinco meses.
“O Programa funciona visando a garantia de direitos dos usuários de drogas em situação de rua. Os beneficiários cadastrados no Programa têm direito à moradia nos hotéis, inclusão em uma das 13 frentes de trabalho do Programa Operação Trabalho (POT, da Secretaria Municipal de Trabalho) com remuneração paga semanalmente, de acordo com a quantidade de dias trabalhados, alimentação em restaurante popular, com três refeições diárias, e assistência da saúde e do serviço social referenciada aos hotéis”, explica Amanda.
*Nome fictício
Edição: José Eduardo Bernardes